O Efeito Dunning-Kruger

Émerson Hernandez
GUMA-RS
Published in
4 min readMay 2, 2018
São Tomás de Aquino, por Botticelli.

Atribui-se a São Tomás de Aquino a expressão acima que, traduzida do latim, significa “temo o homem de um único livro”. Ou seja, desde a Idade Média já existem pensadores incomodados com o fenônemo que acomete os menos competentes no julgamento de suas habilidades. No entanto, séculos tiveram de passar até que na Universidade de Cornell, Justin Kruger e seu aluno David Dunning desvendaram o que de fato acontece.

Conta a lenda que em uma manhã do ano de 1995, um homem chamado McArthur Wheeler decidiu roubar um banco. Ele havia aprendido sobre um fenômeno químico de invisibilidade que acontece com o uso de suco de limão e calor, e resolveu usar essa propriedade na prática. Pela sua lógica, era passar a bebida em seu rosto para tornar-se indistinguível e assim poder cometer o delito sem problemas. Para piorar a situação ele tirou uma foto do seu rosto e a mesma saiu totalmente branca. Não se sabe se foi má operação da máquina ou o quê, mas isso apenas fortaleceu nele a sua pitoresca ideia.

Cheio de auto-confiança, cometeu não um, mas dois roubos em bancos. Algumas horas depois, foi preso por policiais que o identificaram via câmeras de segurança das instituições financeiras. Durante seu depoimento, ele estava totalmente incrédulo de como a sua ignorância tinha sido fatal para seus planos. Após verem a notícia, Kruger e Dunning ficaram intrigados com toda a história e resolveram investigar o comportamento mais a fundo. McArthur não parecia louco, mas apenas possuia excesso de confiança em si e no seu plano.

Ambos tiveram como sujeitos de seus estudos estudantes de gradução que foram testados em áreas distintas como lógica, gramática e humor. Além disso, pedia-se para que eles avaliassem seus resultados em comparação aos outros participantes do estudo. O que se viu, é que os alunos que tinham as piores notas foram os que mais exageraram sua auto-avaliação. Dotados dos dados em mãos, finalmente demonstraram o ocorrido: quanto menos competente for um indivíduo em uma determinada tarefa, mais provável vai ser que ele se sinta extremamente capaz em relação a ela.

O efeito, em uma figura.

A partir daí, o efeito Dunning-Kruger foi definido como o viés cognitivo que se manifesta através da incompetência das pessoas em reconhecer que não sabem e não são boas em determinado assunto ou habilidade. Como o conhecimento e a inteligência requeridos para ser competente em algo são, normalmente, os mesmos para se reconhecer bom naquilo, as pessoas não conseguem reconhecer suas incapacidades e por consequência tendem a ser mais confiantes do que são capazes.

No dia-a-dia de trabalho, é importante saber que esse fenômeno existe. Dependendo da sua atuação na empresa (entre eles eu ressaltaria quem tem hoje papel de gestor ou Agile Coach, por exemplo), é importante reconhecer esse tipo de situação para conseguir apoiar seus times de maneira adequada. Muitas pessoas não desempenham bem seu papel pelo simples fato de não terem as habilidades necessárias para avaliar o que significa uma boa performance.

Felizmente, o mesmo estudo demonstrou que pessoas que continuaram a aprender sobre o assunto foram capazes de voltar a seus testes preliminares e reavaliá-los como ruins. Logo, a saída para resolver o problema causado por esse viés cognitivo passa primeiro pela consciência de que todos nós sofremos esse tipo de efeito. Para líderes, admitir que não se sabe de algo por ser realmente uma grande oportunidade de engajar seus pares e times. Dizer frases como “Não sei, o que você acha?” ou “Tenho dúvidas, você me ajuda a resolver?” demonstra não apenas vontade de admitir espaço de melhoria como também inclui a outra pessoa como parte da solução tanto do problema quanto do desenvolvimento profissional. No geral, esse tipo de comportamento acaba reforçando o relacionamento e aumentando a confiança.

A partir desse entendimento, duas grandes soluções aparecem como ferramentas para vencer esse efeito. Vale observar que ambas servirão tanto para nós mesmos quanto para aqueles que queremos ajudar. São elas:

  1. Bom feedback e
  2. Aprendizado contínuo e diversificado.

Nesse segundo caso, vale pensar em alternativas tanto para os outros quanto para si. No que tange ao próprio, jornadas de auto conhecimento são importantes para ajudar você a identificar as formas que você melhor aprende.

Créditos da imagem: Pexels.

Cuidado com o outro lado da moeda …

Antes de acabar o texto, deixa eu compartilhar algo a mais com você. Olhando para o gráfico, há outros dois fatores que devemos levar em consideração também.

O primeiro é quando temos pessoas que são realmente muito competentes. Elas podem achar que todo mundo possui o mesmo nível de entendimento e conhecimento, e por causa disso, os feedback não são eficientes pois quem ouve não consegue compreender o que está sendo dito.

O segundo ponto de atenção se dá para aquelas pessoas que nunca se acham boas o suficiente. Nesse caso, o que pode estar acontecendo é o que se chama de Síndrome do Impostor.

Como bônus do artigo, a explicação do fenômeno pela ótica de um dos Pythons.

John Cleese, falando sobre estupidez

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