Comentários sobre o documentário Dilema das Redes

Harumi Miasato
Harumi Miasato
Published in
5 min readSep 19, 2020
Fonte:Netflix. Disponível em:https://www.netflix.com/br/title/81254224

Para você se ambientar:

Aproveitando o gancho das últimas publicações me pareceu fazer sentido escrever sobre o “Dilema das Redes”.

É um documentário que conta com depoimentos de “insiders” (pessoas de dentro) da arquitetura das plataformas sociais (como facebook, instagram, pinterest e da própria google), abordando temas desde o design do layout dessas plataformas até a coleta de dados dos usuários.

Durante os seus depoimentos, os especialistas vão evidenciando a influência que o mundo online exerce no mundo offline.

O documentário também intercala com as falas dos especialistas cenas de dramaturgia como ferramenta ilustrativa.

Há quem tenha se impactado de forma tão profunda que optou por se afastar das redes sociais, e, por essa razão, ao contrário do que costumo fazer, esse texto apresentará opinião pessoal — mas não se preocupe, as partes opinativas serão sinalizadas.

O Início

- A parte chata — palavras complicadas e as suas definições

Não tem jeito. Dessa vez vou precisar falar sobre aquelas palavras que parecem um bicho de sete cabeças, então vou explicar para vocês o que querem dizer.

Machine Learning (“aprendizado da máquina” — como sempre, em tradução livre) — Lembram dos algoritmos? Aquela sopa de letrinhas que falei sobre nesse texto aqui? Entre outras coisas eles também servem para desenvolver a inteligência artificial e é aí que o machine learning entra.

A capacidade que o algoritmo tem de se moldar ao comportamento do usuário, interpretar e prever o nosso comportamento, palavras que queremos digitar e assuntos que podem ser do nosso interesse é o machine learning. É a máquina aprendendo sobre nós de acordo com a nossa navegação online.

Deep Learning (“aprendizado profundo”) — É o machine learning em um grau mais avançado e refinado a partir de um grande volume de dados (big data).

- O Documentário “Dilema nas Redes”

Um dos pilares do documentário é o jargão utilizado no meio da tecnologia e especialistas em dados: “se você não paga pelo produto, o produto é você”, e as moedas de pagamento são os seus dados pessoais.

Conforme os depoimentos são mostrados, a narrativa em torno da monetização da coleta de dados pessoais dos usuários vai tomando forma e ficando cada vez mais claro as mil e uma utilidades de uso dos nossos dados pessoais para gerar lucro.

Há quem diga que dados pessoais são o novo petróleo. Particularmente eu discordo. Dado pessoal é o nosso bom e velho bombril.

O petróleo é uma fonte esgotável já os dados em geral não. A cada clique, a cada acesso a um site, pesquisa na internet, comentário publicado, corações e likes distribuídos, o tempo de visualização de vídeos, fotos, textos, o uso de dispositivos inteligentes…tudo isso gera novos dados.

E as utilidades dos dados são diversas. Podem servir para pesquisas acadêmicas, estudos para desenvolvimento de políticas públicas, criação e produção de um filme/série/programa, música, produtos, identificar público alvo, monetização, desenvolvimento de estratégias de campanhas políticas e publicitárias, monitoramento de doenças, taxa de desemprego…entre outras.

E os depoimentos vão além, afirmam e demonstram a capacidade da influência que as plataformas online e as bolhas sociais podem exercer sobre os usuários. (Lembra dos textos anteriores sobre a função dos botões de likes e a relação dos algoritmos e fake news?)

É um mundo apresentado que em um primeiro momento pode ser muita informação para assimilar e acaba gerando medo, preocupação e até um pouco de impotência.

E tem feito com que algumas pessoas excluam suas redes sociais.

A partir daqui se inicia a parte opinativa.

- Excluir as redes sociais talvez não seja a melhor solução para lidar e enfrentar os problemas apresentados pelo “Dilema das Redes”

Os algoritmos e dados pessoais estão em todo ambiente digital. Estão no seu navegador, nos sites, nos seus aplicativos, no seu email, nas ferramentas de pesquisa…Portanto, excluir as redes sociais por si só não enfrenta a questão da eventual manipulação e impactos sociais decorrentes.

Lembra do machine learning e deep learning? Considerando que os algoritmos aprendem o nosso comportamento para nos retroalimentar com mais conteúdos que possam nos interessar? E se mudássemos o nosso comportamento online para moldar os algoritmos de uma forma diferente?

Sabe aqueles filmes sobre inteligência artificial em que em um dado momento a I.A. se vê em um impasse ético e não compreende a razão do ser humano ter adotado determinado comportamento? Como no Stealh — Ameaça Invisível? Pois é, algoritmos executam apenas aquilo para qual foram programados para fazer e no caso em questão estamos falando de algoritmos desenhados para estimular a nossa interação e mais tempo de navegação das redes sociais para que possam aprender mais sobre nós.

Talvez o meu ponto esteja um pouco confuso. Pense nas máquinas de refrigerante, você coloca uma nota de x valor de dinheiro, aperta o botão do refrigerante da sua preferência e em seguida o refrigerante cai na portinha para que você retire. Certo?

Nesse caso os algoritmos são como as máquinas de refrigerante, a sua ação de inserir o dinheiro e apertar o botão representam o seu comportamento online e a entrega da latinha é a retroalimentação dos seus interesses.

- É possível driblar a lógica dos algoritmos?

Não direi que é 100% possível, mas que é possível deixa-la embaralhada como num jogo de cartas. Há quem chame isso de “detox de dados”.

1.Abra a parte de configurações, acesse privacidade e depois as abas de anúncio, localização, microfone e afins;

2.Desabilite todas essas funções;

3.Se for utilizar uma ferramenta de pesquisa, faça na aba anônima ou ao menos sem fazer login no navegador;

4.Nas redes sociais por vez ou outra interaja com conteúdos diferentes, busque conteúdos aleatórios, evite discussões inflamadas ou opte pelo modo privado (sempre que possível);

5.Em relação aos seus aplicativos, faça a mesma coisa do item 1 e 2. Vá em configurações do aplicativo e desabilite os acessos desnecessários como a localização para apps de mensagem;

6.Acione o gps somente quando necessário, assim como o microfone e a câmera do celular;

Na conta google você pode acessar https://myaccount.google.com/data-and-personalization e realizar essas configurações e caso tenha curiosidade você pode ver todas as informações que estão armazenadas sobre você. O facebook, twitter, instagram também oferecem a opção de baixar os seus dados.

Obs: Essas não são as únicas medidas que podem ser adotadas, existem algumas outras que posso falar sobre depois caso tenham interesse.

- Por último, mas não menos importante

O documentário gera preocupações? Sim. Mas tente encarar como um alerta, um despertar para o que acontece com os seus dados pessoais, em como são utilizados e em como você pode se proteger e preservar.

E tenha sempre em mente que: O problema não é a ferramenta, mas a forma como é utilizada. Por isso a educação digital ou media literacy é tão importante. Educação digital não é apenas sobre saber enviar uma mensagem no messenger ou whatsapp, mas entender um pouco melhor sobre o funcionamento dessas ferramentas, os seus benefícios e malefícios e como podemos utilizá-las de uma forma mais segura para nós mesmos.

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Harumi Miasato
Harumi Miasato

Advogada|Membro da Associação Nacional de Advogados(as) do Direto Digital ANADD e Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados — ANPPD