PL 2630/2020 — Novo texto substitutivo recua em relação a alguns pontos polêmicos, mas mantém monitoramento em massa

Harumi Miasato
Harumi Miasato
Published in
4 min readJun 30, 2020

Para você se ambientar:

O Projeto de Lei 2630/2020 amplamente divulgado como “PL das Fake News” surge como uma promessa de combate a disseminação de conteúdos falsos e/ou desinformativos.

Na noite da segunda-feira (29/06), o Relator do PL 2630/2020, Senador Angelo Coronel protocolou novo texto substitutivo ao texto inicial do Projeto de Lei. (Disponível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8127226&ts=1593475817049&disposition=inline. Acesso em 29 jun 2020)

O novo texto apresenta algumas melhorias em relação a pontos sensíveis a privacidade e proteção de dados, acesso aos serviços dos provedores de aplicações.

Mas a redação do projeto de lei ainda prevê o monitoramento, rastreamento, coleta e armazenamento de dados dos usuários e fere a privacidade e proteção de dados.

A votação do projeto de lei está prevista para hoje, dia 30/06.

- Apresentação de documento válido — identificação do usuário;

Tal como no texto anterior a necessidade de apresentar documento de identificação válido permanece nos casos genericamente definidos como “denúncias por desrespeito a essa Lei” e “indícios de contas inautênticas”.

Foi suprimido do texto a limitação do número de contas vinculadas a um mesmo número de celular, e a permissão do uso de pseudônimo condicionado a devida identificação do usuário.

A validação da conta através de número celular permanece em relação aos serviços de comunicação interpessoal, e, portanto, segue excluindo as contas comerciais vinculadas a número te telefone fixo.

Outro ponto que permaneceu, é a atribuição de responsabilidade ao provedor de aplicações quanto a identificação de fraude no cadastro e o uso de contas em desacordo com a legislação. Além da limitação do número de contas controladas pelo mesmo usuário.

- Suspensão de contas;

A obrigatoriedade da suspensão das contas cujos números tenham sido desabilitados pelas operadoras de telefonia permanece, mas limitado aos serviços de comunicação interpessoal.

Portanto, a problemática em relação a números pré-pagos permanece.

- Obrigatoriedade da guarda dos registros de encaminhamento de mensagens em massa;

A manutenção dos registros de encaminhamento de mensagens em massa com indicação de data, horário, identificação dos usuários da cadeia de encaminhamento não se aplicam para as mensagens que alcançaram um quantitativo total maior que mil usuários e devem ser eliminadas nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados.

A primeira vista pode parecer que o monitoramento e rastreio das mensagens foi mitigado. No entanto, a vigilância se torna ainda mais intensa na medida em que impõe o acompanhamento constante da cadeia de mensagens para apurar se atingiu o número mínimo de mil usuários.

É importante lembrar que, qualquer um que integre a cadeia de encaminhamento de mensagens será afetado por esta determinação. Mesmo que repasse a mensagem para um canal de denúncias ou de verificação de notícias, por exemplo.

Apresenta também uma outra questão: a redação do projeto de lei considera como encaminhamento de mensagens em massa, o envio da mesma mensagem por mais de cinco usuários em um intervalo de até 15 dias.

Tendo isso mente, pergunta-se: Há um tempo limite para verificar se as mensagens atingiram mil usuários? O alcance de mil usuários também deve ocorrer dentro do intervalo de 15 dias? Ou o limite de tempo para atingir mil usuários é igual ao tempo que deve guardar os registros, ou seja, 3 meses?

Dependendo da resposta, de determinação da guarda do registro da cadeia de mensagens apenas para os encaminhamentos que atingirem mil usuários pode se tornar totalmente inócua.

- Remoção de conteúdo — artigo 12

Houve uma reformulação total do artigo 12 do projeto de lei.

Agora, o caput determina transparência nos procedimentos de moderação de conteúdo realizado pelos provedores de redes sociais.

Quanto a remoção de conteúdos, a redação faculta a “indisponibilização” dos conteúdos e contas quando verificar a prática de determinadas condutas. Cabe destaque aqui, para o inciso V que aparentemente versa sobre a disseminação de deep fake: “indução a erro, engano ou confusão com a realidade pelo uso de conteúdo de áudio, vídeo ou imagem deliberadamente alterado ou fabricado, especialmente acerca da identidade de candidato a cargo público, ressalvados o ânimo humorístico ou de paródia.”

Mas um questionamento é: porque em relação a identidade de candidato a cargo público?!

O parágrafo 5º prevê o direito de resposta tal qual a lei 13.188/2015.

No entanto, a análise do direito de resposta aqui previsto, se limita apenas a “ofensa à honra, à reputação, ao conceito, ao nome, à marca ou à imagem de pessoa física ou jurídica”.

Conclusão

Após diversas críticas a aspectos do Projeto de Lei 2630/2020 realizadas pela sociedade e institutos dedicados a liberdades digitais, o texto substitutivo protocolado na noite do dia 29/06 suprimiu algumas determinações da redação do texto substitutivo anterior.

Apesar de ter afastado a vinculação da criação de contas à informação de número de celular, ainda persiste o dever de monitoramento, rastreio e armazenamento do registro da cadeia de mensagens que viola a proteção e privacidade de dados.

Além disso, o foco ainda permanece na conduta dos usuários e dos provedores de aplicações não contemplando a raiz do problema: a conduta daqueles que financiam e criam conteúdos desinformativos.

--

--

Harumi Miasato
Harumi Miasato

Advogada|Membro da Associação Nacional de Advogados(as) do Direto Digital ANADD e Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados — ANPPD