VOCÊ CONSOME O QUE VOCÊ QUER, OU É INDUZIDO A QUERER? QUAL RELAÇÃO DOS BOTÕES DE REAÇÃO COM O CONSUMO?

Harumi Miasato
Harumi Miasato
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5 min readSep 15, 2020

Para você se ambientar:

O que shoppings, supermercados e cassinos têm em comum?

São locais sem janelas, amplos e na maior parte das vezes com algum som ambiente agradável. Mas o principal ponto em comum é: são lugares em que cada detalhe é pensado para que o consumidor não note a passagem do tempo, a ausência de janelas não é por acaso assim como a disposição dos produtos nas gôndolas, organização dos produtos, localização das lojas.

Qual a ideia por trás? Manter você o máximo de tempo possível dentro do ambiente para que você consuma mais. E ainda que você não compre nada no shopping, o tempo do estacionamento está contando né? E em geral, não é barato e aí você decide comprar alguma coisinha só para não precisar pagar o estacionamento…

Pense nas mídias sociais como um grande shopping, com a diferença de possuir janelas, não para lado de fora, mas para dentro de outros mundos.

Quanto mais você curte posts, comenta/compartilha/salva, faz publicações mais você passa tempo nas mídias sociais e quando se dá conta “o tempo passou pela janela e só carolina não viu”. Ou você nunca disse para si mesmo que ia dar só uma olhadinha do instagram antes de dormir (quando ainda eram 22hr) e acabou indo dormir à 1 da manhã?

OBS: Tentarei algo diferente dessa vez. Nessa publicação irei abordar o assunto como se estivéssemos em um diálogo pessoalmente, te questionando e fazendo provocações. Desse modo, a minha pretensão é que a conforme as perguntas forem sendo feitas você anote as suas respostas e se possível aceite a proposta que te farei ao final.

RASTREAMENTO DE EMOÇÕES

Alguma vez você já se perguntou a razão de algumas redes sociais possuírem mais de um botão de reação ao invés de apenas “curtir”? Tem alguma ideia?

Bem, não é para nos possibilitar mais formas de expressão. Afinal, se não gostarmos de algum conteúdo é só passar direto por ele não é?!

As múltiplas possibilidades desses botões de reação servem a dois propósitos:

1. Identificar como você reage a determinados conteúdos;

2. Identificar quais são os conteúdos em alta no momento independente do tipo reação;

Em ambos os casos a finalidade é fazer o conteúdo em questão atingir mais pessoas e gerar mais interação e, manter mais usuários ativos na plataforma o maior tempo possível. Hashtags são ótimas para catalogar assuntos, mas também são ótimas para te manter “ligado” e acompanhando as atualizações.

Com o rastreamento de emoções é possível direcionar a você conteúdos do seu interesse: se você curte vídeos de gatinhos fofinhos ou se interage mais com determinado tipo de conteúdo político, você verá mais conteúdos assim no seu feed.

É uma espécie de “retroalimentação”. Quanto mais você interage com determinado perfil da rede social ou tipo de conteúdo, mais publicações daquele amigo e tipo de conteúdo você verá. E, via de regra, mais tempo você passará navegando na plataforma.

Aliás, a rede social facebook realizou um estudo[i] nesse sentido. O foco era verificar a possibilidade de emoções se espalharem pela rede sem que houvesse contato “cara-a-cara” entre os usuários da plataforma social.

A PESQUISA

O estudo foi conduzido em 2012 através de um experimento em que 700.00 (setecentos mil) usuários foram influenciados.

A exibição do número de comentários bons ou ruins foi alterada no feed dos usuários, ou seja, para mim poderiam aparecer mais comentários ruins e para você mais comentários bons ainda que fossem relativos ao mesmo conteúdo.

Através desse experimento, os pesquisadores da plataforma chegaram a conclusão de que as pessoas expostas a mais comentários ruins realizaram mais publicações negativas ao passo que os usuários que escreveram publicações positivas foram os que foram expostos a comentários e conteúdos positivos.

“Os dados mostraram que as mensagens on-line influenciaram a ‘experiência de emoções’ dos leitores, o que pode afetar o comportamento offline, disseram os pesquisadores.”

Uma das polêmicas em torno desse estudo é que nenhum dos usuários expostos a esse experimento sabiam disso.

Então, aqui vai uma provocação: O quanto do que consumimos nas redes sociais afeta o nosso comportamento online e offline? Quais gatilhos são acionados em nossas mentes quando nos deparamos com determinados conteúdos?

Os impactos no mundo offline

É possível perceber os impactos para além das fronteiras das redes sociais de maneira empírica.

Basta observar a eclosão de manifestações com os mais variados temas e vieses, a mudança nas relações sociais e familiares e as formas e fontes que consumimos informação.

Repare no modo como passamos a duvidar e questionar a veracidade de algumas notícias. Atualmente muito se fala que estamos vivendo na “era da pós-verdade”, entre fatos e factoides.

A dúvida virou a regra, e consequentemente, como dizia Bauman a confiança no outro é um verdadeiro salto de fé na humanidade. E hoje vemos a sociedade como um todo rompida, desfazendo pontes e abrindo abismos. Colocamos a culpa na polarização, nos algoritmos, na inteligência artificial.
Ainda citando Bauman, diante disso, o maior poder das redes sociais deixou de ser a aproximação, mas sim o botão de “desfazer amizade” e “deixar de seguir”.

Nada disso seria um problema se não fosse pelas chamadas “bolhas sociais” em que vemos apenas mais daquilo que reforça o nosso ponto de vista seja em relação a gatinhos fofinhos ou questões mais complexas e sérias. Por isso quero te convidar a furar bolha.

Proposta de experimento pessoal — Fure a sua bolha

Se você leu até aqui, eu gostaria de te fazer um convite:

1. Abra feed da rede social que você mais utiliza e anote os amigos que mais aparecem para você e o tipo de conteúdo. Você irá perceber que você apenas visualiza o conteúdo de alguns amigos;

2. Entre 7 e 10 dias seguidos interaja com os amigos que não aparecem no feed. Comente, curta as publicações deles e note como seu feed começará a mudar;

3. Comece a interagir de maneira diferente com conteúdo e páginas diversas das que você normalmente buscaria interação;

4. Ao final desse experimento, compare as mudanças do seu feed com as suas anotações do passo 1 e veja as mudanças;

Ah, se quiser é claro, depois me conta se você fez o experimento e se notou alguma diferença.

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[i] https://exame.com/tecnologia/facebook-permitiu-que-pesquisadores-influenciassem-usuarios/amp/

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Harumi Miasato
Harumi Miasato

Advogada|Membro da Associação Nacional de Advogados(as) do Direto Digital ANADD e Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados — ANPPD