Uma palavrinha sobre representatividade e por que ela nos importa

Pamella Oliveira ♀
Hekate
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4 min readMay 27, 2017

Quando não conseguimos nos ver em algum lugar é porque, provavelmente, ainda não chegamos a ele.

Em uma palestra do TED, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche fala do perigo de uma história única. Em sua fala, ela explica seu processo de escrita e como ela, nascida na Nigéria, quando mais jovem escrevia coisas completamente fora do seu ambiente e descrevia personagens com características físicas totalmente diferentes da dela. Isso se dava desde a fisionomia daquelas pessoas ficcionais, até seus costumes e hábitos alimentares.

Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são.

O que Chimamanda diz é: se você não está lá, ocupando determinado espaço, você não existe (ou quase isso). Por isso, se você não vê uma pessoa igual a você, com a qual se identifica, alguém que tenha o cabelo igual ao seu, fale seu idioma ou viva os mesmos problemas e costumes que você, sua presença não é notada e passa a ser insignificante. Pior: deixa, paulatinamente, de existir, dando cada vez mais espaço para a norma, isto é, para que as descrições de pessoas permaneçam como são.

Essa questão é constantemente retomada em discussões acerca das pessoas protagonistas de filmes, séries e novelas, das pessoas que majoritariamente estampam propagandas e a maior parte dos atores. Existe uma imagem que é diuturnamente reforçada, uma imagem de como devem ser as modelos. Isso acontece muito com as mulheres.

Há, mais ou menos, dois anos eu comecei a me aventurar no mundo do jiu-jitsu. Nunca tinha me interessado sequer minimamente por nenhum esporte de contato, mas esse me deixou especialmente curiosa. Não sei dizer o motivo. Dizem que ele “te morde”, acho que foi isso. Embora eu tenha tido ótimas experiências nessa empreitada, uma coisa me chamou muita atenção. Agora, o que isso o jiu-jitsu tem a ver com a representatividade? Eu respondo: tudo.

Os tatames ainda são majoritariamente ocupados por homens. Atualmente, estamos vivendo um boom da presença feminina, e o fato de vermos mulheres lá faz com que nos sintamos representadas. Saber que eu não era a única me confortou muito, mesmo que a quantidade de mulheres ainda fosse bem menor do que a de homens. Isso porque essa presença me deu a certeza de que aquele lugar também era pra mim, de que eu também poderia ocupá-lo.

Algumas dessas conquistas de espaços ainda são muito recentes, como é o caso das artes marciais. Mas, mesmo assim, nós estamos lá. Pessoalmente, torço muito mais pelas mulheres do que pelos homens no esporte, pois me identifico com elas, enxergo-as como parceiras, consigo me enxergar mais nelas etc. Sinto, além disso, imenso orgulho por elas estarem ali contrariando padrões estéticos esperados (por serem fortes, ou estarem acima do peso considerado ideal, ou por serem brutas) e sem se importarem com os julgamentos decorrentes dessa não adequação aos padrões sociais.

Falando nisso, a presença maciça das mulheres nas artes marciais de todo tipo é essencial para firmar a representatividade enquanto estereótipos. No jiu-jitsu, por exemplo, podemos ver corpos de todos os formatos, cabelos de todos os tamanhos e tipos variados, mulheres que usam maquiagem ou não, e isso nos representa. E, claro, só o fato de ser mulher já é suficiente para sanar algumas dúvidas muito específicas da nossa condição, sejam dúvidas a respeito do cabelo, ou pela roupa que usar debaixo do kimono, tudo isso só pode ser respondido por alguém que vive essas questões.

No vídeo de Chimamanda (que eu citei no início deste texto), ela fala, principalmente, das relações de poder que as histórias carregam. Quando um povo tem voz e conta a história de outro, ele tira o seu lugar de fala e, consequentemente, enfraquece sua representatividade. A história das mulheres foi, durante muito tempo, contada por homens, que estabeleciam regras e padrões que deveriam ser seguidos. Assumir nossos lugares enquanto narradoras dessas histórias é essencial para que possamos ocupar esses lugares, seja no esporte, na literatura, no cinema ou em qualquer outro lugar em que ainda não estejamos totalmente estabilizadas.

Somos poucas, mas somos fortes e, essencialmente, somos unidas!

Ainda estamos presentes em número reduzido nos esportes individuais, mas estamos lá. E para quem está de fora, a presença de cada uma conta muito, pois é um incentivo para começar ou mesmo nos mantermos em certos lugares.

Por fim, uma citação de uma de nossas maiores inspirações no esporte, Ronda Rousey, que vale a reflexão:

“Você é uma garota. É mais difícil ser uma garota neste esporte que um garoto. Não deixe que alguém faça você se sentir indesejada. Você tem direito de estar lá!” (Ronda Rousey)

Nós podemos ser tudo o que quisermos!

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1. Este texto é uma versão do que foi originalmente publicado em: http://bjjgirlsmag.com.br/index.php/2016/05/31/representatividade-por-que-ela-importa/

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Pamella Oliveira ♀
Hekate
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Só falo de livros, durmo muito e gosto de astrologia.