10 anos desde a partida do Marginal Alado que conquistou o Brasil
"Eu me lembro bem de quando ele chegou na Santos surfista dos anos 1990. O impacto foi inevitável. Ele era diferente de tudo que a cidade já tinha visto. Imagine um cara bonito, com cabelo comprido, um baita corpão, que andava pelas ruas sem camisa, com skate no pé, fazendo manobras a cada esquina, carregando uma caixa de som no ombro e sem nenhum pudor de chamar atenção." — Graziela Gonçalves, a Grazon, viúva de Chorão em sua autobiografia "Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz? Minha História de Amor Com O Chorão" publicada em 2018 pela Editora Paralela.
Na situação narrada acima, Alexandre Magno Abrão tinha lá os seus vinte e poucos anos, um filho pequeno, um casamento que não havia funcionado e, claro, uma banda: Charlie Brown Jr. Essa era a sua segunda banda, a primeira foi o What's Up, que tinha um baixista chamado Champignon, tão talentoso que Chorão precisou chamar esse cara para sua nova banda — ainda na formação anterior à que viria a ser conhecida por todo mundo (contando também com Thiago, Marcão e o Pelado). O curioso nome veio de uma situação incomum: uma vez Chorão atropelou uma barraca de água de coco com o seu carro, e na barraca havia o desenho do personagem Charlie Brown. Como a marca já era registrada, ele adicionou o "Jr.", também "por se sentir filho de uma geração marcante do rock brasileiro".
Nesse momento, surgiam muitas bandas em Santos — sendo a maior parte delas de hard rock ou heavy metal, a MTV havia chegado com força no Brasil e bandas que lá apareciam, como Nirvana e Pearl Jam, influenciavam muitos com o seu impacto poderoso. Os bares da cidade davam oportunidades para bandas locais fazerem covers e, às vezes, incluir músicas próprias. Com um carisma incontestável, Grazon conta que o Chorão já era praticamente uma celebridade local.
Graziela conta que, em um dos primeiros encontros do casal, não se aguentou e perguntou o motivo do apelido. O Alexandre teria respondido assim: "Foi um brother meu, o Bolota, de São Paulo, que começou a me chamar assim. Quando eu morava lá, tava sempre com uma galera mais velha que se reunia pra andar de skate embaixo da marquise do Ibirapuera. Sei lá, acho que eu reclamava muito e eles ficavam pegando no meu pé, falando pra eu parar de chorar. Mas quer saber a real? Eu sou emotivo pra caramba e choro mesmo". Ela não conseguiu acreditar muito na parte do "emotivo", mas ao longo da parceria entre eles, pôde afirmar que era 100% verdade.
No que Grazon e Chorão começaram a namorar, o CBJr. logo adotou a sua formação conhecida como "clássica", já mencionada acima. Ele sabia desde a sua banda anterior que seu som era diferente e muito próprio, combinando com o seu modo único de fazer arte, e acreditava que poderia viver por meio da música (mesmo sem o apoio de muita gente).
O show do Planet Hemp no Guarujá estava sendo super comentado e Graziela fez daquilo uma meta. Ligou para o dono do local onde seria o show, bancando a relações-públicas da banda, e perguntou se o Charlie Brown poderia abrir aquele show. A resposta foi bastante vaga, mas ela não desistiu, assim o casal partiu para o hotel onde a banda estava e conseguiram conversar com o Marcelo D2 — que lembrava do Chorão e dos dias de skate no Ibirapuera. Em resumo, eles toparam e aquele show mudou o rumo do som da banda de Alexandre. Ali, ele e Grazon notaram que o CBJr. precisava de uma identidade forte e original.
Mudanças foram feitas, as letras já não eram totalmente em inglês, agora falavam da realidade vivida por eles e, ainda assim, mantinham o seu peso. Na época, a namorada de Champignon era cunhada do Tadeu Patolla — produtor musical e integrante da banda Lagoa 66, por meio desse contato, a demo com a banda repaginada chegou a esse músico. Ele curtiu e o Charlie Brown começou a produzir músicas no estúdio que havia na casa dele.
Esse trabalho feito no estúdio chegou ao Rick Bonadio, produtor dos Mamonas Assassinas, que viu potencial e já chamou a banda pra uma conversa. Dali veio o primeiro contrato com a gravadora Virgin Records. Transpiração Contínua Prolongada saiu em 1997 e foi bem acolhido pela mídia. A partir disso, para começar a tocar nas rádios e a ser aceito pelo público, foi um pulo. O segundo hit, depois de O Côro Vai Comê, foi Proibida Pra Mim (Grazon) — que ganhou o prêmio MTV Video Music Brasil, com o vídeo na categoria Banda Revelação em 1998. Uma de tantas músicas atreladas à musa inspiradora do Chorão.
A banda conseguiu se manter sempre relevante na cena do rock nacional. Seja com trabalhos novos alcançando as rádios, nas aparições na TV, na participação no acústico MTV ou colecionando músicas nas aberturas da Malhação. A conquista dos jovens foi muito importante, afinal sempre comentam o quanto a banda e suas músicas moldaram uma geração por meio de suas letras sinceras sobre a realidade que compartilhavam.
Com dez álbuns de estúdio, Charlie Brown Jr. não abalou apenas o cenário nacional, mas também o internacional ao se tornar uma das bandas brasileiras mais ouvidas no exterior. Em 2009, veio um prêmio muito celebrado: o Grammy Latino com o álbum Camisa 10 joga bola até na chuva. O CBJr. passou por maus momentos durante sua trajetória, não há como negar, contando com brigas entre os membros e mudanças na formação. Contudo, mesmo com muitos conflitos internos, a banda se apresentou no Planeta Atlântida 2013 e fez dele um grand finale, para Chorão e Champignon, inesquecível.
Chorão era o membro com mais tempo de Charlie Brown Jr., sempre no vocal, ele pôde ver suas composições conquistarem tantos que viam nele uma espécie de herói. Além da música, o artista também foi responsável pelo roteiro do filme O Magnata, lançado em 2007 — ele também escreveu um segundo filme, O Cobrador, que não foi lançado. Apaixonado por Santos, chegou na cidade quando era um adolescente, mesmo nascido em São Paulo, sempre reforçava que era de Santos — a cidade que o acolheu e ainda o ama de volta. Ele e seu skate eram inseparáveis, Alexandre descobriu o esporte quando era jovem e até chegou a competir — esse amor resultou na Chorão Skate Park, pista aberta em 2003 que, infelizmente, por falta de verba para a manutenção, foi demolida em 2014.
Os fãs se despediram do grande ídolo em 2013, quando o cantor faleceu por conta de uma overdose de cocaína aos 42 anos e foi encontrado morto no seu apartamento localizado em Pinheiros. Mesmo após essa despedida forçada, é impossível se esquecer do legado de Chorão. Homenagens póstumas são recorrentes. Dentre elas, destaco livro já citado (Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz?) escrito pela Grazon — que conta a profunda história dos dois e detalhes vividos pela banda. Há também o documentário lançado em 2019, Chorão: Marginal Alado, rico em informações sobre a vida do cantor. Durante os seus shows no MITA Festival 2023, a banda NX Zero fez uma linda homenagem ao Chorão antes de cantar a clássica canção Cedo ou Tarde, deixando o saudoso público bastante emocionado.
Chorão continua mais vivo do que nunca na memória dos fãs que conquistou pelo mundo. Suas letras continuam sendo ouvidas e aclamadas por antigos e novos ouvintes. Aqueles que conheceram o Chorão de perto não hesitam em contar o quão gigante era aquele coração, apesar do jeito ariano e cabeça dura de ser. O legado de Chorão nunca será apagado, o talento dele permanece vivo e seus admiradores se agarram à promessa do "um dia a gente se encontra", mesmo que nesse "novo mundo" sem distâncias.
"Eu digo Charlie e vocês dizem…"