A última dinastia de Rebekah Harkness — famosa e problemática socialite que inspirou a faixa 3 de “Folklore”, álbum de Taylor Swift

ana guelere
Hello Band
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11 min readSep 19, 2021

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Em 2020, Taylor Swift deu um grande — e bom — susto nos fãs ao lançar como surpresa o seu oitavo álbum de estúdio, “Folklore”, demonstrando que sua criatividade nunca esteve tão brilhante e melancólica ao levar sua intimidade com as palavras à outro nível — afinal, ela o fez logo no início da pandemia pelo Covid-19. Ao usá-las, Swift priorizou composições baseadas em ficção: fora criado um mundo de personagens emotivos, aventuras, decepções e romances. Apesar de não focar em canções autobiográficas e suas situações, a artista colocou alguns sentimentos pessoais à risca em seus versos. Nem tudo ali, porém, é lenda e beleza: “The Last Great American Dynasty”, a faixa 3, é baseada em uma história real e intensamente trágica sendo sua protagonista — que também existiu — alguém que possui uma certa ligação com Taylor. Por trás de sua leveza, encontra-se o infeliz e doentio egocentrismo de Rebekah West Harkness.

Rebekah West chorou, mas Rebekah Harkness quebrou tudo

Rebekah nasceu em 1915, em Saint Louis, Missouri, fazendo parte de uma família considerada bastante fria: quando criança, esteve o tempo todo na companhia de babás, visto que uma delas foi contratada especificamente por ter trabalhado em um manicômio. Seus pais não gostavam da filha e isso também ficava explícito principalmente pela falta de importância que a entregavam. Seria uma época em que suas tentativas de surpreendê-los — sem sucesso — eram contínuas, entretanto, apenas trabalhar duro e tolerar não seria o suficiente. Dessa forma, Rebekah crescia e se tornava alguém com comportamento gradativamente mais difícil, começando com seu jeito na escola e, mais tarde, suas travessuras. Na faculdade, a jovem teria se aproximado de garotas com o mesmo “gênio” que ela. O grupo se autodenominava “Bicth Pack”. Ao se formarem, decidiram tentar bagunçar as coisas em meio aos eventos de elite: com uma brecha, durante o baile de debutante da irmã de Rebekah, resolveram colocar laxante na bebida. Num outro caso, subiram na mesa principal de um baile e fizeram um strip tease bastante animado.

Embora sua vida fosse movimentada desde cedo, a história começa a ser contada por Swift quando ela deixa sua terra natal para casar-se outra vez: seu primeiro cônjuge foi Dickson Walsh Pierce, enquanto o segundo se trata de William Hale Harkness. Bill, como era chamado, tinha certo poder social em mãos por ser o herdeiro da Standard Oil, uma antiga empresa que lidava com grande parte da produção de petróleo nos Estados Unidos, cujo teve seu bisavô como um dos primeiros acionistas — fato que o concedeu tal privilégio ao passar a fortuna de geração para geração. Com Dickson, Rebekah teve dois filhos: Anne Terry Pierce e Allen Pierce. Com Bill, nasceu mais uma menina: Edith Hale Harkness.

“Rebekah subiu no trem da tarde, estava ensolarado

Sua casa inglesa tradicional a fez esquecer de St. Louis

Bill era o herdeiro do nome e dinheiro da Standard Oil

E a cidade disse: Como uma divorciada de classe média conseguiu isso?”

“Holiday House” — “Casa de Férias”

Com a oficialização do matrimônio, uma das atitudes do casal foi comprar uma enorme casa de férias na beira do mar de Rhode Island, lugar que virou cenário para outras diversas ocasiões peculiares especialmente após o falecimento de William. Uma delas, por exemplo, ocorreu por um ato que Rebekah fez durante um verão: o famoso champanhe Dom Pérignon foi usado para encher a piscina. Esse ainda não é o detalhe mais intrigante sobre sua comum extravagância, até porque a socialite adorava conceber festas luxuosas e permanecia constantemente ligada a pequenos conflitos mesmo que perto de seus convidados — uma vez, teria pintado um gato de verde e, em outra, tingido o mousse de chocolate de azul para servir aos amigos. Havia todo tipo de problema, em quaisquer lugares. Anteriormente, Rebekah até mesmo foi expulsa de um cruzeiro por jogar pratos na orquestra que se apresentava. Independentemente, as coisas na mansão Harkness sempre estiveram fora de controle — mesmo que suas ideias parecessem mais estranhas ao ficar viúva.

“Suas festas eram de bom gosto, só um pouco barulhentas

O médico tinha dito para ele sossegar

Deve ter sido culpa dela que o coração dele parou de bater”

Ela gastou seu dinheiro com garotos e balé

Rebekah se via como uma bela compositora e bailarina. No início dos anos 60, havia se tornado patrocinadora da equipe de dançarinos de Robert Joffrey, um reconhecido coreógrafo. Nem tudo entre os parceiros, porém, era baseado em concórdia — ela desejava que a companhia usasse suas composições de peças de balé, enquanto o empresário negava. Em um artigo do The New York Times, o jornalista afirma que Rebekah teria então se aproximado do conjunto de artistas “no estilo Maria Antonieta” — gentil, generosa, delirante. Não foi tão difícil cativar — lê-se: manipular — os funcionários de Joffrey e então, com os mais habilidosos, criar uma nova companhia que levasse seu sobrenome: Harkness Ballet. Sua reputação finalmente passou a ser encarada com maus olhos quando a mídia e o público a consideraram uma grande traidora. Receber comentários grosseiros, entretanto, não lhe era uma novidade — e é claro que isso não a faria dar um passo para trás. Seus desejos seguiram sendo realizados por si mesma, ainda que custando muito, muito dinheiro.

O nascimento do Harkness Ballet desagradou até mesmo seus vizinhos, considerando que o alvoroço de suas “cerimônias” já os deixava insatisfeitos. Com o nome manchado, Rebekah decidiu que o gramado de casa seria um bom espaço para trabalharem temporariamente, contudo, os moradores dos arredores não eram capazes de aplaudir piruetas — na realidade, a movimentação causada pelos seus “novos amigos” seria considerada irritante.

Harkness Theatre — Broadway.

Para a felicidade dos ricos de Rhode Island, Rebekah decidiu investir em uma casa em Manhattan: comprada de Thomas J. Watson no ano de 1965, a Harkness House for Ballet Arts seria um ponto de encontro para sua troupe e os novos participantes e alunos de dança . Em 1974, também foi inaugurado o Harkness Theatre, na Broadway — lugar voltado para apresentações. O fracasso foi certeiro, algo com que ela não contava. Na Harkness Ballet, a única pessoa a receber louvores foi Larry Rhodes, um de seus bailarinos. Por pura inveja, Larry acabou no olho da rua.

Mulheres loucas, homens ruins

É claro que Rebekah admitiu ter se casado com Bill por ser um herdeiro. Não existia nada ali além de status, até porque uma conta bancária cheia não faz de ninguém um gênio atraente caso não saiba como usá-la — o milionário já tentou ser útil algumas vezes ao lançar livros cujo o próprio autor considerava fajutos. Era um desastre, mas tinha dinheiro. Ela gozava disso, entretanto, os 15 anos de diferença entre o casal faziam a socialite ter medo do “companheiro”: Rebekah era vista pelo marido como uma menininha cheia de maus modos, alguém que precisava levar fortes beliscões num momento ou outro. Sr. e Sra. Harkness representaram aquele velho e triste clichê: um homem rico e sua jovem esposa-troféu, uma mulher elegante, bonita e maldosa — algo que via na casa onde cresceu.

Artigo de 22 de maio de 1988, The New York Times.

Um relacionamento deplorável entre ambos ainda não era a única coisa que havia em comum com os pais da Sra. Harkness, pois ela conseguiu ser tão perversa quanto a mãe. As atitudes cruéis direcionadas aos filhos foram recorrentes e, por esse motivo, a bela casa de família era palco para um show de horrores — ela havia mandado reformar tudo e adicionar 8 cozinhas junto a 21 banheiros apenas para não correr o risco de cruzar o caminho de babás e netos, o que já significa muito. Edith, a filha mais nova, tinha tentado suícidio diversas vezes e nunca conseguiu sucesso enquanto Rebekah estava viva — não por ajudá-la a seguir, e sim por sorte. Na realidade, pouco importava quando, por exemplo, Edith pulava de telhados ou enchia a cara de coquetéis de remédios. Uma vez, Rebekah até mesmo questionou sobre as tentativas usando uma frase que, dezenas de anos depois, virou o título do artigo no The New York Times a seu respeito: “Como ela deveria fazer isso? Existe um jeito chic de ir?”.

Boatos de que a única pessoa que realmente a interessou foi sua neta, uma criança deficiente chamada Angel, filha de Anne Pierce — contudo, esse grande amor desapareceu depois que a menina puxou uma fita de seu cabelo sem querer. Bobby Scervers, amante de Rebekah, odiava a garota e repetia que seria melhor se a deixassem morrer. Angel faleceu aos 10 anos de idade. Quando Edith conseguiu cumprir seu plano e também partiu, Bobby declarou felicidade pela tragédia. Ao chegar a vez da herdeira — que faleceu aos 67 anos e antes de Edith em decorrência de um câncer no estômago — , Bobby foi uma das pouquíssimas pessoas a lamentar e, de acordo com o rapaz, os desprezíveis seriam os filhos de Harkness. Ele era 25 anos mais novo que a socialite, além de ter sido um homossexual assumido — Rebekah o usava. Enquanto tudo acontecia, Allen Pierce estava preso por cometer um homicídio e pouco sabia sobre todo aquele caos. Para ele, os anos na cadeia foram os mais felizes de sua vida. Mesmo que Swift tenha se referido apenas a Rebekah e William no trecho sobre “mulheres loucas e homens ruins”, é possível notar que ninguém escapava dos ataques de nervos — e problemas psicológicos — dados pelo clima cotidiano “tão sereno e familiar”. Rebekah Harkness nunca demonstrou arrependimento por nada e também não quis abandonar a luxúria nem mesmo no seu fim: suas cinzas foram parar em uma urna feita por Salvador Dalí. A peça, ironicamente chamada de “Cálice da Vida”, foi composta com 250 mil dólares em jóias preciosas.

“Lá se vai a última grande dinastia americana

Quem sabe, se ela nunca tivesse aparecido, o que poderia ter sido

Lá se vai a mulher mais sem-vergonha que essa cidade já viu

Ela se divertiu bastante estragando tudo”

Rebekah Harkness e Salvador Dalí durante uma entrevista ao artista | “O Cálice da Vida”, urna com as cinzas de Rebekah Harkness feita por Dalí

Taylor Swift, a atual anfitriã da antiga mansão Harkness

O imóvel localizado em Rhode Island ganhou vida após muitos anos silenciosos. Taylor Swift, a presente proprietária do lugar, parece ter dado ouvidos às paredes e, ao escrever seu novo álbum, veio mais uma inspiração. Pela canção, é notável que a compositora enxerga algumas semelhanças entre sua trajetória e a de Rebekah Harkness: assim como a antiga socialite, Taylor também costumava dar grandes festas em sua casa de férias e, para isso, sempre contava com muitos convidados. As mulheres eram maioria nos eventos. Por sua lista de contatos ser um tanto chamativa envolvendo diversas artistas e modelos, a mídia decidiu adotar a palavra “Squad” — “esquadrão”, em português — ao mencioná-las. No passado, as garotas que agitavam as coisas pela cidade faziam parte do grupo “Bitch Pack” — o qual, como citado, incluía Rebekah.

“E quando você diz que eu pareço brava, fico mais brava”

O nome de Taylor Swift já foi citado inúmeras vezes em todos os cantos da internet por conta das polêmicas em que a envolveram — o machismo presente na indústria musical definitivamente não é uma novidade, até porque o desrespeito por Taylor e outras mulheres da área permananece escancarado. Ela e Rebekah definitivamente não são parecidas mas, olhando pelo lado da cantora, é possível ver em suas composições um certo sarcasmo sobre como a enxergam. No álbum intitulado “1989”, a música Blank Space foi feita exatamente para isso: nela, Taylor se descreve como “insana e obcessiva” em seus relacionamentos amorosos — uma personagem criada de acordo com os julgamentos externos direcionados à sua vida pessoal, afinal, quem nunca viu comentários sobre “Taylor cantar apenas sobre ex-namorados” porque, bem, “a lista é longa”?

Houve uma fase vingativa no lançamento de “Reputation”, em 2017, onde debochou dos problemáticos e colocou todas as cobras e maniquins — representando o famoso “Squad” — para seguirem seus comandos no clipe de “Look What Make Me Do”. Com “Lover” (2019), vimos as cores voltando, deixando as coisas tão doces como nunca foram antes e esclarecendo que ela é composta pelo amor, e não pelo rancor. “Folklore” e “Evermore” são tão especiais quanto, sendo eles feitos para aqueles que a acompanham — uma forma de se conectar com seu público. No primeiro, suas referências aos problemas passados estão principalmente em “Mad Women”, “My Tears Ricochet” e, é claro, “The Last Great American Dynasty”. Soam como contos narrados por uma mulher considerada maluca e a dor de ser traída. Ainda temos “Peace” como a mais íntima, música relacionada ao seu atual namoro e a necessidade de mantê-lo afastado dos holofotes pelos traumas antigos.

“E não há nada como uma mulher louca
Que pena que ela enlouqueceu
Ninguém gosta de uma mulher louca
Você fez ela ficar assim”

(Trecho de “Mad Women”).

Mesmo que os vestígios das angústias ainda estejam óbvios, também fica claro que a antiga Taylor não morreu — na realidade, ela segue amadurecendo e lidando com as aflições da melhor forma possível: fazendo arte e mostrando o seu talento ao mundo. Rebekah Harkness seria uma pequena parte disso.

A faixa rendeu um vídeo legendado feito por uma fã onde são usadas cenas do filme “O Grande Gatsby”, adaptação do clássico de F.Scott Fitzgerald — o qual Taylor é uma grande admiradora. Assista:

O lyric oficial tem uma fotografia do mar ao fundo, mostrando a vista da mansão:

REFERÊNCIAS:

Artigo original do arquivo do The New York Times, 1988:

Unger, Craig. Blue Blood. The New York Times. New York: William Morrow & Company. May 22, 1988, Section 7, Page 13.

Versão digitalizada disponível em:

Vogue:

Taylor, Elise. The Outrageous Life of Rebekah Harkness, Taylor Swift’s High-Society Muse. Vogue. July, 2020.

Harkness Fundation For Dance — História da fundação Harkness disponível em: https://harknessfoundation.org/history/.

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ana guelere
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crio e reviso. convivo com a poesia desde dois mil e alguma coisa. @casmurromorreu.