A DUALIDADE DO ROCK NOS ANOS 80 e 90 E O SURGIMENTO DO GRUNGE.

Henrique Riserio
Hello Band

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Da contracultura ao mainstream: a fascinante jornada do grunge e o enigma do Nirvana no VMA de 1992.

O Video Music Awards de 1992

O MTV Video Music Awards (VMA) é uma premiação promovida anualmente desde 1984 pelo canal de televisão MTV, cujo objetivo é premiar os melhores videoclipes musicais de cada ano em várias categorias diferentes. Além da premiação em si, o evento consiste também na apresentação musical dos artistas, o que gera grande comoção e expectativa por parte dos fãs, os quais não apenas querem ver suas bandas favoritas vencerem os prêmios como também assistir aos shows ao vivo no canal de televisão. Embora a MTV tenha perdido parte da sua relevância nos dias atuais, o VMA, especialmente nos anos 90, detinha considerável impacto na cultura pop, além de ter uma forte conexão com o público jovem.

Sendo a arena onde se convergem os holofotes da música, e com bandas como Guns n’ Roses, Metallica e Nirvana, o VMA de 1992 foi uma das premiações mais memoráveis na história do evento. Na premiação daquele ano, diversas estrelas da música, mas principalmente do rock, protagonizaram momentos marcantes entre si, com o público e com a própria MTV, tanto no palco quanto nos bastidores. Contudo, o que será focado aqui não será a discussão entre Axl Rose e Kurt Cobain, nem Krist Novoselic acidentalmente sendo nocauteado por seu próprio baixo durante a apresentação. O foco aqui é examinar o que podemos inferir das escolhas da premiação, com destaque ao prêmio de “Melhor Vídeo Alternativo” sendo dado ao Nirvana.

Não é segredo para ninguém que o Nirvana é uma das bandas de rock mais importantes e influentes da história. Mesmo com toda a popularidade que a banda havia alcançado na virada do ano de 1991 para 1992, os roqueiros de Seattle liderados por Kurt Cobain ganharam o prêmio de Melhor Vídeo Alternativo com a icônica “Smells Like Teen Spirit” e não o de Melhor Vídeo de Rock, o qual ficou com “Enter Sandman” do Metallica. O que levanta a questão: por que o Nirvana, o expoente de maior reconhecimento da cena grunge e o maior ícone do rock dos anos 90 foi considerado uma banda alternativa? Neste artigo, exploraremos a dualidade do rock nos anos 80 e 90, focalizando o fenômeno grunge e em como a premiação do VMA de 1992 para o Nirvana como “Melhor Vídeo Alternativo” ilustra isso.

Música nos anos 80

Para entender por que o Nirvana foi considerado uma banda alternativa, é fundamental examinar o contexto musical da época. Levando em conta que o Nirvana foi formado em 1987, vamos começar examinando esse período.

A década de 1980 é amplamente reconhecida como uma das décadas mais icônicas para a cultura popular, marcando o imaginário do público com filmes, músicas, celebridades e momentos que se tornaram clássicos. Nessa década, o cenário musical evoluiu significativamente especialmente em termos comerciais, de produção e publicidade. Bandas e artistas, como Mötley Crüe, Van Halen e Metallica, foram lançados ao estrelato, ganhando reconhecimento internacional e se consagrando no cenário rock ’n’ roll; outras, como o Queen e Bon Jovi, conseguiram alcançar sucesso musical até mesmo para além do público roqueiro.

Como mencionado, esse enérgico sucesso do rock dos anos 80 acarretou excelentes resultados comerciais, o que, por sua vez, fomentou ainda mais a capitalização desse gênero musical. Ao assimilar as características dos artistas que estavam fazendo sucesso, a tendência da indústria musical foi direcionar artistas a adotarem uma estética e uma identidade sonora semelhantes para que bons resultados comerciais fossem mais prováveis. No contexto examinado isso pode ser percebido nas superproduções e no status de superstars que algumas bandas e artistas alcançaram, bem como na padronização de algumas estéticas, como o Glam Rock por exemplo. Contudo, a popularidade e comercialização excessivas de um som muitas vezes padronizado e feito para vender costuma levar à diluição da essência musical, e por vezes ao enfraquecimento geral da obra.

Como uma resposta natural a esse processo surgiram tendências musicais alternativas que buscavam desafiar as convenções estabelecidas se afastando do estilo predominante. Muitas vezes, as tendências alternativas surgem como uma contrapartida mais autêntica e subversiva ao estilo musical vigente, o qual remonta a aspectos superficiais e padronizados devido à excessiva comercialização. E foi justamente uma dinâmica nesses moldes que se iniciou na produção musical do rock do meio para o fim da década de 80, e que alcançou reconhecimento internacional nos anos 90 sob a alcunha “grunge”.

Surgimento do Grunge

Seattle, o local onde surgiu o grunge, é uma cidade chuvosa e fria, e um dos principais centros urbanos no noroeste dos Estados Unidos. Apesar disso, quando comparada a outras grandes cidades americanas como Nova Iorque ou Los Angeles, é uma cidade que recebe pouca atenção da mídia ficando para trás inclusive no quesito de produção musical. Ainda assim, foi esse relativo isolamento e ausência dos holofotes da produção musical aliado a uma mistura de influências e uma cena underground coesa onde quase todos eram muito próximos que favoreceu o surgimento do grunge.

A mistura de influências que moldou o cenário musical de Seattle consiste principalmente no heavy metal, no punk rock, no garage rock e até mesmo na música folk americana. No final dos anos 80, essa mistura de influências já podia ser vista em bandas como Soundgarden e Mudhoney, as quais estavam à frente dessa cena efervescente, juntamente com o icônico Mother Love Bone, que herdou membros do Green River, outra banda importante para a cena e que se destacou muito nessa fase que pode ser chamada de “pré-grunge”.

Apesar do talento bruto, as bandas de Seattle enfrentavam diversas dificuldades financeiras, pouca atenção da mídia e escasso apoio das gravadoras e da indústria fonográfica. O cenário começou a mudar lentamente com o lançamento de álbuns notáveis como “Louder than Love” (1989) do Soundgarden e “Facelift” (1990) do Alice in Chains, e aos poucos os olhares do público e da crítica começaram a perceber essa ascensão.

O ponto de virada veio em setembro de 1991 com o lançamento de “Nevermind” do Nirvana. Este álbum, frequentemente considerado a obra prima do grunge, surpreendeu a todos com um som inovador, jovem e provocativo, tornando-se um dos discos mais vendidos de todos os tempos e um dos maiores clássicos da história do rock. O Nirvana subiu ao estrelato, levando consigo toda a cena musical de Seattle. Dessa vez, os holofotes do país inteiro, e do mundo, se viraram para esses jovens de aparência despojada e roupas simples, que produziam um som cru e autêntico em um dos canto mais remotos dos Estados Unidos.

Após o sucesso de “Nevermind”, quatro bandas da cena de Seattle se consagraram alcançando o estrelato e o reconhecimento internacional, são elas o Nirvana, Soundgarden, Alice in Chains e Pearl Jam. Todas as quatro alcançaram um sucesso estrondoso, quebrando a bolha do rock alternativo na qual surgiram e sendo colocadas páreo a páreo com bandas consagradas de calibre internacional. Ainda assim, mesmo com o estouro das quatro grandes bandas do grunge, a produção musical ligada à cena alternativa de Seattle continuava a todo vapor com bandas como: Tad, Screaming Trees, Mudhoney e o Melvins.

De forma resumida, o grunge trouxe uma abordagem mais autêntica, crua e introspectiva em contraste com a estética exagerada e até mesmo artificial que tomou conta do rock mainstream dos anos 1980. Soundgarden, Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains deram rosto a todo um movimento que se dedicou a criar um som autêntico e com forte apelo emocional com o público. O grunge não foi apenas um gênero musical, mas uma revolução cultural que deixou uma marca inapagável na história da música. Em Seattle, um som autêntico e visceral emergiu das sombras e conquistou o mundo, redefinindo o que era possível na música, moldando uma geração e deixando seu legado para muitas outras por vir.

Uma nova perspectiva

Voltando à discussão inicial do artigo, e levando em conta a forma como surgiu o grunge, podemos enxergar a premiação do VMA de 1992 a partir de uma nova perspectiva. O Nirvana, conduzindo a corrente de sucesso que atingiu a cena grunge, era enxergado como o representante máximo da música alternativa, visto que todo o movimento musical de Seattle percorria uma vertente totalmente distinta em relação aos moldes musicais da época, não apenas na produção musical mas também no conteúdo das letras, na identidade e visual das bandas. Logo, faz sentido que o Nirvana fosse premiado com o título de “Melhor Vídeo Alternativo”, mesmo que em 1992 ela já fosse equiparada, ou até mesmo maior, a grandes bandas do mainstream, como o Guns n’ Roses e o Metallica, por exemplo.

O ponto interessante é que o Grunge foi capaz de estourar a bolha do rock alternativo em muito pouco tempo após sua ascensão, conquistando o mainstream sobretudo por meio das quatro grandes bandas de Seattle. Isso se reflete, por exemplo, na própria premiação do VMA dos anos seguintes, com Pearl Jam e Soundgarden ganhando os prêmios de “Melhor Vídeo de Rock” nos anos de 1993 e 1994, respectivamente. O Nirvana, por sua vez, permaneceu soberano na premiação de alternativa até o ano de 1994, talvez mais por força do hábito da MTV do que por de fato ser uma banda oriunda da cena alternativa, visto que nesses anos ainda gozavam de uma popularidade imensurável e estavam mais presentes no mainstream do que qualquer outra banda de Seattle.

Alternativo ou mainstream?

Por fim, é válido mencionar que o grunge, inicialmente um movimento alternativo, obteve um sucesso comercial tão expressivo que se transformou em algo que não era ao dominar mainstream. Este fenômeno abriu as portas para a indústria musical explorar bandas que adotavam a mesma estética e identidade musical, com o objetivo de lucrar com a popularidade do grunge. Esse desenvolvimento é notavelmente peculiar, pois, como discutido anteriormente, o grunge emergiu como uma vertente que se destacava justamente por sua rejeição aos padrões convencionais da produção musical dos anos 80. No entanto, após alcançar um sucesso estrondoso, o movimento acabou sendo transformado em uma fórmula que diversas outras bandas seguiram, dominando o cenário mainstream por alguns anos.

Essa transformação do Grunge de um movimento alternativo para algo que dominou a cultura pop ilustra o poder da indústria musical em capitalizar sobre tendências e subgêneros musicais, muitas vezes moldando-os para se adequarem aos gostos do público em massa. É um exemplo fascinante de como a contracultura pode se tornar parte da cultura dominante e, eventualmente, perder parte de sua autenticidade original no processo.

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Henrique Riserio
Hello Band

Internacionalista, apaixonado por música e se aventurando na publicação de conteúdo.