O amor é bonito de se ver
Um conto inspirado pela música “De Ontem” da banda “Liniker e os Caramelows”.
O prédio do outro lado da rua tem um senhor na portaria que se parece com meu avô. Ele é sempre muito educado, mas não sorri pra todo mundo. Eu até entendo. Essa gente de prédio chique nem sempre é amigável. Vira e mexe alguém de lá arruma confusão aqui na loja.
Minha chefe diz que isso é melhor do que nada, porque o movimento está cada vez mais baixo.
Eu até que gosto dos dias parados, porque aproveito para observar o movimento. Foi numa dessas que notei que o porteiro sempre ficava mais contente quando dois rapazes chegavam — ele até puxava conversa com o mais baixinho.
Outro dia, ele — o senhor — veio aqui comprar um docinho. Um amor de pessoa. Ele gosta mesmo de puxar assunto quando se sente mais confortável, sabe? Ficamos conversando sobre o tempo, sobre as pessoas e o choque de classes que ambos vivenciamos na Zona Sul de São Paulo.
Ele me contou tantas coisas. Pra começar, o nome dele é Jorge. Ele nasceu na Bahia e veio para São Paulo quando tinha 20 anos. Hoje, ele tem 65 anos e trabalha no prédio desde os 30, acredita? Jorge tem aquele tipo de risada rouca de quem fuma há anos — mas diz que nunca fumou.
Aproveitei para perguntar sobre os dois homens que lhe arrancavam sorrisos:
— O Júlio é um rapaz bom… Pelo menos, parece (risos). Sempre aparece aqui com o Seu Rodrigo, do 82, e nunca deixa de me dar bom dia/boa tarde/boa noite… Nem todo mundo é assim. Tem gente que esquece que a gente é gente também.
— Júlio é o mais baixinho? — perguntei.
— É… — depois de uma pausa, ele retoma o assunto — …ontem não. Ontem, ele chegou só… já era tarde. O Júlio já é quase inquilino também (sua risada rouca quase falha dessa vez). Ele estava todo sorridente, ficou no hall dançando e esperando o elevador chegar.
Ele ficou reflexivo por alguns segundos, mas depois recomeçou.
— Os dois estão sempre sorrindo, né? Eles parecem felizes juntos. É bonito de ver… eu não entendo gente que implica com isso. São dois rapazes felizes. O que tem demais? Bobagem de quem não tem o que fazer. Se vissem Júlio e Seu Rodrigo juntos…
Meu coração desmanchou ao sentir a sinceridade com a qual Jorge expressava seu carinho pelos rapazes. De repente, ele soltou a risada mais gostosa ao se lembrar de uma situação:
— No dia dos namorados (eu não sabia ainda, né? desconfiava, mas…) o Júlio mandou entregar flores na casa do Seu Rodrigo. Ele me pediu pra levar pessoalmente… fiquei honrado. Aí vi o bilhete… o cartão… dizia algo como (não vou me lembrar)… era um poema: “quando cê abriu a porta do elevador… Foi como se eu estivesse nua e inteira” (mais risos). Foi aí que tive certeza.
Na hora, eu reconheci a música e quis muito ser amiga daquele casal. Peguei meu celular e a coloquei para tocar.
— Era essa?
— Essa mesmo — confirmou — Que voz bonita !
Era “De Ontem” do grupo “Liniker e os Caramelows”. Ouvimos a mesma música umas 3 vezes. Depois, Jorge voltou ao trabalho.
Ele adorou a voz da Liniker, e eu amei conhecer o Jorge… ele se parece mesmo com meu avô.