Rita e Danny, sua fiel escudeira.

Rita Lee Jones: a mística gente fina que se tornou rainha do rock nacional

Luanna Joaquim
Hello Band
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6 min readJun 1, 2023

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“Se você não leu a minha primeira autobiografia, posso fazer um resumo: é a história de uma menina tímida mas safada que passou por altos e baixos, virou uma adolescente metida no clube do bolinha do rock, foi expulsa de uma banda, começou a compor música sozinha sem saber tocar nem cantar direito, conseguiu certa evidência, encontrou o amor de sua vida, foi presa grávida na época da ditadura, ganhou projeção nacional, caiu nas drogas enquanto sua antiga família morria um a um, teve três filhos, entrou e saiu de hospícios, conseguiu sucesso e fama, teve uma neta e um neto. Hoje, já é velhinha, está careta, tem pouquíssimos amigos humanos e mora numa casinha no meio do mato com seus bichos e suas plantas e é feliz para sempre. Fora o resto. The end.”— Rita Lee em sua “outra autobiografia” lançada em 22/05/2023 pela Editora Globo.

Era dia 09 de maio de 2023 quando o mundo foi abalado com a triste notícia alertando que a gigante do rock, Rita Lee, havia partido. A cantora faleceu na noite do dia 08 de maio de 2023, aos 75 anos, após lutar bravamente contra um câncer de pulmão desde 2021.

A menina paulistana crescida na Vila Mariana, devota de discos voadores e obcecada pelo James Dean não imaginava que conquistaria o mundo. Filha de uma pianista que cantava lindamente, ela sempre teve a música como um hobby muito constante em sua vida já na infância e adolescência. Desde muito nova ela já compunha canções, colecionava notas 10 nas aulas de canto no Liceu Pasteur, aprendia piano com a musicista Magdalena Tagliaferro e até se apresentava em festas de colégio com as Teenage Singers — conjunto musical que participava com outras duas amigas, bem na época em que conheceu Arnaldo Baptista.

Foi numa apresentação colegial do teatro João Caetano em que as Teenage Singers, que “cantavam bem, mas tocavam mal”, conheceram os Wooden Faces, formado pelos irmãos Baptista e outros dois integrantes, que “tocavam bem, mas não cantavam”. Os dois grupos se tornaram um só e, após entradas e saídas de membros, com apenas seis integrantes, foram definitivamente batizados de O’Seis. De seis, sobraram três, que mesmo aderindo ao nome Os Bruxos, prontamente acataram a sugestão de Ronnie Von sobre um novo nome. E assim Rita, Sérgio e Arnaldo se tornaram Os Mutantes.

Os Mutantes

Nessa época da formação do trio, na época Os Bruxos, Rita estava cursando Comunicação na USP (na mesma turma da atriz Regina Duarte, inclusive) e lá ficou por cerca de um ano. Até que Os Mutantes ganharam mais espaço e boas oportunidades, fazendo-a perceber o que realmente fazia com que seus olhos brilhassem: a música.

Após participar de festivais, lançar LPs, ter aderido ao loiro à lá Françoise Hardy, contar com grandes amizades da música brasileira, ter saído do Brasil (e lambido a maçaneta tocada por um beatle) e até se casar com Arnaldo Baptista, tudo que Rita Lee não esperava era ser expulsa d'Os Mutantes. Depois de chorar, esbravejar e lamentar, Rita ergueu a cabeça. Colocou os planos de ingressar em uma nova banda em segundo plano e foi espairecer em Londres, onde então adotou a clássica cabeleira vermelha e deu início a um novo momento de sua vida. Quando voltou ao Brasil, sua união com a banda Tutti Frutti deu início a uma parceria que revolucionou a história do rock brasileiro.

Rita Lee e Tutti Frutti

Em sua autobiografia lançada em 2016, a modesta Rita chamou o disco Fruto Proibido de “disquinho bacaninha”. Nem preciso reforçar que ele foi muito mais do que isso. Com nove faixas poderosas, Rita Lee e Tutti Frutti criam um clássico. Um verdadeiro “manual de como se fazer rock no Brasil”. Cinco das nove músicas ganharam clipes no Fantástico, algo incrível para a época, e o álbum ganhou o Brasil (que continua arrebatado por essa obra até os dias de hoje). Com a banda Tutti Frutti, Rita gravou cinco discos.

Foi em um show do Ney Matogrosso no MIS, no Rio de Janeiro, onde Rita encontrou o grande amor de sua vida: Roberto de Carvalho, eterno parceiro no amor e na música. Ao notar o interesse de Rita por seu guitarrista “Zezé”, Ney arrastou Roberto para um jantar que Rita promoveu na própria casa. Na ocasião, após muito papo e interações que envolveram até meias sendo presenteadas, foi quando Roberto se mostrou um “exímio pianista” que Rita percebeu que aquilo acontecendo era “amor à primeira tecla”.

Os apaixonados Rita e Roberto

Essa parceria linda e magnética resultou em três filhos, dois netos e muita música. Em 1979, os dois selaram oficialmente essa dupla musical de ouro, eles seguiram carreira solo (porém a dois) e deram vida a clássicos atemporais. Mania de Você, Doce Vampiro, Chega Mais, Baila Comigo e, a queridinha do Rei (que na época do lançamento era príncipe) Charles, Lança Perfume, são alguns resultados desse duo poderoso. Com eles tudo virava música, até mesmo um bilhetinho de desculpas escrito por Rita pós uma crise de ciúmes que veio a se tornar Desculpe o Auê. Aliás, durante o primeiro Rock in Rio, em 1985, Rita e Roberto marcaram presença acompanhados de seus filhos sonoros.

Em 2012, em um show no Circo Voador, também no Rio de Janeiro, pegando a todos de surpresa, Rita anunciou que se aposentaria das turnês. O que de fato fez, mas nunca se aposentou da música que era intrínseca a ela. Em 2021, ela lançou seu último single da carreira, a dançante Change, resultado de mais uma parceria com Roberto de Carvalho e o produtor Gui Boratto. No ano seguinte, em 2022, Rita Lee se tornou a única brasileira a ser homenageada no Grammy Latino pelo conjunto de sua obra. Nada além do merecido.

Para sempre apaixonados, Rita e Roberto

Rita Lee Jones sempre foi uma mulher à frente do tempo, não apenas do seu próprio, mas do tempo em si. Ela foi a mulher brasileira que mais vendeu discos no país, se sobressaindo em um gênero que era predominantemente masculino e navegando entre gerações. Rita Lee conquista públicos das mais variadas idades, sendo apta a conversar com todo mundo: seja com as crianças por meio de seus livros infantis, com os adolescentes que estão (re)descobrindo suas obras pelas plataformas de áudio ou por meio de outros artistas, com jovens e adultos que aprenderam com seus pais a escutá-la e com idosos acompanharam o seu início.

De uma sessão de fotos realizada na garagem da casa de Rita

Ela era uma artista e uma comunicadora nata, é inegável, compartilhar a sua arte com o mundo foi o maior presente que ela pôde nos dar. Santa Rita de Sampa sempre continuará viva por meio de seus livros, de suas músicas, de seus poemas, de seu amor pelos animais, de sua bela família e pela história que não conseguirá apagar esse nome.

Um belo dia ela resolveu mudar e fazer tudo o que queria fazer, e que bom que fez.

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Luanna Joaquim
Hello Band

a publicitária em formação que ama escrever, escutar taylor swift e devorar comédias românticas nas horas vagas.