Uma viagem interplanetária através da música: Gustav Holst e The Planets

Calisto Pereira
Hello Band
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8 min readOct 5, 2021

Escrita entre 1914 e 1916, The Planets é uma suíte orquestral em sete movimentos do compositor inglês Gustav Holst. Ele auferiu sua estreia orquestral há 103 anos atrás, em 29 de setembro de 1918, no Queen’s Hall, em Londres, diante de um público convidado de cerca de 250 pessoas.

Quem foi Gustav Holst?

Fotografia do musicista Gustav Holst (1874–1934).

Nascido Gustavus Theodore von Holst em 21 de setembro de 1874 em Pittville Terrace 4, Cheltenham, Holst era o mais velho dos dois filhos de Adolph von Holst, um músico profissional, e sua esposa Clara Cox, nascida Lediard, filha de um conceituado advogado de Cirencester. Holst veio de uma família tradicionalmente enraizada no mundo da música — seu pai ministrava aulas de piano e era organista e maestro do coro na Igreja de Todos os Santos, em Cheltenham, e sua mãe era uma talentosa cantora e pianista. Seu bisavô, Matthias Holst, nascido em Riga, Letônia, serviu como compositor e mentor de harpa na Corte Imperial Russa em São Petersburgo.

Quando sua mãe, Clara, faleceu em decorrência de uma doença cardíaca quando ele tinha somente oito anos, Holst e seu irmão mais novo Emil (que mais tarde se tornou conhecido como Ernest Cossart, um ator de sucesso no West End, Nova Iorque e Hollywood) foram cuidados pela tia destes, que ao lado de seu pai, ensinara Holst a tocar piano e compor música. Entre 1886 e 1891 frequentou a Cheltenham Grammar School (atual Pate’s Grammar School) e, após ter passado quatro meses em Oxford estudando harmonia com George Frederick Sims, organista do Merton College, Holst organizou seu primeiro concerto no Montpellier Rotunda em Cheltenham aos 21 anos.

Em 1893, Holst deixou Cheltenham e foi para Londres para estudar composição no Royal College of Music. Depois de terminar a faculdade, Holst elucidou que ‘o homem não podia viver apenas de composição’ assumindo, destarte, vários cargos de organista em igrejas de Londres e posteriormente tornou-se músico profissional, tocando trombone em orquestras de teatro. Em 1903, Holst decidiu abandonar a orquestra para se concentrar na composição, porém seus ganhos como compositor eram demasiadamente escassos para sobreviver e, assim, em 1905, ele aceitou a oferta de um cargo de professor na James Allen’s Girls’ School, em Dulwich, que ocupou até o ano de 1921, em que posteriormente tornaria-se diretor. À medida que trabalhava como professor, Holst escreveu numerosas composições, incluindo The Planets.

A obra The Planets

Desencorajado e esmorecido por sua falta de sucesso como compositor, Holst fora passear com amigos na Espanha na primavera de 1913. Um membro do grupo era Clifford Bax, um escritor com interesse no esotérico, sendo Bax quem primeiro apresentou Holst à astrologia. Como resultado, Holst se tornou um grande devoto do assunto e um entusiasta imaginativo de horóscopos, lançando previsões para seus amigos a fim de divertirem-se.

Foi nessa época que Holst começou a pensar em uma música inspirada nos planetas. O conceito do trabalho é astrológico, em vez de astronômico, com cada movimento destinado a transmitir as diferentes “personalidades” dos planetas conjuntamente das ideias e emoções concernentes à influência dos planetas na psique.

Respectivos símbolos dos principais corpos celestes presentes no sistema solar.

Originalmente, Holst compôs The Planets no piano, usando um piano em sua recém-construída sala à prova de som na ala de música da St Paul’s Girls School, bem como seu piano em casa. A obra foi composta em uma versão para quatro mãos, isto é, dois pianos, e foi pormenorizada por dois de seus colegas no St Paul’s, Vally Lasker e Nora Day, que atuaram como amanuenses. A ajuda de colegas foi necessária devido à dor de neurite que Holst frequentemente sentia em sua mão direita.

Nesta partitura, Holst marcaria indicações de instrumentação em tinta vermelha e seus amanuenses trabalharam a partir disso para produzir a partitura orquestral completa. A exceção a esta versão foi o último movimento, Netuno, pois Holst considerou o piano inadequado, visto que acreditava que não era enigmático o suficiente para o planeta remoto. Em vez disso, foi marcada para um único órgão, e, não obstante, a versão orquestral tem a incorporação de um coro fora do palco de vozes femininas.

Ao passo que estava sendo composta, Vally Lasker e Nora Day tocaram a versão para dois pianos de Holst, movimento por movimento. Eles continuaram a tocar essa versão em shows e ensaios em várias partes do país, e também para maestros visitantes, incluindo Adrian Boult. A peça foi originalmente batizada Sete Peças para Grande Orquestra, possivelmente inspirada nas Cinco Peças Orquestrais de Schoenberg, das quais Holst havia comparecido a uma apresentação em janeiro de 1914. No entanto, na época da primeira apresentação pública em 1919, ela havia sido renomeada como The Planets.

Cópia da primeira edição da obra de Holst.

À medida que Holst começou a compor a suíte em 1914, os movimentos não apareceram pontualmente em sua prossecução final. Iniciado em maio de 1914, pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Marte foi o primeiro movimento a ser escrito e é frequentemente visto como a crítica de Holst à guerra. Logo foi seguido por Vênus e Júpiter. Saturno, Urano e Netuno foram todos compostos em 1915 e Mercúrio foi concluído em 1916.

A suíte final compreendia sete movimentos, cada um com o nome de um planeta e seu personagem astrológico correspondente:

I. Marte, o Portador da Guerra

Encolerizado e ameaçador, o primeiro movimento de Holst representa o cerne do deus romano da guerra, Marte. Os ritmos escarpados e as batidas de tambor pulsantes dão à música um toque militar.

II. Vênus, a Condutora da Paz

A música é mais amena e lindamente misteriosa, íntegra com melodias relaxantes tocadas em harpas e flautas, cordas cintilantes e passagens de violino com ares etéreos para chamar a atenção para a deusa romana com sua serenidade.

III. Mercúrio, o Mensageiro Alado

Voador e ligeiro, o vivaz Mercúrio é rápido e poderoso na mesma medida. A harpa aguda, flauta e melodias com glockenspiel saltam ao longo da curta duração da suíte — usualmente pouco mais de quatro minutos.

IV. Júpiter, o Portador de Alegria

Como o regente de todos os planetas e rei dos deuses, Júpiter é estupendo e majestoso. Os instrumentos de metal turgescentes e as cordas da valsa lenta são recebidos com momentos de contundente beleza na sublime melodia tocada.

V. Saturno, o Arauto da Velhice

O movimento favorito de Holst, Saturno é uma grande mudança em relação à música positiva e alegre ouvida em Júpiter. A abertura é lenta e quase inquietante, até que a música se expande para uma marcha pesada.

VI. Urano, o Mago

Principiando com quatro notas marcantes, Urano muda de fortes golpes de tímpanos para um galope ruidoso. A orquestra completa mostra o poder extraordinário deste planeta gelado, descrito na mitologia grega como a divindade que simboliza o céu.

VII. Netuno, o Místico

Quando Holst assinalou este trabalho como uma peça para dueto de piano, ele usou um órgão para representar este planeta — o piano, ele conjecturou, não poderia retratar um planeta tão recôndito como Netuno. Belas melodias de harpa e cordas deslizam umas sobre as outras, até que Holst traz a glória culminante: um coro místico, que concede à música uma qualidade de outro mundo (literalmente).

Primeira Guerra Mundial

Holst tentou se alistar no início da Primeira Guerra Mundial, mas foi recusado para o serviço militar devido a seus problemas de saúde. No entanto, almejava contribuir com o esforço de guerra e, por isso, oferecera-se para ensinar música às tropas sob a administração do YMCA. Em 1918, quando a guerra se aproximava do fim, ele foi enviado para Salônica, no norte da Grécia, para assumir o cargo de Organizador Musical, ajudando a elaborar atividades musicais em campos de treinamento militar e hospitais.

Holst teve uma despedida espetacular quando seu amigo, também compositor, Balfour Gardiner, organizou uma apresentação privada de The Planets como um presente de adeus.

Primeira performance

A estreia orquestral da suíte The Planets foi realizada a curto prazo em 29 de setembro de 1918 durante as últimas semanas da Primeira Guerra Mundial, no Queen’s Hall, em Londres. Conduzida a pedido de Holst por Adrian Boult, foi uma apresentação privada da Queen’s Hall Orchestra, organizada por Balfour Gardiner como uma despedida para Holst, antes de ele deixar a Inglaterra para Salônica para ensinar música às tropas como parte do esforço de guerra. Foi ensaiado às pressas — dizem que os músicos só viram a música duas horas antes da apresentação e o coro para Netuno foi recrutado entre as alunas da St Paul’s Girls’ School, onde Holst lecionava. Um evento relativamente íntimo, contou com a presença de cerca de 250 associados convidados, incluindo o maestro Sir Henry Wood e a maioria dos músicos profissionais de Londres. Conquanto, Holst considerou esta primeira apresentação como a estreia pública, inscrevendo a cópia de Boult da partitura, “Esta cópia é propriedade de Adrian Boult, que primeiro fez os planetas brilharem em público e, assim, ganhou a gratidão de Gustav Holst”.

Depois de The Planets

Holst volveu à Inglaterra em junho de 1919 e retomou seu ensino e composição. Além de seu trabalho existente, ele aceitou participar de uma palestra na Universidade de Reading e se juntou a seu grande amigo Vaughan Williams no ensino de composição em sua alma mater, o Royal College of Music. Impulsionado pela popularidade internacional de The Planets, Holst, agora na casa dos quarenta anos, de repente se viu requestado e se tornara cada vez mais famoso. A ansiedade causada pela demanda sobre ele tornou-se muito grande e, em 1924, ele cancelou todos os compromissos profissionais por ordem do médico e ausentou-se para Thaxted. Em 1925, ele retomou seu trabalho na St Paul’s, onde continuou a ser um pioneiro na educação musical para moças, mas não regressou a nenhum de seus outros cargos.

Holst continuou a escrever e ensinar música; sua produtividade como compositor o favoreceu quase imediatamente quando ele foi liberado de seu outro trabalho. Suas obras deste período incluem a Sinfonia Coral para palavras de Keats, uma curta ópera shakespeariana At the Boar’s Head, uma peça orquestral chamada Egdon Heath inspirada em Wessex de Thomas Hardy e Fantasia Coral. Conquanto, a saúde de Holst piorou nos últimos anos de sua vida e ele faleceu em 1934 aos 59 anos de insuficiência cardíaca, após uma operação em uma úlcera duodenal. Vaughan Williams regera composições de seu amigo no funeral, e, assim, as cinzas de Holst foram enterradas na Catedral de Chichester.

Fotografia da inscrição do túmulo do musicista, em que diz-se: “As esferas celestes fazem música para nós”.

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Calisto Pereira
Hello Band

LGBT • 21 Outonos • Historiador • Aficcionado por Excentricidades Artísticas • Paulistano-Nortista da Gema