Dicas de Livros

Hemerson Miranda
Hemerson Miranda
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7 min readSep 16, 2019

(esse texto foi originalmente um email enviado a uma amiga em 2018, mas achei bom torná-lo público)

Oi, (…). =)

Enquanto escrevo isso, bebo uma xícara de café e no notebook está tocando Total Eclipse Of The Heart de propósito, pois lembrei do filme The Strangers 2 e na épica cena de massacre, a trilha sonora é essa música. Isso faz com que “a sombra na parte de trás de meu crânio” comece a se manifestar.

A fumaça que sobe serpenteando do café parece a alma escapando da xícara.

Bem, eu estava procurando livros escandinavos e me deparei com os do escritor Knausgard: A Minha Luta (Main Kamp). Ele ganhou vários prêmios literários na Noruega e Suécia por causa dessa dupla trilogia (eu procurei sexalogia, hectalogia e não achei nada de concreto, então fica assim mesmo.). Foi um dos poucos livros de não ficção que li esse ano. E a leitura começou a fluir naturalmente porque ele realmente é daqueles escritores contemporâneos que sabem onde tocar nas feridas dessa geração. Tem tudo o que tem uma autobiografia, mas sem a parte maçante do detalhismo obrigatório. E ainda por cima lembra aqueles enredos de filmes dos anos 80 e 90 que são tão gostosos de assistir mais de uma vez. Ele mescla o seu cotidiano com lembranças do primeiro amor, primeiro filho, inclusive fazendo algumas autocríticas, como por exemplo que ele se sente mais animado com a leitura de um novo livro do que em ser pai. Tem aqueles toques de humor tipicamente nórdicos que são inteligentes e nem todo mundo aprecia. Como também tem momentos reflexivos quando incorporamos os filósofos naqueles pensamentos corriqueiros, filhos diretos do torpor da rotina.

Como eu disse, só li os dois primeiros volumes, por enquanto. Em pdf eu só achei quatro volumes.

O Não Voltarás, de Hans Koppel, foi de longe, o melhor livro policial que eu li em anos e olha que esse ano eu acho que bati algum recorde, ao menos no meu mundo imaginário de livros policiais lidos. Claro que li outros muito bons também, mas puta que me pariu. Esse escritor sueco, eu só conheço esse livro dele, ou ao menos foi o único lançado aqui no país tropical. Se eu fosse de roer unhas, meus dedos estariam na parte branca do osso, porque mesmo que a narrativa seja típica dos escandinavos, sem adornos e preocupação literária de criar poesia em prosa, ela tem um dom natural de liberar adrenalina impressionante.

Veja só, a moça é sequestrada por amigos do passado. Pensando nisso eu até posso pensar em amigos do passado que sequestraria para matar, mas isso não vem ao caso. Ela é encarcerada num quarto. Até aí, nada de interessante. Só que no quarto há uma TV, daquelas de tubo mesmo, que eu chamava de TV da bunda grande, que eu, para mudar ela de lugar tinha que abraçá-la como a uma amante. Era meio estranho aquilo. Ok, fugi de novo do relato. O que passa na TV? Aí é que a coisa começa a ficar interessante. A TV mostra as imagens de uma câmera. A câmera está colocada de frente para a casa de nossa heroína. Então daquele cubículo que é sua prisão, ela vai ficar dias, meses (anos?) observando seu marido e sua filhotinha, sem poder entrar em contato com eles e sem que eles saibam que ela os está observando.

Eu achei tudo nesse livro incrível, desde o prólogo até o desfecho, que me deixou embasbacado. Se eu fosse recomendar um único livro para alguém ler antes de morrer… bem, não seria esse, mas se tivesse uma lista de 5 ele estaria no meio. Falo isso porque os próximos parágrafos tratam da nova divindade em meu panteão literário.

(pausa dramática)

Eu conheci Peter Straub por causa de Stephen King. E se eu for visualizar isso no mundo da imaginação eu estaria ajoelhado diante de King agradecendo por ter me apresentado. Apesar de Peter Straub parecer fisicamente uma versão americana de Zé do Caixão… bem, isso não importa.

Eles escreveram dois livros juntos, mas eu não comecei por aí. Comecei pelo mais recente dele, Um Passado Sombrio. Foi errado eu ter começado por aí? Não. Porque se eu não tivesse gostado talvez não tivesse conhecido outros dois dele que estão colocados no meu altar.

A escrita de Straub me fascinou porque ele mantém certo esforço de nos convencer de que o que está acontecendo, de fato aconteceu. A forma como ele tece a narrativa, nossa, quando crescer eu quero ser igual a ele. Pode parecer exagero por eu estar falando com tanta paixão, então dê um desconto aí na sua barrinha de expectativas comentando “Hemerson amou, mas ele é doido” do lado. Straub parece puxar uma cadeira e nos convidar a escutar uma história que ele tem a contar, dando detalhes que a princípio podem parecer insignificantes, mas na verdade são laços que vão te prendendo de tal jeito que na metade do livro você parece estar preso numa cama de gato.

Um Passado Sombrio conta a história de amigos do passado que presenciaram um fenômeno juntos e que mudou a vida de cada um. Há uma mistura de Charles Manson, mas sem o sangue todo, com alguma espécie de ritual macabro que evoca mistérios mais antigos que o tempo. Na atualidade, já senhores e senhoras, esses jovens ainda são impactados pelo que aconteceu naquele dia. Bem, o resto é melhor você ler.

Os Crimes da Rosa Azul não foi o que eu li em seguida, mas é que eu quero deixar os dois que eu mais gostei para o final. Esse livro é uma espécie de homenagem aos grandes nomes da literatura policial como Sir Conan Dole e a excelentíssima Mrs. Agatha Christie. Tem um detetive na história, conhecido como O Sombra. O enredo lembra as histórias de Harlan Coben, mas com muito mais elegância, com a pitada peculiar de Straub de nos colocar na história como se fizéssemos parte dela.

Agora vem a melhor parte.

(pausa dramática 2 — som de sinos)

Considerado por Stephen King como um CLÁSSICO DO TERROR (desculpe, eu não queria gritar, mas veio de dentro), Os Mortos Vivos (eu detestei esse título brasileiro. o original é Histórias de Fantasmas). Não que a tradução brasileira não faça sentido, mas eu acho que se encaixaria muito melhor a opção original) é uma obra que pretende contar a origem, ou ao menos porque se originam, os mitos como vampiros e lobisomens. Straub nos apresenta um clube de homens velhos que se reúnem para contar histórias de fantasmas (eu avisei) com algumas regras e uma dessas histórias acaba abrindo inevitáveis acontecimentos permeados de mistério e a busca do significado por trás dos monstros que tememos e que ficaram como sendo parte do folclore mundial. O que Straub faz é nos dar a conhecer personagens tão bem tecidos que lhes confere uma tridimensionalidade assustadora. Eu mesmo fiquei com saudade de muitos deles quando acabei a leitura. Esse livro é um daqueles que eu faço questão de ter a versão física em sua melhor encadernação e indicarei a todos até morrer. Acabo aqui para deixar a curiosidade fazer sua parte.

(pausa dramática 3 — Variações de Bach)

O Clube do Fogo do Inferno é o melhor livro que eu li em anos porque nele eu conheci o vilão mais foda, mais insanamente apaixonante desde Lord Vader e Hannibal. Dick Dart, guarde esse nome. Quando ele aparece o que se espera é que você o odeie, mas você não vai conseguir. Por mais que ele faça toda a merda que faz, que humilhe, mate e minta, ele sabe que vai morar no seu coração sem pagar aluguel.

Mas não é só o vilão que rouba nosso coração. A protagonista, essa mulher é a maior heroína da literatura que vi até hoje. Queria casar com ela. Ainda que por vezes Dick Dart eclipse essa mulher, ela consegue dar uma voadora e ainda nos arrancar aqueles sorrisos de triunfo.

Esse livro eu indico até depois da minha morte. E vou deixar que a curiosidade faça seu trabalho de forma mais abismal dessa vez.

Beijos.

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Hemerson Miranda
Hemerson Miranda

Já pensou no dia em que os alienígenas invadirem a terra em busca de vida inteligente e todos nós ficarmos sem smartphones?