Sonhos
Ela se aproxima de mim com um sorriso e me beija com a boca de expresso duplo. A aparência dela, você juraria que ela tem 15 anos, mas tem 21. Seus braços e pernas saem do vestido negro brancos como papel. O vestido, passado até a exaustão, parece ter sido projetado por um arquiteto. Ela sorri e apenas uma covinha aparece na bochecha.
Ela me diz que teve um sonho.
Me diz que no seu sonho ela recebia ligações de pessoas mortas.
Diz que toda vez que perguntava como era a vida após a morte a ligação caia.
Eu digo que parece mais um pesadelo e lhe entrego o manuscrito corrigido que tinha me pedido. Ela está escrevendo um livro. Nesse livro ela conta que não quer dormir, porque quando dorme ela sonha e todos os seus sonhos se tornam realidade. Aí ela, essa moça tem olheiras profundas, não dorme e se entope de café, misturado com coca cola, e bebe energéticos. Porque nos sonhos ela vê o futuro. E porque não dorme ela sente uma insatisfação constante, sente irritabilidade, sente ansiedade. Ela me diz que esses sonhos são como ter 500 canais de TV e ficar só zapeando porque é um tédio atrás do outro.
Eu pergunto o que as pessoas mortas diziam a ela pelo telefone no sonho de ontem.
Todas queriam me vender alguma coisa, ela diz. Como um telemarketing do pós vida, diz. E eu penso que essas ligações só podem vir do inferno.
No livro ela conta as mortes de famosos nos próximos 5 anos. Você não acreditaria se eu dissesse como a Rihanna vai morrer. Ou o Jimmy Fallon. Ou o cara que faz a voz do Homer Simpson. Nós dois imaginamos o best seller que esse livro será. Então eu lhe faço mais uma vez a pergunta.
Você já sonhou como eu vou morrer? E ela se nega a responder. Se nega a dizer se sonhou ou não. E eu deixo pra lá de novo. Não vai me fazer muita diferença. Minha vida já é autodestrutiva de qualquer forma. Olho pra meu indicador e polegar amarelados de nicotina e busco o cigarro no bolso. Ela me olha e diz com esse seu hábito não é preciso nem sonhar em como será seu futuro.
Estamos eu e ela na minha casa de praia, nessa época do ano quando a praia é um deserto lambido pelo mar, todas as casas estão fechadas e o respirar de outro humano está a milhares de quilômetros de distância.
No livro ela fala de desastres naturais em vários países e como os governos podem se preparar pra eles. Ela fala de novas doenças que surgirão e pede que a OMS não ignore suas previsões. Conta de coisas que acontecerão uma semana, um mês, um ano após a publicação do livro pra que as pessoas venham paulatinamente a acreditar. Tudo o que ela sonhou antes de resolver evitar dormir, está no livro.
Eu levanto e vou até minha escrivaninha. Ela fala entusiasmada do quanto nós ganharemos com a publicação do livro. Das viagens, do casamento depois de 4 anos de noivado. Isso tudo ela fala nas minhas costas até que sua voz vai morrendo e ela emudece e eu não viro pra olhá-la. Mas eu imagino que ela esteja de cabeça baixa olhando o manuscrito.
Então é isso, ela diz. O dia finalmente chegou, ela continua. E disse eu sonhei com isso.
No manuscrito, na capa, não havia o nome dela, mas o meu. E ela entendeu. Ela começou a falar “eu te…” quando eu virei com a arma em punho e dei um tiro em sua cabeça.
Então meu telefone tocou um número desconhecido. Era uma voz de mulher. Se você ouvisse juraria que a voz era de uma moça de 15 anos. Ela então me pergunta:
“Alô, o senhor gostaria de estar comprando…”