Sobre como se tornar melhor

HermetiCAOS
HermetiCAOS
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5 min readDec 28, 2016
Newton, de William Blake. É a própria figura do Mago-Arquiteto, curvado, engajado em seu projeto.

Durante muito tempo da minha vida eu me esforcei para ser uma pessoa melhor. E me frustrava quando não conseguia corresponder às minhas próprias expectativas. Que, no fim das contas, não eram só minhas, mas das pessoas queridas à minha volta. Não posso culpá-las por depositar em mim suas expectativas quando eu mesmo as tenho. Mas venho aprendendo algumas coisas nesse Caminho, e gostaria de compartilhar.

O primeiro de tudo é: nós temos expectativas com relação à realidade, mas a realidade não tem obrigação nenhuma de corresponder a essas expectativas. Portanto, tê-las é um caminho quase certo à frustração, que é a mãe de uma série de outras emoções altamente nocivas e perniciosas. As pessoas desenvolvem expectativas por acreditar que, de alguma forma, elas têm que se preparar para o futuro. Só que pouca gente parece perceber que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se você pratica Magia e não entendeu isso ainda, acredito que já é hora.

O Mago trabalha como um Arquiteto: ele projeta, o que significa criar um plano exato daquilo que pretende realizar, mas que, por enquanto, só existe na imaginação. A partir daí, ele estuda os meios adequados para a materialização de seu projeto. De posse desse esquema, ele coloca o plano em prática e, necessariamente, colhe os resultados daquilo a que se propôs. Vejam, para quem assim trabalha, não existe tal coisa como “expectativa”. Porque isso seria equivalente a ter uma esperança de que tudo dê certo, como se por obra de um Deus benevolente. Acontece que o Mago É Deus. Esse é o princípio mesmo da Invocação, um dos mais importantes trabalhos mágicos. Assim, uma vez que o Mago desenvolve um projeto e o põe em prática, a materialização de seu desejo é uma certeza. Ele sabe que tudo vai correr como o planejado, assim como o bom Arquiteto sabe exatamente como vai ficar a obra depois de pronta. A não ser que trabalhe com uma mão-de-obra muito inadequada, o Arquiteto não tem “expectativas” quanto ao resultado de seu projeto; ele sabe.

Ao longo da execução do projeto, problemas podem acontecer. Interferências vindas das porções mais desconhecidas da nossa psique trabalham para sabotar nossa realização. Acreditar que se pode lutar contra essas interferências, no sentido de eliminá-las, é cair mais uma vez na armadilha. Lutar contra a Sombra só leva à derrota, pois ela é muito maior e mais poderosa que o Ego — a Consciência. A única maneira produtiva de lidar com ela é reconhecê-la, aceitá-la e integrá-la. O que significa dizer que devemos buscar compreender as interferências, os desvios do projeto, como lições a serem aprendidas sobre nós mesmos. De maneira que, longe de levar à frustração, os obstáculos que surgem nos levam à gratidão, a mesma que dedicamos ao Mestre que nos indica a melhor maneira de caminhar.

Pois bem. Entendi uma das coisas que estava fazendo errado. Mas ainda tem outra. Lembra que eu falei que me esforçava pra ser uma pessoa melhor? O que quer que esse melhor signifique, “esforço” é sempre um problema. No meu caso, esse problema se tornou uma bola de neve, pois eu acabei acreditando que não conquistava algumas coisas que desejava porque não me esforçava o suficiente. Aí eu tentava criar em mim o intuito de me esforçar para realizar as coisas e, no final, eu estava me esforçando para que conseguisse me esforçar. E aí, a palavra até já gastou. Entrei num círculo vicioso de cobrança excessiva, autocomiseração, expectativa, frustração e autoindulgência que não me tirava do lugar. Foi aí que me deu o estalo.

Qual é o meu projeto? Que pessoa eu quero ser? Como se alcança isso através da Magia? É só idealizar, certificar-se quanto aos meios disponíveis para a materialização dessa ideia e realizá-la. Sem mistério. Descobrir o seu próprio projeto demanda um tanto de meditação, mas não chega a ser a verdadeira raiz do problema, porque fazemos isso o tempo todo inconscientemente; Só que existem, em cada um de nós, hábitos arraigados e complexos inconscientes que são bastante complicados de dissolver, de transmutar. Isso requer disciplina, dedicação, coragem e sacrifício. Nenhuma dessas palavras, porém, tem a ver com esforço. Isso porque o esforço significa, num certo sentido, o emprego de uma grande força na realização de um determinado trabalho, por conta, principalmente, de ser esse trabalho algo de difícil realização, como se estivéssemos nadando contra a corrente. Ora, o caminho do autoconhecimento e da realização da Verdadeira Vontade é quase o oposto disso.

A Grande Obra é o nosso Caminho natural. É para onde estamos indo, invariavelmente. Uns caminham mais rápido, outros mais devagar, pois cada um faz aquilo que pode, quando pode. De modo que o que dói mesmo não é realizar a Obra, mas impor obstáculos a ela — coisa que costumamos fazer com certa destreza, até. É preciso mais força para se agarrar à pedra no fundo do rio do que para se deixar levar pela corrente. Para largar a pedra do nosso ego — nossa autoimagem, nossos desejos e vaidades –, não obstante, é necessário coragem, pois abandonamos a segurança do conhecido para nos lançarmos ao imprevisível. É necessário o sacrifício de nossa autoimagem e de nossas expectativas, para que consigamos realizar nosso projeto. É necessário disciplina e dedicação porque é um trabalho diário, que se realiza a cada pequeno momento do nosso existir.

Esforço, todavia, não é necessário. Porque o que precisamos não é de fazer força, mas de nos soltar. No lugar do esforço, a decisão e a entrega. Com uma ideia clara do projeto e a noção de como realizá-lo, decidimos levá-lo a cabo e nos entregamos de corpo e alma ao processo. Caso seja, de fato, o Caminho para Si Mesmo, tudo fluirá naturalmente. Se esforçar parece “tentar fazer”. E o Mestre Yoda ensina: “Faça ou não faça; não existe tentar”.

Se quisermos fazer, se quisermos ser nós mesmos, não precisamos de esforço, mas de ação.

Estou no processo de aprendizagem disso tudo e agradeço imensamente ao Universo, não apenas pela lição, mas pela oportunidade de poder compartilhá-la com outros que possam fazer bom uso dela.

Namastê!

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Magia do Caos, Hermetismo, Tarot, Alquimia, Psicologia Profunda e Filosofia. Por Felipe Cazelli, o Saladino.