Aposentadoria e as contribuições da Economia Comportamental

Isabella Jordão
Heterodoxos
Published in
11 min readMay 2, 2021
Fontes: bandfmtangara e biworldwide

Ante o caloroso debate sobre previdência no Brasil na última década, questiona-se quais são os impactos sobre as decisões de poupar para a aposentadoria e de que forma a economia comportamental pode ajudar nesse processo.

Aposentadoria: um dos maiores desafios da atualidade

A aposentadoria é um dos maiores desafios da atualidade para diversos países do mundo, inclusive para o Brasil. Uma das questões centrais é o processo de transição demográfica, caracterizado sobretudo pelo aumento da expectativa de vida da população.

A década de 2010 foi caracterizada por diversos debates sobre pautas econômicas e reformas no Brasil, principalmente no que se refere à previdência. A Reforma da Previdência foi aprovada em 2017, durante o governo de Michel Temer. Além do fator demográfico, o debate esteve concentrado na necessidade de equilibrar as contas públicas no longo prazo.

Então, ante as recentes transformações que ocorreram no sistema previdenciário brasileiro, propôs-se analisar seus impactos sobre as decisões de aposentadoria à luz da economia comportamental.

O presente texto deriva da monografia “Previdência Complementar no Brasil: um estudo sobre o processo decisório e a Funpresp”.

Como funciona o Sistema Previdenciário Brasileiro?

O sistema previdenciário é um dos principais pilares de seguridade social de um país, sendo responsável por proporcionar aos trabalhadores uma fonte de renda após sua aposentadoria.

Além disso, esse sistema pode garantir uma renda básica para as pessoas que não têm condições de trabalhar durante um determinado período (como gravidez e problemas de saúde) ou permanentemente (invalidez).

No Brasil, existem dois modelos de previdência social:

  • Básico, no modelo de repartição simples
  • Complementar, no modelo de capitalização

O modelo de repartição está baseado na solidade intergeracional, ou seja, os recursos captados pela População Economicamente Ativa (PEA) são transferidos à população inativa hoje por intermédio do governo.

Esse modelo abrange os dois principais regimes previdenciários:

  • Regime Geral de Previdência Social (RGPS)
  • Regime Próprio de Previdência Social (RPPS)

O modelo de capitalização, por sua vez, tem os recursos obtidos através das contribuições feitas durante a vida laboral, que são investidas (principalmente no mercado financeiro) por especialistas. Segundo De Conti (2016), o objetivo da capitalização é obter a valorização desses recursos para remunerar os contribuintes ao se aposentar.

Fonte: tss e diap

Para aqueles que desejam manter um determinado padrão de vida no futuro, em paralelo ao sistema básico, é possível participar do Regime de Previdência Complementar (RPC), que tem se destacado sobretudo após a Reforma da Previdência.

Impactos da Reforma da Previdência

A Reforma da Previdência foi um tema amplamente debatido na década de 2010. Além da questão da transição demográfica, a discussão esteve centrada na necessidade de equilibrar as contas públicas no longo prazo.

Os defensores argumentam que a reforma mitigaria o déficit previdenciário, que abrange os três regimes previdenciários mantidos pelo Governo Federal (RGPS, RPPS e o sistema de inatividade e pensões de militares).

Dessa forma, visando a sustentabilidade do sistema previdenciário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287/2016 foi enviada à Câmara dos Deputados e promulgada em novembro de 2019.

Cabe ressaltar que se trata de uma reforma paramétrica, e não estrutural. Segundo Nery (2016), essa reforma tem por objetivo alterar parâmetros como as regras de acesso a benefícios, formas de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

Importância da Previdência Complementar

No Brasil, a Previdência Complementar surgiu no século XIX e, apesar de sua existência histórica, tem ganhado destaque somente nos últimos anos, diante das recentes transformações no sistema previdenciário.

Tendo em vista manter um determinado padrão de vida, com renda complementar no futuro e as expectativas quanto à previdência no país, uma opção tem sido aderir ao sistema de previdência complementar.

A adesão ao Regime de Previdência Complementar (RPC) é facultativa e desvinculada da previdência pública. Seu objetivo é proporcionar uma proteção previdenciária em paralelo ao RGPS ou RPPS, para os quais as contribuições são obrigatórias.

Nota-se que os fundos de previdência complementar podem ser abertos ou fechados, e a principal diferença entre eles é a possibilidade de adesão.

Esse sistema é caracterizado por alocar as contribuições feitas pelos trabalhadores durante sua vida laboral em um fundo gerido por uma entidade, como a Funpresp.

Afinal, o que é a Funpresp?

Fontes: funprest e oneinchpunch/Thinkstock

A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) é uma entidade responsável por realizar investimentos a fim de obter a valorização de recursos para remunerá-los no futuro, quando se tornarem inativos. Seu objetivo é administrar e executar planos previdenciários complementares para servidores públicos.

A fundação foi escolhida como objeto de estudo dado seu potencial de se tornar o maior fundo de pensão da América Latina. Em janeiro de 2021, a Funpresp contava com mais de 100 mil participantes, 3,75 bilhões de reais de patrimônio, 184 patrocinadores e uma rentabilidade anual de 8,65%.

Desde 2015, quem entra no serviço público federal com uma remuneração acima do teto do INSS (em janeiro de 2021, o teto era igual a R$ 6.433,57), é automaticamente inscrito em um dos planos da Funpresp.

De acordo com o diretor-presidente da Funpresp, Ricardo Pena, após a adoção do mecanismo de adesão automática, a taxa de adesão saltou de 9% para quase 90%. Nota-se que este mecanismo não retira a decisão de poupar (ou não) dos servidores, uma vez que é possível solicitar o cancelamento de sua inscrição.

Cabe ressaltar que o mecanismo de adesão automática foi introduzido com base em uma área relativamente recente e que tem ganhado destaque nas últimas décadas no debate econômico: a Economia Comportamental.

Contribuições da Economia Comportamental

A Economia Comportamental é uma área que estuda as influências cognitivas, sociais e emocionais sobre o comportamento humano, com o objetivo de entender o processo decisório em diversos contextos econômicos com base na experimentação e observação.

Em 2002, Daniel Kahneman foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia por suas contribuições para a economia comportamental. Kahneman foi responsável por integrar insights da psicologia à ciência econômica, principalmente em questões referentes ao julgamento humano e tomada de decisão em condições de incertezas.

Em 2017, Richard Thaler foi laureado por suas contribuições na área, sobretudo pela Teoria da Contabilidade Mental.

Fontes: Moti Milrod e Vicki Couchman / Camera Press / Redux

De acordo com essa teoria, há um conjunto de operações cognitivas usadas pelos indivíduos ante a decisões financeiras, por exemplo, que são simplificadas sem considerar todas as alternativas e consequências.

Em suma, os precursores da Economia Comportamental ressaltam a importância de uma compreensão mais realista do comportamento humano, bem como auxiliar indivíduos ante o contexto de tomada de decisão.

Modelos de escolha intertemporal: mainstream versus comportamental

Uma das questões centrais do debate econômico é compreender como os agentes trocam custos e benefícios em diferentes pontos do tempo, como as decisões de aposentadoria.

O arcabouço teórico das últimas décadas sobre decisões intertemporais aponta que os indivíduos podem incorrer em inconsistência intertemporal, isto é, revelam um comportamento imediatista.

No que se refere às escolhas intertemporais, há dois principais modelos de utilidade:

  • Desconto Constante (MUDC)
  • Desconto Hiperbólico (MUDH)

O MUDC de Samuelson (1937) sustenta a hipótese do desconto exponencial, em que o comportamento dos agentes é temporalmente consistente (isto é, constante ao longo do tempo), é compatível com os pressupostos da racionalidade, de que os agentes econômicos maximizam o somatório das utilidades descontadas.

Entretanto, nota-se a presença de algumas anomalias no MUDC. As anomalias podem ser entendidas como resultados empíricos que apontam inconsistências na teoria tradicional, e aponta a importância de uma explicação e previsão de fenômenos econômicos relevantes.

Em contrapartida, o MUDH, elaborado por economistas comportamentais, procura incluir algumas variáveis psicológicas. Nota-se que este modelo tem se mostrado mais eficiente na explicação e na previsão das ações dos indivíduos.

De acordo com a hipótese do desconto hiperbólico, os indivíduos descontam a utilidade a taxas decrescentes, isto é, a taxa de desconto é alta no curto prazo e baixa no longo prazo (pois há uma forte preferência pelo curto prazo, uma vez que este é mais tangível).

A principal diferença entre os dois modelos (MUDC e MUDH) pode ser notada no gráfico abaixo:

Fonte: Laibson (1997). Elaborado por: Muramatsu e Fonseca (2008)

A linha pontilhada representa a função exponencial (taxa de desconto constante), indicando que o comportamento dos indivíduos é constante ao longo do tempo (consistência temporal).

Enquanto isso, a função hiperbólica (taxa de desconto decrescente) representada pela linha contínua declina mais rapidamente no curto prazo ao considerar o comportamento imediatista (inconsistência temporal).

Em outras palavras, ante um futuro iminente, o indivíduo preferirá uma gratificação imediata, enquanto uma escolha que se desdobre em um futuro distante esse indivíduo preferirá uma postergação do prêmio na expectativa de ter retornos maiores, o que condiz com o comportamento observado empiricamente.

A modelagem feita por Loewenstein e Prelec (1992) sugere uma função de desconto hiperbólico que inclui o pressuposto de irracionalidade dos agentes no processo de escolhas intertemporais:

Função de desconto hiperbólico

O coeficiente alfa é uma variável que determina o quanto a função se afasta do desconto constante, representando o grau de imediatismo dos agentes.

Por sua vez, Laibson (1997) simula três valores distintos para alfa comparando com a função de desconto exponencial, que é representada pela seguinte equação:

Função de desconto exponencial

Para cada valor de alfa, há um beta correspondente para que a função de desconto tenha um valor igual a 0,3 (padronizado) quando t-1. Quanto maior for o alfa, mais a função hiperbólica se distancia da função exponencial.

No limite, quando alfa tende a zero, equivale à função de desconto exponencial do MUDC, no qual o desconto é dado em taxas constantes por unidade de tempo.

Por fim, entende-se que a função de desconto hiperbólico tem maior poder explicativo e preditivo, assinalando a importância de revisar as bases comportamentais da teoria econômica e de elaborar modelos de escolha mais compatíveis com a realidade.

Dessa forma, o MUDH elaborado por economistas comportamentais é mais eficiente, uma vez que consegue mitigar algumas anomalias presentes nos pressupostos do MUDC.

Quais são os vieses presentes ante as decisões de aposentadoria?

No que se refere às decisões de aposentadoria, há resultados empíricos que comprovam a existência de alguns vieses cognitivos.

Os vieses ou atalhos mentais podem ser entendidos como a tendência que pode nos levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais.

Entre os principais vieses envolvidos nas decisões de aposentadoria, estão:

  • Status quo;
  • Disponibilidade.

O viés do status quo é caracterizado pela tendência de permanecer em inércia, isto é, na mesma situação em que estão atualmente, ao invés de aderir a mudanças mesmo quando estas podem trazer benefícios para os indivíduos.

Há resultados empíricos que constam que os indivíduos tendem a procrastinar ante uma tomada de decisão considerada complexa. Nota-se que a não adesão ao plano de previdência complementar estava relacionada ao viés do status quo, e esta tendência foi invertida a partir da instituição da adesão automática.

Outro viés recorrente é o da disponibilidade, em que as pessoas julgam a probabilidade de ocorrer um determinado evento de acordo com a facilidade de encontrar um exemplo ou evento recente, como as notícias sobre a reforma da previdência, sobretudo durante o governo Temer.

De que forma funcionam os nudges e o mecanismo de adesão automática?

O objetivo do nudge é criar incentivos, a fim influenciar os indivíduos a tomar decisões de forma previsível em determinado contexto, com base científica. Em português, o conceito pode ser compreendido como cutucão, empurrão ou orientação.

Diversas instituições públicas e privadas têm utilizado os nudges em virtude do custo baixo ou nulo, rapidez e manutenção da liberdade de escolha. Um exemplo de nudge é o mecanismo de adesão automática da Funpresp.

Fonte: nudgeyou e crobox

O efeito concreto da adesão automática foi um aumento do número de participantes dos planos da Funpresp. Ao mitigar essa tendência irracional dos indivíduos, de permanecer em inércia ante decisões de poupar para a aposentadoria, o mecanismo de adesão automática é válido enquanto política pública.

Essa medida tem sido adotada em países como Estados Unidos, Inglaterra e Nova Zelândia, incentivada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O objetivo é ajudar indivíduos e grupos a decidirem o que é melhor para todos, sem interferir na liberdade de escolha.

Conclusão: por que é importante trazer para debate as questões sobre aposentadoria

Poupar para a aposentadoria é um dos maiores desafios da atualidade. Os indivíduos precisam se planejar hoje para ter uma renda no futuro, ao se aposentar, e uma alternativa é a previdência complementar.

Ressalta-se a importância de contar com canais de comunicação e de divulgação de informações e dados, que poderá transmitir maior clareza a importância de se planejar a aposentadoria (antes, o quão importante é a promoção da educação financeira para as pessoas).

Por esta razão, buscou-se identificar os determinantes da tomada de decisão de poupar a partir dos planos de previdência complementar e à luz da economia comportamental, a fim de fornecer insights de possíveis fontes de renda no futuro.

Uma melhor compreensão do comportamento humano é crucial tanto para o avanço da ciência econômica, ao aprimorar o poder explicativo e preditivo dos modelos, quanto para o processo de desenvolvimento econômico, uma vez que pode auxiliar na elaboração de políticas econômicas e de arranjos institucionais e jurídicos mais eficientes.

Em suma, este é um dos caminhos para resolver alguns dos problemas que afligem nossa sociedade e melhorar a vida das pessoas, com menores custos e sem interferir na liberdade de escolha dos indivíduos.

Referências

DE CONTI, Bruno. Os fundos brasileiros de previdência complementar: segmentações analíticas e estudos preliminares sobre a alocação de seus recursos. Texto para Discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2016.

FUNPRESP. Adesão automática na Funpresp: uma ação decisiva em favor da previdência. Disponível em: <https://www.funpresp.com.br/fique-pordentro/noticias/2020/adesao-automatica-na-funpresp-uma-acao-decisiva-em-favor-daprevidencia/>.

LOEWENSTEIN, George; PRELEC, Drazen. Anomalies in intertemporal choice: Evidence and an interpretation. The Quarterly Journal of Economics, v. 107, n. 2, p. 573–597, 1992.

MURAMATSU, Roberta; FONSECA, Patrícia. Economia e psicologia na explicação da escolha intertemporal. Revista de Economia Mackenzie, v. 6, n. 6, 2008.

NERY, Pedro Fernando. Reforma da previdência: uma introdução em perguntas e respostas. 2016.

SAMUELSON, Paul A. A note on measurement of utility. The review of economic studies, v. 4, n. 2, p. 155–161, 1937.

THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness. Penguin, 2009.

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Isabella Jordão
Heterodoxos

Formada em Ciências Econômicas pela Unicamp. Escreve sobre economia e finanças, sem deixar o anseio de ser polímata mundana.