Crise na Argentina: origem, impactos e lições

Felipe Carvalho Brisola
Heterodoxos
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15 min readSep 1, 2020
Protestos contra o FMI, Alberto Fernández e Cristina Kirchner em campanha para as eleições (2019) e Juan Perón, pai do Peronismo — Fontes: Inquires Journal e Jornalistas Livres

Introdução

Quando olhamos em retrospecto para Argentina o que vemos? Por um lado, no ambiente cultural observamos uma grande tradição que vai do tango caliente até filmes premiados com o óscar como “O segredo dos seus olhos” (drama romântico), “Evita” (história de Evita Perón) e o grande clássico “A História Oficial” (drama que retrata o esquema de venda de crianças na Argentina na ditadura militar de Jorge Videla). No cenário musical vemos bandas românticas como “Las Orejas de Van Gogh” , o rap de “Calle 13” e as belas composições de Carlos Gardel, nas artes plásticas temos as obras de León Ferrari que criticava em seus quadros os horrores da ditadura e na literatura os poemas de Juan Gelman e as fantásticas ficções de Jorge Luis Borges ecoam brilhantismo até os dias atuais. No lado político da coisa, as figuras míticas de Juan Perón e Che Guevara estão sempre navegando entre os holofotes e as estampas de camisas, e por fim — não menos importante — , como não se lembrar das grandes conquistas futebolística nos pés de Batistuta (O “batgol”), Kempes (liderança técnica da primeira conquista de copa do mundo) e é claro, ele, “Dios” Diego Armando Maradona, o legendário craque argentino.

Por outro lado — infelizmente — , vemos na economia há bastante tempo uma crise econômica que se manifesta— apesar de não ser o único fator — nos empréstimos e nas duras negociações entre o país e seus credores como o onipresente Fundo Monetário Internacional (FMI). Nosso vizinho de fronteira é o maior devedor do FMI na América Latina¹ e ano após ano, diferentes governos tentaram em vão administrar a delicada questão da dívida externa argentina, desde o casal Kirchner (2003–2015) até Mauricio Macri (2015–2019), cuja gestão aumentou a dívida em 35%.

1. A argentina atualmente tem uma dívida global de US$ 311,25 bilhões, que equivale a mais de 90% de seu PIB. Desse valor, US$ 121,97 bilhões se referem a créditos com detentores de títulos privados, enquanto que US$ 72,68 bilhões dizem respeito aos empréstimos tomados de organizações multilaterais.

Tendo em vista esse cenário econômico de sucessiva volatilidade, temos como objetivo a seguir a busca pelas raízes da crise argentina do ponto de vista econômico e já consigo adiantar que a partir dela tiraremos importantes conclusões acerca de conceitos econômicos fundamentais. É claro que para realizar tal tarefa é necessário se delimitar um período — o famoso recorte histórico — , e para tal, usaremos como ponto de partida a remota e ao mesmo tempo recente década de 90.

Uma breve introdução da crise dos anos 90

O professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, em seu artigo “A crise dos anos 90 na América do Sul” descreve engenhosamente as diversas agitações vividas durante a década de 90 na América do Sul — com enfoque na Argentina — e as consequências herdadas da década perdida dos anos 80, em grande medida ocasionadas pelo drástico choque de juros do então presidente do FED à época Paul Volcker², que jogou o continente em um furacão de problemas como a Crise da dívida externa e a consequente moratória mexicana.

2. Ao assumir o posto na presidência de Jimmy Carter (1977–1981), a média dos juros que eram de 10,79% em 1979 subiram para 19,01% em 1981.

Real interest rate (%), United States, (1970–1990) — Fonte: World Bank

Diante do receio americano com a perspectiva de calote das dívidas pelos países latino-americanos, foi realizado em 1989 o encontro que ficou conhecido como Consenso de Washington, que reuniu instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial e o Departamento de Tesouro dos EUA) com o objetivo de formular políticas econômicas liberais que a serem implementadas nos países em desenvolvimento, dentre elas podemos destacar a disciplina fiscal nas contas públicas, privatização de empresas estatais, abertura comercial, manutenção de taxas de câmbio competitivas, fim das restrições aos investimentos estrangeiros e etc. Tais medidas eram tidas como pré-condições necessárias para a renegociação das dívidas de países como México, Brasil e Argentina.

Na Argentina, o responsável pela aplicação inicial das políticas liberalizantes foi o presidente Carlos Menem (1989–1999) que em um primeiro momento conseguiu controlar a inflação e promover o crescimento econômico nos primeiros anos de seu mandato, e tudo parecia ir extremamente bem, a Argentina poderia ser tratada como modelo de sucesso das políticas de Washington, no entanto, conforme o tempo passava a situação não foi se mantendo a mesma, a dívida externa argentina chegaria a US$ 144,6 bilhões no final da década, e além disso, os hermanos também apresentariam um déficit na Conta Corrente de US$ 12 bilhões e na Balança Comercial de US$ 2,17 bilhões³.

3. O déficit em conta corrente, nada mais é do que o resultado das transações comerciais do país com o mundo, incluindo exportações e importações, mais os serviços e as chamadas transferências unilaterais, a Argentina apresentava um prejuízo de US$ 12 bilhões, enquanto que no déficit comercial, situação na qual a balança comercial de um país está negativa. Isto ocorre quando o valor das importações supera o valor das exportações, a Argentina possuía um déficit de US$ 2,17 bilhões.

Depois do mandato de Menem, seu sucessor Fernando De La Rua (1999–2001), na tentativa de normalizar a economia acabou por promover um aumento de impostos para reduzir o déficit, recorrendo— mais uma vez — aos empréstimo do FMI (desta vez por um valor de US$ 8 bilhões…vai anotando). Antes de prosseguirmos, é curioso analisarmos o déficit comercial argentino, pois no período que vai de 1995 até 2000, o país já fazia parte do Mercosul e à época possuía um superávit de US$ 5 bilhões com o Brasil, US$ 1,7 bilhões com o Paraguai e US$ 2 bilhões com o Uruguai, mas mantinha concomitantemente um déficit de US$ 16 bilhões com os EUA, ou seja, ao mesmo tempo que a Argentina sustentava um superávit comercial de US$ 10 bilhões com os países-membros do Mercosul, mantinha apenas com o Tio Sam um déficit que girava em torno de US$ 16 bilhões.

Do paraíso ao início do governo Menem, a situação da Argentina se agravou também por conta dos impactos da Crise financeira asiática (1997), que atingiu seu pico em 1999 e derrubou o então presidente De La Rua em 2001. Nem Menem, Nem De La Rua, nem os próximos presidentes conseguiram corrigir os problemas econômicos argentinos, nem Adolfo Rodrigues Saá, Eduardo Duhalde (2002–2003), Néstor Kirchner (2003–2007), Cristina Kirchner (2007–1015), Maurício Macri (2015–2017) e o atual Alberto Fernández.

Com todos esses mandatários, ainda fica a pergunta que pretendemos responder nos parágrafos a seguir, o que de fato causou toda essa crise que se iniciou nos anos 90 e ainda persiste até os dias de hoje?

A origem crise econômica

Do crescimento no PIB e estabilização da inflação até uma economia devastada pelo endividamento, o que houve com a economia da Argentina? De acordo com os professores André Moreira Cunha e André Ferrari a origem dessa crise remete ao plano de conversibilidade que feito pelo primeiro ministro Domingo Cavallo. Esse plano visava criar uma estabilização monetária por meio da fixação de uma relação dólar = peso, ou seja, a partir desse projeto 1 dólar seria equivalente a 1 peso, claro, no contexto do consenso de Washington essa mudança é acompanhada das políticas de liberalização da economia. Esse modelo ao qual Cavallo se baseou é chamado de Currency Board em que a política monetária baseia a emissão de moeda com base nas reservas internacionais do país. Embora hoje esse plano não esteja mais em vigor, os reflexos das mudanças provocadas pelo plano Cavallo explicam a crise atual na Argentina.

O atrelamento do peso ao dólar foi como um desaguadouro natural de um processo mais amplo de perda de confiança na moeda nacional enquanto instituição ordenadora do processo de reprodução da riqueza.”

André Moreira Cunha e André Ferrari em A origem da crise Argentina

“Un Peso Un Dolar,” Domingo Cavallo, 2001.

O plano do Ministro da Economia do governo Menem, Domingo Cavallo, foi pensado com intuito de combater a hiperinflação que detinha uma característica particular relacionada à dolarização informal da economia Argentina, e na época, segundo o professor Carlos Bresser-Pereira, a saída encontrada por Cavallo foi aumentar o grau de dolarização da economia para acabar de uma vez só com a hiperinflação, processo denominado por Bresser de “dolarização crônica”. Para se ter uma ideia, na Argentina era possível comprar títulos públicos do governo em dólares e até mesmo realizar depósitos em bancos nacionais na moeda americana, além da alta circulação do dólar na economia.

4. Ao contrário da dolarização formal do Equador, preferimos tratar a economia argentina como sendo informalmente dolarizada, pelo fato do país ainda manter uma moeda nacional, o peso argentino, que após o plano Cavallo (1991) substituiu moeda anterior chamada austral.

O problema era que “dolarizar de vez” a economia possuía dois riscos, primeiro a Argentina perderia o controle e autonomia sobre sua própria moeda (peso), e segundo existia o risco do surgimento de uma inflação em dólar que para ser combatida demandaria a abertura comercial, de tal modo que se um produto na Argentina tivesse seu preço aumentado em dólar, deveria ser possível importar tal produto, ou seja, para combater a hiperinflação, a Argentina fixaria e abriria o mercado para importados que ficassem caros em dólar internamente.

Tendo em vista a ideia de Cavallo, o processo decorreu — como já dito — em um primeiro momento sendo bem-sucedido em combater o processo hiperinflacionário da época (em 1989 a inflação era aproximadamente de 2.000% a.a. e foi para patamares de um dígito em 1994). Em paralelo, nos EUA de 1991 até 1994 manteve suas taxas de juros baixas (vide gráficos abaixo), favorecendo assim o plano. Diversos economistas vistos como autoridades no debate econômico deram apoio ao plano como John Williamson e Robert Mundell, contudo, é importante observar que o plano Cavallo não pode ser resumido como apenas a fixação do peso em dólar, mas também como uma série de outras medidas que foram tomadas em conjunto como o fim da indexação de contratos, limitação da capacidade do banco central para emprestar ao governo e promoção da independência do Banco Central e etc.

Real interest rate (%), United States, (1991–1994) — Fonte: World Bank

Nos primeiros anos do governo Menem é possível observar que de fato houve um crescimento do PIB e queda da inflação.

Annual growth rates at constant prices of 2010: Total GDP & GDP per capita e Argentina inflation, GDP deflator (annual %) — Fonte: CEPAL e World Bank

Os problemas começam

O crescimento do PIB e a estabilização da inflação por Menem escondeu uma série de problemas, veremos dentre eles que o modelo adotado por Cavallo tinha dificuldades em enfrentar choques externos, ou seja, por mais que a economia Argentina estivesse “indo bem” (o que também não era totalmente verdade), o modelo não conseguiu enfrentar as crises externas e as dificuldades internas que assolaram a Argentina. Outro problema diz respeito aos déficits em conta corrente que chegaram no período a 4% do PIB.

E qual o problema de um déficit na balança comercial? Para entender esse ponto podemos procurar uma comparação (para fins didáticos) com as ideias bulionistas do mercantilismo que defendiam que o grau de riqueza de uma nação era medido em torno da quantidade de metais preciosos (ouro e prata) dentro do país, era importante ter metais preciosos e a política econômica deveria visar esse objetivo como fim último, e quando traduzimos esse pensamento para os dias atuais podemos dizer que ser o “novo ouro” é o papel do dólar, e as economias de moedas frágeis precisam de dólar para manter sua estabilidade, logo, cabe ressaltar que o resultado da balança comercial implica também a entrada e saída de dólares: se temos um déficit na balança comercial temos saída de dólares, e se temos um superávit temos entrada de dólares (que se sobrepõe à saída de dólares), que são utilizadas em regimes de câmbio flutuante como colchão de crises cambiais. Por outro lado, se um país tem déficit (a perda de dólares se sobrepõe à sua entrada), temos também a desvalorização do câmbio e a possibilidade de geração de inflação, posto que a desvalorização do câmbio encarece os produtos importados.

Já nos déficits comerciais, a Argentina estava consumindo muitos produtos e serviços do exterior, optando-se pela entrada de capitais pela via financeira com o intuito de manter o consumo, o que levou o país a sucessivos aumentos em seu endividamento, o que também causou o aumento dos juros que ultrapassou a barreira de US$ 1 bilhão em 1990 para aproximadamente US$ 6 bilhões em 1999. A conversibilidade agravou a situação fiscal do país, o indicador da dívida externa/PIB que era de 32,5% em 1991 aumentou para 45,5% em 1998.

Total external debit as percentage of GDP — Fonte: CEPAL

Alguns autores apontam que a solução na época estaria no corte de gastos, no entanto, tal política não iria bastar, pois observando os dados vemos que gastos com a máquina pública caíram de 28% do PIB para 16% do PIB no período, e mesmo assim os problemas persistiram, além da suspensão pelo governo Menem de diversos subsídios, regimes de incentivos, demissão de funcionários públicos e privatizações de estatais como a Entel e as Aerolíneas. Como os primeiros anos do governo foram de relativo sucesso, Menem foi reeleito em 1995 com o incentivo de aprofundar ainda mais as medidas liberalizantes, diminuindo as repasses da união para os “estados” (no caso as províncias), forçando a demissão de servidores pelos governos locais.

Outra consequência do plano Cavallo foi que dado o endividamento externo e as mãos atadas em relação a sua política monetária, a Argentina se viu em uma frágil posição frente a possíveis choques externos que chegaram em 1994/95 com a Crise Mexicana, conhecida também como Efeito Tequila, uma crise de balanço de pagamentos que resultou na imensa fuga de capitais do México, queda nas reservas internacionais e desvalorização do peso mexicano, causando impactos na América Latina e restringindo especificamente a concessão de crédito para a Argentina.

Se seguiram também a Crise Asiática (1997), a Crise Russa (1998) e a desvalorização do real (1999) que afetou por sua vez as importações de produtos argentinos pelo Brasil. Todas essas crises dificultaram a tomada de empréstimos pelos argentinos no exterior, e como se não bastasse, a crise econômica interna da Argentina se converteu em uma crise política, fragilizando o governo Menem que acabou pro ser substituído por Fernando De La Rua, que adotou políticas de competitividade por meio de isenção tributária e estabelecimento do corralito, uma série de medidas que impediam os argentinos de retirar depósitos de suas contas correntes e poupança para envio ao exterior, essas última ideia não só falhou como foi o estopim de uma onda de protestos, como já citado.

E a partir de 2001 os problemas se agravam, a solvência da dívida externa Argentina começa a ser questionada pelas instituições internacionais e em dezembro de 2001, De La Rua dá lugar a Rodríguez Saá, que suspende o pagamento da dívida e renúncia, em 2002 Eduardo Duhalde assume o poder (ficando apenas um ano), sendo seguido por novas caras que tentam controlar o endividamento externo da argentina, e falhando no processo (a partir de 2005 até que ocorre uma queda da dívida, mas que volta a crescer posteriormente).

5. A crise era tão grave que Rodriguez assume em 23 de dezembro de 2001 e sai da presidência em 31 de dezembro do mesmo ano, com apenas nove dias no cargo.

Acordos com o FMI e Crescimento da Dívida externa Argentina — Fonte: Imagem própria e Trading Economics

Desigualdade e desindustrialização

Além do endividamento, podemos destacar no seio da crise os aspectos sociais na Argentina que era caracterizada anteriormente ao plano Cavallo por uma baixa desigualdade social, por exemplo, um dos índices que mede a desigualdade social em um país é o chamado de Índice de Gini, este por sua vez quanto mais próximo de 1 significa que mais desigual se encontra o país. O índice argentino em 1950 era de 0,37 enquanto que no Brasil era de 0,57 e no Chile e na Colômbia de 0,46. Essa diferença entre a desigualdade argentina e de outras economias latino-americanas no período se mantém por um tempo até que nos anos 90 ela começa a aumentar, por efeito de comparação em 1970 o Índice de Gini argentino era de 0,42; em 1980 de 0,46; alcançando 0,52 em 1990, chegando próximo ao indicador chileno e superando o mexicano.

Índice de GINI durante as décadas— Fonte: elaboração própria

É interessante observar também o aumento da pobreza que se era de apenas das famílias que viviam em áreas urbanas (de acordo com os critérios estabelecidos pela CEPAL) em 1990, alcançou espantosos 31,6% em 2002.

Quadro do “Panorama Social de América Latina 2004” do Comissão Econômica Para América Latina — Fonte: CEPAL

Por fim também é possível avaliar o aspecto da desindustrialização apresentada pelo professor Fernando Marcus Nascimento Vianini no artigo “A trajetória da economia argentina durante o governo Menem: a desarticulação da malha industrial” com base nas mudanças provocadas pelas políticas liberalizantes, já que os setores voltados para exportação se beneficiaram da abertura comercial, enquanto que industrias que eram voltadas para o mercado interno sofreram o impacto da concorrência de produtos importados, tendo assim que encerrar suas atividades

As lições que podemos aprender

A crise Argentina traz lições muito emblemáticas para o entendimento das especificidades latino-americanas, primeiro vale observar que nos primeiros anos do governo Menem houve um crescimento econômico importante que era considerado apenas pelo PIB, no entanto, considerar o crescimento de uma economia somente pelo aumento do seu produto levou a graves equívocos que esconderam os problemas gerados pelo oceano de dívidas adquiridas para a manutenção do modelo de consumo adotado, além de ter turvado a visão do processo de desindustrialização e da fragilização econômica do país haja vista a falta de autonomia do Banco Central da República Argentina gerada pelo Plano Cavallo.

O crescimento do PIB não pode ser visto como um indicativo último para se dizer concluir o desenvolvimento ou não de uma economia, é imprescindível avaliar outros aspectos como por exemplo: porque essa economia está crescendo? Este crescimento é sustentável? Ao observarmos outros aspectos dessa economia como endividamento externo e grau de industrialização, o que esses dados nos mostram? A desigualdade social está aumentando ou diminuindo? Como que esse crescimento no PIB se transformou em melhorias na qualidade de vida da sociedade? Quais são os danos ambientais que esse crescimento pode estar gerando? Tais questionamentos são importantes para não cairmos em ilusões e “voos de galinha” insustentáveis.

Outra lição que vale destacar é que mesmo quando autoridades no assunto aprovam determinada política que se apresenta como “técnica” não quer dizer que não existam críticas a essa política, ressaltar isso é importante pois a economia é uma ciência social e requer debate entre os pares para evoluir, não se pode adotar uma determinada política sem realizar um debate necessário sobre suas consequências e as interpretações que deram origem a mesma. Veja no Brasil por exemplo, aprovamos a PEC do Teto (241/55) que limita os investimentos públicos por 20 anos, com a possibilidade de revisão depois de longos 10 anos, tal medida foi vendida pela grande mídia como “a solução que os economistas (no geral) apoiam para resolver a recessão no Brasil”, e agora cabe perguntarmos quem são esses economistas? Afinal é possível apontar diversos outros profissionais da área que se opuseram ao desenho da proposta, mas quando que essas diferentes visões tiveram espaço nas grandes emissoras para expor suas opiniões? Tal debate não foi feito de forma ampla e generalizada na sociedade, ou alguém viu o Jornal nacional mostrar os dois lados do debate em 2016? A verdade é que aprovamos uma regra de contingenciamento de gastos bem mal desenhada e que já se mostra insustentável para cumprimento em 2021.

Uma terceira lição é entender que alguns problemas econômicos são tão profundos que não podem ser resolvidos por uma única figura, após Menem houveram diversos presidentes na Argentina e é obviamente claro que cada governo criou suas próprias políticas para lidar com a crise, no entanto, essa crise é mais profunda — podemos chamá-la de estrutural — , não é algo simples que será resolvido em um ou outro mandato mas requer anos e anos de trabalho. Em outras palavras, é claro que existem problemas entre as gestões de Mauricio Macri que podemos nominar de catastrófica (acredito que tanto pela esquerda quanto pelos próprios liberais) e a recente gestão de Fernandes que anunciou recentemente a reestruturação da dívida local argentina, no entanto, não podemos acreditar que os problemas de endividamento argentino — seja interno ou externo — , se resolverá em um único mandato pela mão de um único presidente. Portanto da mesma forma que alguns liberais foram ingênuos por acreditarem que Macri salvaria a Argentina, a esquerda pode até apostar em Fernandes, mas salvar a Argentina é missão difícil que requer tempo.

Por fim resta aguardar como essa dívida externa irá prosseguir e como Fernandez e os futuros presidentes argentinos lidarão com esse estado de crise eterna que assola não apenas a Argentina mas também a América Latina.

Será que os hermanos irão agir como Higuaín na copa de 2014 ou como Maradona na copa de 1986, costurando a zaga inglesa e entrando para história? Bom…

Isso só o tempo dirá…

Referências

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz, As políticas neoliberais e a crise na América do Sul, 2002.

FERRARI, Andrés e CUNHA, André Moreira , A origem da crise Argentina, 2008.

FERRARI, Andrés e CUNHA, André Moreira, A Argentina em dois tempos: Da conversibilidade à reestruturação da dívida, 2006.

VIANINI, Fernando Marcus Nascimento, A trajetória da economia Argentina no governo Menem, A desarticulação da malha industrial, 2014.

PEREIRA, Carlos Bresser, Dolarização da economia Argentina, 1991.

Reportagem do El País sobre a dívida do FMI

Disponível em:

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-05/negociar-com-o-fmi-e-estabilizar-a-economia-os-proximos-desafios-da-argentina.html

Reportagens da Folha de São Paulo sobre o Plano Cavallo

Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1706200104.htm https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1706200103.htm https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1706200105.htm)

Sobre a crise mexicana:

http://memorialdademocracia.com.br/card/crise-do-mexico-traz-impactos-ao-brasil

Panorama Social de América Latina 2004” do Comissão Econômica Para América Latina CEPAL

Disponível em:

https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/1222/1/S0411873_en.pdf

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Felipe Carvalho Brisola
Heterodoxos

Leitor de quadrinhos do Batman e no tempo livre estudante de economia