Michael Roberts: Previsão para 2021

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11 min readJan 11, 2021
Fonte: American Institute for Economic Research e Luis Tinoco

Michael Roberts trabalhou na City londrina como economista por mais de 40 anos. É autor de vários livros, dentre eles o The long depression: marxism and the global crisis of capitalism (publicado em 2016 pela editora Haymarket). Escreve regularmente no blog thenextrecession, e desde que se aposentou, publicou vários artigos em revistas econômicas acadêmicas e em publicações de esquerda.

Tradução feita por Gabriel Vinicius e Ju Pantin, com a permissão do autor.

Da publicação original: Forecast for 2021.

Nesta época, no ano passado, comecei meu post sobre a previsão para 2020 fazendo uma distinção entre previsões e predições. Argumentei que podemos fazer previsões que podem ser testadas, digamos, sobre o clima e o aquecimento global. Os cientistas do clima preveem que, se as emissões de carbono continuarem aumentando, as temperaturas globais continuarão subindo e, eventualmente, causarão mudanças prejudiciais no clima da Terra (o que está acontecendo). Na verdade, os virologistas vem prevendo há algum tempo que haveria uma onda de pandemias de novos patógenos atingindo os seres humanos.

Da mesma forma, nas ciências sociais, podemos fazer previsões, embora com mais complexidade e grau de dificuldade. Na economia marxista, podemos fazer previsões a partir da lei de acumulação de capital de Marx¹ e da lei de queda tendencial da taxa de lucro². A primeira lei argumenta que a composição orgânica do capital aumentará com o tempo (e isso acontece nas economias capitalistas); e a segunda lei prevê que a taxa média de lucro sobre o estoque de capital investido pelos capitalistas cairá com o tempo (e cai).

1.Lei descrita por Marx em O Capital que afirma que ocorre uma mudança na composição orgânica do capital com o passar do tempo:uma massa crescente de meios de produção, graças à produtividade do trabalho social, pode ser colocada em movimento com um dispêndio progressivamente decrescente de força humana”.

2.Lei que apresenta uma tendência de queda na taxa de lucro das economias capitalistas com o passar do tempo, devido a mudança na composição orgânica (processo descrito na nota acima). Cada capitalista pode, individualmente, aumentar sua própria competitividade aumentando a produtividade de seus trabalhadores. A forma de fazê-lo é utilizar mais “meios de produção” — ferramentas, maquinaria etc. — por cada trabalhador. Produz-se um aumento da proporção da extensão física dos meios de produção para uma quantidade de trabalho empregada, proporção que Marx denominou “composição técnica do capital” (o “capital constante” cresce mais rápido que o “capital variável”).

Mas isso não é o mesmo que fazer previsões sobre o que acontecerá, digamos, no próximo ano. A previsão do tempo não garante acertos, embora a previsão de três dias tenha sido muito precisa. Em economia, prever se o crescimento real do PIB de uma economia, emprego, renda ou investimento aumentará ou diminuirá e em quanto um ano à frente é ainda menos confiável.

No entanto, a cada ano tento fazer isso para as principais economias. No ano passado, previ provisoriamente que as principais economias capitalistas estavam se encaminhando para uma nova queda na produção e nos investimentos pela primeira vez desde o fim da Grande Recessão. O período de meados de 2009 ao final de 2019 foi o mais longo período de expansão para as economias capitalistas avançadas desde 1945 (embora várias grandes chamadas ‘economias emergentes’ como México, Argentina, Brasil e Rússia já estivessem em recessão, bem como o Japão). Mas foi também a expansão mais fraca do pós-guerra, com um crescimento médio real do PIB não superior a cerca de 2% ao ano, o investimento estagnando e os lucros começando a cair. Esse foi o meu argumento para uma queda iminente em 2020.

Claro, poderíamos prever que uma pandemia estava chegando, mas não previmos quando e onde o COVID-19 surgiria. A pandemia pela COVID colocou todas as previsões anteriores por água abaixo. Agora, quando olhamos para 2020, a economia capitalista mundial registrou a maior e mais ampla recessão de sua história, com cerca de 95% das economias sofrendo uma contração na produção nacional no investimento, no emprego e no comércio.

Poucos países evitaram uma queda em 2020, especificamente China, Vietnã, Taiwan — e só.

Como resultado, fazer uma previsão econômica para 2021 ficou mais fácil. A maioria dos países se recuperará este ano. O PIB real crescerá, as taxas de desemprego começarão a cair e os gastos do consumidor aumentarão. Isso é parcialmente apenas estatísticas. Se uma economia cair 10% de, digamos, 100 para 90 em um ano e depois voltar a 95 no ano seguinte, isso significa um aumento de 5,5%. Mas, é claro, a economia ainda está cerca de 5% abaixo do nível anterior à recessão de 100. Além disso, se a economia não tivesse entrado em recessão, poderia ter aumentado, digamos, outros 2–3% em um ano, mesmo depois da recuperação, essa economia poderia ficar cerca de 6–7% abaixo da tendência.

E isso é o que vai acontecer na maioria das economias em 2021. Com as vacinas sendo distribuídas (gradualmente), no verão, um grande número de pessoas estará ‘protegida’ do vírus (em todas as suas variantes?) — embora países do ‘sul global’ não tenham recursos financeiros e logísticos para vacinar suas populações, que podem ter que esperar até 2024! No entanto, as economias do G7 devem estar se recuperando significativamente em meados do ano, pelo menos segundo as estatísticas.

Mas esta não será uma recuperação em forma de V — que significa um retorno aos níveis anteriores de produção nacional, emprego e investimento. Como acabei de argumentar acima, no final de 2021, a maioria das grandes economias (exceto a China) ainda terá níveis de produção, etc. abaixo do início de 2020. De fato, a maioria das previsões de países como o FMI, Banco Mundial e a OCDE (como registrei em posts anteriores ) não esperam que as principais economias retornem aos níveis pré-COVID antes do final de 2022 e muitas nunca alcançarão a tendência de crescimento anterior (que já era fraca). É por isso que chamo a forma dessa ‘recuperação’ global de raiz quadrada reversa, onde a nova tendência de crescimento da produção, do investimento e da lucratividade permanecerá abaixo da tendência da taxa de crescimento anterior.

Por quê? Bem, existem três razões principais. Primeiro, tem havido ‘cicatrizes permanentes’ na maioria das economias capitalistas. Durante os bloqueios de 2020, muitas empresas, especialmente as menores no setor de serviços, não retornaram suas atividades e os empregos que garantiam irão desaparecer. Além disso, muitos trabalhadores que foram dispensados ​​ou demitidos podem não ter seus empregos de volta, já que as empresas procuram reduzir o pessoal e não reempregar trabalhadores mais velhos e caros.

Em segundo lugar, há o aumento da dívida corporativa, que afetará a capacidade de muitas empresas (e não apenas das pequenas) de retomar o investimento. Postagens anteriores falaram sobre a ascensão de ‘empresas zumbis’ nas principais economias. Com as taxas de juros baixando até o nível da inflação, devido às enormes injeções de crédito pelos principais bancos centrais, e com programas de crédito garantidos pelo governo, as empresas aumentaram drasticamente seus níveis de dívida durante os bloqueios da pandemia de COVID. As grandes empresas acumularam o dinheiro apoiado pelo governo ou investiram na recompra de suas próprias ações ou em ativos financeiros. Como resultado, os mercados de ações de muitos países dispararam para níveis históricos. No entanto, muitas empresas menores tiveram que usar empréstimos extras para sobreviver. Os custos do serviço da dívida despencaram, mas o valor da dívida disparou.

Na verdade, há um risco real de uma terceira etapa na desaceleração pandêmica. A recessão começou com o que poderíamos chamar “choque de oferta”, à medida em que os negócios fechavam, as viagens paravam, as pessoas ficavam em casa e as indústrias do setor de serviços estavam paralisadas. Depois, tornou-se um ‘choque de demanda’, pois os gastos com serviços, lazer, viagens e outros ‘desnecessários’ despencaram. Os rendimentos dos trabalhadores profissionais e de escritórios mais bem pagos que podiam trabalhar em casa permaneceram elevados, ao passo que os trabalhadores não qualificados e com salários mais baixos que tiveram de sair para trabalhar viram os seus empregos desaparecer. Até 40% das pessoas nas faixas de renda mais altas das principais economias conseguiram trabalhar em casa durante a pandemia, mais do que o dobro da proporção entre os que ganham menos. Como o primeiro grupo não gastou, as taxas de poupança dispararam.

Agora, se há uma camada significativa de empresas que quebram (e as falências estão aumentando), então pode haver uma terceira etapa para a recessão em 2021: uma crise de crédito e uma crise financeira . Esses temores foram expressos pela economista-chefe do Banco Mundial, Carmen Reinhart, a respeito das inadimplências de dívidas de mercados emergentes (já tivemos algumas); Reinhart alertou que o sul global enfrenta “uma onda sem precedentes de crises de dívida e reestruturações”. Reinhart disse: “em termos de cobertura, dos países que serão engolfados, estamos em níveis nunca vistos nem mesmo na década de 1930”.

E o chamado Grupo dos Trinta banqueiros divulgou um relatório recentemente em que alertava sobre a possível crise financeira, com recomendações de ações imediatas para evitá-la. Eles alertaram que “embora a falta de liquidez tenha caracterizado a crise econômica da Covid-19 até agora, a insolvência pode afetar muitas empresas à medida que a pressão econômica da pandemia continue.” Mesmo o crédito barato não é suficiente para permitir a recuperação das empresas ‘zumbis’, que estão sentadas em obrigações sem precedentes de US$ 2 trilhões.

E isso leva à terceira razão para não esperar uma recuperação em forma de V que coloque o capitalismo global de volta no crescimento sustentado. A lucratividade média do capital nas principais economias se equipara aos níveis mais baixos do pós-guerra, agravada pela crise pandêmica.

A menos que a queda “destrua madeira morta” suficiente no setor capitalista que abra espaço para que o forte substitua o fraco e aumente a lucratividade dos sobreviventes, as principais economias capitalistas podem ficar presas no que foi chamado de “estagnação secular” por Keynesianos ou de uma ‘longa depressão’ por mim e alguns outros economistas marxistas.

Permanecem algumas vozes otimistas para 2021 entre os economistas tradicionais (mainstream), como ouvia-se no início da pandemia, durante o mês de março do ano passado. Deixe-me lembrar o que alguns keynesianos proeminentes disseram naquela época. Larry Summers, ex-secretário do Tesouro de Clinton, avaliou que a recessão forçada pelos lockdowns foi exatamente a mesma dos negócios turísticos de verão fechando para o inverno. Assim que chega o verão, disse ele, todos se abrem e estão prontos para partir como antes. A pandemia é, portanto, apenas uma coisa sazonal. Da mesma forma, o guru keynesiano, Paul Krugman, reconheceu que a queda da pandemia não foi uma crise econômica, mas “uma situação de alívio de desastre”. Assim, os gastos do governo financiados por empréstimos logo colocariam a economia de volta em pé. E Robert Reich, o supostamente esquerdista ex-secretário do Trabalho, novamente no governo Clinton, também considerou que a crise não era econômica, mas uma crise de saúde e assim que o problema de saúde fosse contido (ele pensou no verão passado!) a economia iria ‘estourar de volta’.

Agora o Financial Times contribuiu com sua mensagem de esperança e recuperação de ano novo. Seu colunista de economia, Martin Sandbu, argumenta que 2021 trará um grande boom de consumo, pois a demanda reprimida será liberada, apoiada pela alta economia acumulada em 2020, que será por fim gasta em consumo. Ele compara 2021 ao início de uma década de boom semelhante aos ‘loucos anos 20’ do século passado . O problema com essa previsão é que: primeiro, para muitos países, a década de 1920 não foi muito boa. O Reino Unido teve uma longa depressão em crescimento, investimento e emprego naquela década, enquanto a Europa e o Japão estavam em uma situação desesperadora, criando o clima para a ascensão do militarismo e do fascismo.

Em segundo lugar, embora tenha havido um boom na economia dos Estados Unidos na década de 1920, após o fim da epidemia de gripe espanhola, isso não beneficiou a maior parte da população trabalhadora. O crescimento econômico se acelerou por alguns anos e o mercado de ações disparou para novos máximos (como agora), impulsionado pelo crédito barato. Mas enquanto os salários reais aumentaram por um certo tempo, cerca de 5–8% ao longo de seis anos, os aumentos nos lucros foram muito maiores, pois o crescimento da produtividade ultrapassou o crescimento dos salários dos trabalhadores. A desigualdade aumentou acentuadamente.

E, é claro, tudo terminou em lágrimas, com o Crash do mercado de ações de 1929–30 e a subsequente Grande Depressão dos anos 1930. Mesmo assim, Sandbu nos encoraja a ter esperança. “Há um século, a década terminou mal. Podemos fazer melhor desta vez — não restringindo a liberação hedonística, mas tornando-a inclusiva. Quando finalmente chegar a hora de comemorar, que todos venham para a festa. ”

O Financial Times conclui que “Se há uma razão acima de tudo para ter esperança no futuro é que o ano passado demonstrou, com firmeza, nossa capacidade de adaptação”. Mesmo? O capitalismo se adaptou ou mudou? Os enormes esforços de cientistas e profissionais de saúde em todos os lugares reduziram as mortes e doenças das pessoas infectadas pelo COVID-19 e as vacinas foram produzidas em tempo recorde. Mas a economia capitalista não mudou.

As grandes empresas farmacêuticas deverão obter enormes lucros com as vendas de vacinas; as empresas de combustíveis fósseis continuam a expandir suas explorações e níveis de produção. Empresas em todos os lugares estão empenhadas em reduzir empregos e condições para os trabalhadores. E os governos estão falando sobre ter que apertar os cintos dos gastos e impostos assim que a pandemia diminuir, para pagar pelos enormes gastos fiscais e monetários do ano passado. O aquecimento global está voltando, a desigualdade de riqueza e renda não mudou e a pobreza no sul global está piorando, enquanto os mercados de ações disparam. Essa é a perspectiva para 2021.

Referências usadas para as notas explicativas

MARX, K. O Capital — Livro I — crítica da economia política: O processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

HARMAN, C. A Taxa de Lucro e o Mundo Atual, 2007. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/harman/2007/mes/taxa.htm

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