O Império por excelência ou a prisão dos povos?

Uma resenha de “The Habsburg Empire: A New History” de Pieter Judson

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6 min readJan 27, 2021

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Fonte: bogazicilectures e bibliovault

Branko Milanović nasceu em 1953, em Belgrado, na Sérvia. Referência nos estudos de desigualdade e distribuição de renda, foi economista-chefe do departamento de pesquisa do Banco Mundial. Atualmente, Milanović é professor no Graduate Center da City University de Nova York.

Tradução feita por Gabriel Vinicius e Felipe Carvalho Brisola, com a permissão do autor

Do original: The Excellent Empire or the Prison of the Peoples? A review of Pieter Judson’s “The Habsburg Empire: A New History”

Data da publicação: 09/01/2021

Escrever uma história do Império Habsburgo que abranja das Guerras Napoleônicas até a dissolução do Império deve ser uma das tarefas mais difíceis para um historiador. A variedade de arranjos institucionais e políticos, interagindo com uma multidão desconcertante de classes sociais e nacionalidades, que estavam em um estado de conflito incipiente e permanente entre si ou com o centro Vienense, tornam essas histórias bem enfadonhas, à medida que se tornam crônicas de eventos ou cortejam a superficialidade, pois precisam abandonar uma série de desenvolvimentos relevantes para se concentrar em alguns que consideram cruciais.

O “The Habsburg Empire: A New History” de Pieter Judson pertence ao último grupo. Judson decide ir para uma abordagem revisionista em que se argumenta que a segunda metade do século XIX foi econômica e socialmente bem-sucedida para o Império. Além disso, o Império não é considerado muito diferente (em sua complexidade) de outras potências continentais como a Espanha ou a França. Judson menciona, por exemplo, várias vezes que em 1863, um quarto da população francesa não falava francês. E então, a parte mais controversa, a de que o Império poderia ter encontrado uma maneira de criar uma estrutura federalista sustentável. Vou me concentrar, nesta revisão, no último ponto.

Judson precisa abordar duas grandes questões aqui. Primeiro, por que as nações que formavam o Império estavam cronicamente insatisfeitas, e por que os arranjos institucionais, reagindo a isso, estavam em um estado de fluxo permanente? E, segundo, por que o Império acabou se dissolvendo, para o aparente deleite da maioria, incluindo os austríacos? Para este último, Judson culpa a crueldade irrazoável da ditadura militar que ocorreu no início da Grande Guerra, como se aquela ditadura, que Judson reconhece ser muito mais histérica e brutal do que em qualquer outra nação beligerante, pudesse ser considerada de forma isolada da nacionalidade e das questões sociais que atormentaram o Império antes da guerra.

No entanto, a parte mais importante do livro é se os arranjos constitucionais pós-1867 na parte austríaca do Império (a parte húngara era governada de forma muito menos inclusiva por um estreito grupo de aristocratas) eram sustentáveis. As principais hipóteses de Judson são todas esclarecidas em duas páginas (pp. 272–3) de um livro de 500 páginas: “O que tornou … a metade austríaca da monarquia dual … única … não foi tanto sua composição étnica, mas sim as estruturas jurídicas e administrativas que se desenvolveram para gerir questões de diferenças linguísticas e religiosas ”. E, “o conflito nacionalista não foi um resultado inevitável da qualidade multilinguagem das sociedades austríacas e húngaras, mas sim o produto de instituições … Um programa político que exigisse direitos legais, sociais e institucionais para falantes de uma dessas línguas… encorajaria as pessoas de uma localidade a verem a si mesmas e aos outros em termos de categorias baseadas na linguagem ”.

São esses arranjos institucionais que enfatizam a diversidade linguística e étnica que, de acordo com Judson, aprofundam as clivagens étnicas e, no final, quebram a espinha da Monarquia. Se a burguesia unificadora e liberal que tendia a considerar essas diferenças com indiferença e desdém tivesse prevalecido, o crescimento econômico teria nivelado as desigualdades entre os camponeses e as burguesias urbanas regionais e, em seguida, entre as diferentes regiões, da Bucovina e Galícia à Boêmia e Alta Áustria. Um precursor economicamente vibrante para a União Europeia teria sido criado, sob um governo monárquico benevolente.

O motivo pelo qual isso não aconteceu foi devido à agitação de políticos nacionalistas que encontraram na disseminação do nacionalismo uma forma conveniente, tanto de lutar contra suas próprias nobrezas regionais quanto de adquirir poder político que, na era da política de massa e crescente democratização nas terras austríacas (com o sufrágio masculino introduzido em 1907, ou seja, onze anos antes da Grã-Bretanha) era o caminho para o poder.

Fonte: Wikipédia (domínio público)

Judson, portanto, define a corrida entre o desenvolvimento econômico capitalista, de um lado, e a emancipação nacionalista, do outro. Tendo o desenvolvimento econômico sido forte o suficiente para superar os demagogos nacionalistas, a parte austríaca da monarquia poderia ter encontrado uma solução duradoura para manter unidas as nacionalidades inquietas.

Esta não é uma suposição irracional. O desenvolvimento econômico é frequentemente tido como a cola que une as nações. “As vantagens materiais serão uma força muito mais forte para unir os povos das diferentes terras da coroa”, escreveu um jornal vienense, citado por Judson, em 1850. Mas duas coisas devem nos fazer parar antes de aceitarmos os argumentos institucionalistas e econômicos de Judson. Primeiro, o problema do ovo e da galinha. A monarquia teve de conceber ajustes institucionais cada vez mais complicados para se preservar, exatamente por causa das reclamações nacionais. Assim as respostas institucionais não podem ser responsabilizadas por criar o problema das nacionalidades se apenas reagiram a algo que já existia lá. Em segundo lugar, foi o crescimento econômico e o progresso educacional (especialmente na alfabetização) que criaram os intelectuais nacionalistas e os políticos nacionalistas que Judson considera responsáveis ​​por plantar as sementes da dissensão.

Aqui encontramos o seguinte problema: manter a monarquia pobre e sem educação poderia, no curto prazo, reduzir os problemas políticos, já que os Habsburgos certamente sabiam como negociar e barganhar com a nobreza local. Mas, a médio prazo, condenou a monarquia à irrelevância política na Europa. Para se salvar de tal destino, a monarquia desencadeou as forças do progresso econômico e educacional, mas isso “criou” nacionalidades e políticas de massa que então exigiram um novo quadro institucional de base étnica. Essa estrutura acabou por separar o país.

Esse foi o dilema chave que os Habsburgos não conseguiram resolver e que Judson evitou. Mas os Habsburgos não foram os únicos que falharam aqui. O fato de os Estados sucessores da monarquia, a Tchecoslováquia e a Iugoslávia, e mais a leste, a Polônia e a União Soviética, se mostrarem incapazes de resolver o mesmo problema, deveria ter feito Judson pensar duas vezes sobre sua explicação.

Pois o que é muito óbvio na história da Europa Central e Oriental nos últimos dois séculos é que todos os arranjos políticos humanamente possíveis — monarquia centralizada, monarquia descentralizada, monarquia federalizada, estado democrático, estado ditatorial, república centralizada, república descentralizada, economia feudal, economia capitalista, economia socialista — todas foram tentadas — e todas falharam. A Tchecoslováquia e a Iugoslávia entraram em colapso ao primeiro sopro de tensões e guerras internacionais (em 1938–41 e novamente em 1989–92); A Polônia era estruturalmente instável durante o período entreguerras, enquanto poloneses, ucranianos e judeus disputavam a influência; a União Soviética se autodestruiu em 1989–1992.

Judson aponta corretamente em seu epílogo que todos os países que sucederam à monarquia dos Habsburgos replicaram seus problemas, mas ele não consegue tirar a conclusão da multiplicidade de soluções institucionais que eles tentaram, de 1918 a 1989, e que não parece ter sido um problema solucionável.

Parece, em retrospecto histórico, que apenas a criação de Estados-nações mais ou menos puros (que, com exceção da Bósnia, foi o produto do último conjunto de revoluções nacionais) seja consistente com a Paz Fria na Europa Central e Oriental. Estas são nações agitadas que, ao que parece, só poderiam encontrar sua paz quando deixadas por sua própria conta e livres da distração da política local interétnica.

Nota: Esta já é uma revisão longa o suficiente para que eu não quisesse me comprometer com uma omissão surpreendente da política externa dos Habsburgos no livro de Judson. As numerosas guerras nas quais o Império, mais ou menos gratuitamente, (guerra civil na / com a Hungria em 1848 que foi “resolvida” apenas graças à intervenção russa, então a mobilização anti-russa da Criméia em 1852–3, guerra com o Piemonte e França em 1859, apoio à Prússia contra a Dinamarca re. Schleswig-Holstein, depois guerra com a mesma Prússia em 1866, anexação da Bósnia em 1908 e finalmente a Guerra Mundial em 1914) são tratados como se fossem quedas de meteoritos, não revelando a natureza profundamente contraditória do Império. Além disso, os efeitos das guerras na política interna não foram discutidos: o acordo de 1867 com a Hungria foi precipitado pela derrota de 1866 contra a Prússia etc. A Prússia é mencionada apenas quatro vezes em um livro de mais de 500 páginas.

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