Reforma Trabalhista: contrato intermitente, parcial e seus impactos no mercado de trabalho até hoje

Maria Luiza Assis
Heterodoxos
Published in
11 min readSep 17, 2020
Aos lados da carteira de trabalho temos a foto (editada) “Lunch atop a Skyscraper”, do fotógrafo Charles C. Ebbets na estrutura de aço do 30 Rockefeller Plaza, durante a construção do Rockefeller Center, em Manhattan, Nova York, Estados Unidos — Fonte: Arte/UOL e Wikipédia (Domínio Público)

Dos 210,1 milhões de habitantes¹, o Brasil possui hoje cerca de 105 milhões de pessoas que constituem a população economicamente ativa (PEA), ou seja, a parte da população apta ao trabalho. Desses 105 milhões, aproximadamente 56 milhões se encontram em empregos formais, de acordo com dados divulgados pela PNADc em 2020, e dos 49 milhões de brasileiros restantes, 38 milhões são trabalhadores informais e outros 12 milhões se encontram desocupados.

1.Dados de 2019 do IBGE

O mercado de trabalho brasileiro se encontra em crise desde 2010, quando se iniciou uma queda na geração de empregos. Nos anos de 2015, 2016 e 2017, ocorreram mais desligamentos do que contratações, ocasionando o saldo negativo do gráfico a seguir. A partir de 2018, o mercado de trabalho voltou a apresentar um tímido crescimento, mas que infelizmente não teve muito tempo de se estabelecer, já que em 2020 a crise da pandemia de covid-19 se mostrou um obstáculo à geração de novos empregos, causando grandes oscilações na capacidade de contratação das empresas, tal como apresentado no gráfico 2.

Gráfico 1 : Geração de emprego formal no Brasil em milhões — Fonte: CAGED
Gráfico 2 : Geração de emprego do Brasil no primeiro semestre de 2020, resultado de empregos formais — Fonte: Ministério da Economia

No contexto da instabilidade do mercado de trabalho gerado no segundo mandato do governo Dilma (2015–2016), foi aprovado no governo Michel Temer (2016–2018) a Reforma Trabalhista (Projeto de Lei nº 13.467/2017), que instaurou uma profunda alteração na legislação trabalhista. Essa reforma trouxe diversos impactos nas relações trabalhistas da sociedade, ampliando a liberdade do empregador em determinar as condições da contratação, a remuneração do mão de obra e possibilitando concomitantemente a redução dos direitos e da proteção social do trabalhador.

A Reforma Trabalhista surge com um cardápio de opções aos empregadores, de um modo que seja possível ajustar a quantidade e os custos de trabalho às suas necessidades, com novas modalidades e tipos de jornada vantajosas para diferentes segmentos, ou seja, ela buscou favorecer os empresários por meio da “redução de custos relacionados à contratação, à remuneração, aos intervalos e deslocamentos, à saúde e segurança, à manutenção da força de trabalho, à dispensa e às consequências jurídicas do descumprimento da legislação”; partindo-se da ideia de que, quanto menores os custos, mais trabalhadores são contratados. No entanto, diversos estudos têm mostrado que a reforma não vem trazendo os resultados esperados e prometidos.

Uma das grandes promessas para a reforma era a geração de mais de 6 milhões de empregos; no entanto, de acordo com o CAGED, no período de novembro de 2017 a setembro de 2019, apenas 962 mil postos foram criados, além do fato de que a predominância do acordado sobre o legislado permite que o trabalhador negocie suas condições de trabalho diretamente, o que não necessariamente implica em uma melhora de condições para o trabalhador, devido ao seu baixo poder de barganha.

As principais mudanças da reforma se concentraram em seis aspectos: 1) modalidades de contratação; 2) remuneração variável e pagamento por bens e serviços; 3) flexibilização da jornada de trabalho; 4) descentralização na definição das regras que regem a relação de emprego; 5) fragilização e alteração do papel das instituições públicas e dos sindicatos. As alterações proporcionaram maior flexibilidade e precariedade das relações de trabalho, criando vínculos mais frágeis quando comparados ao contrato por prazo indeterminado tal qual o conhecemos.

Contratos padrões e contratos atípicos

Inicialmente, é necessário fazer uma comparação entre o contrato padrão e os contratos atípicos. Entende-se por contrato padrão o firmado historicamente no pós-Segunda Guerra Mundial, que possui como características o trabalho em tempo integral com um único empregador, remuneração fixa e mensal, com relativa estabilidade e perspectivas de carreira e segurança. Já os contratos atípicos, que até a década de 1990 eram restringidos aos trabalhos de característica sazonal — como a agricultura e setor de obras, vão contra as características mencionadas no contrato padrão. Com o capitalismo contemporâneo do final da segunda metade do século XX, surge a tese de que os contratos atípicos aumentariam os postos de trabalho, uma vez que flexibilizariam e diminuiriam os gastos das empresas ao apresentar diversas alternativas ao trabalhador (que escolheria o melhor contrato para o seu estilo de vida), o que levou a um crescimento dessas contratações a todos os setores.

A flexibilização das relações trabalhistas, entre os quais se incluem os contratos atípicos, faz parte de uma transformação que busca compatibilizá-la com as características do capitalismo após as diretrizes do Consenso de Whashington (1989). Algumas modalidades de contratação existentes foram legalizadas, juntando-se com as antigas, surgindo assim um ‘cardápio’ de opções ao empregador, que teria também a liberdade de escolher a que melhor se encaixa ao seu processo de produção.

Como veremos a seguir — por meio dos efeitos da Reforma Trabalhista de 2017 — , que essas modalidades atípicas apresentaram baixa aderência no mercado de trabalho até o presente momento. Parte disso vem da constatação de Krein, Abílio, Freitas, Borsari e Cruz (2018) de que “o contrato por prazo indeterminado já é suficientemente flexível no Brasil, visto que as empresas têm liberdade de romper o vínculo”. Ademais, para Teixeira (2019), as reformas laborais podem trazer o impacto inverso de gerar novos postos de trabalho, “acentuando por sua vez seus danos ao substituir postos de trabalho protegidos e com direitos por trabalhos precários e sem proteção social, criando, inclusive, um desincentivo às empresas por novas tecnologias e ganhos de produtividade”.

Para os impactos dos contratos atípicos no mercado de trabalho, faremos uma análise dos contratos intermitentes e dos contratos parciais após a Reforma Trabalhista do governo Michel Temer.

Contrato intermitente

O contrato intermitente é identificado como a falta de jornada pré-definida, prestação de serviços de forma descontínua e a possibilidade de alternância de períodos. Esta modalidade exige que o trabalhador esteja disponível a todo momento, sendo convocado para a prestação de determinado serviço com três dias de antecedência, remunerado apenas pelas horas trabalhadas e com a ausência do salário mínimo. Uma vez confirmada a disponibilidade, o funcionário corre o risco de ser multado em 50% sobre o valor do serviço em caso de desistência.

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.

- Parágrafo terceiro do Art. 443

Este contrato é visto como uma forma de regularizar os “bicos”, ou seja, trabalhos esporádicos que podem ocorrer em qualquer período com aviso prévio e com uma remuneração proporcional ao tempo de trabalho.

O gráfico a seguir mostra a evolução das admissões e desligamentos do contrato parcial, em relação aos números totais, no período de novembro de 2017 a dezembro de 2019.

Gráfico 3 : Porcentagem de admitidos e desligados intermitentes

Neste gráfico, a menor taxa de admitidos intermitentes foi registrada em fevereiro de 2018, com 0,21% do total de admitidos no mês. Já a maior taxa de admissão registrada no mês de dezembro de 2019 com 1,48% do total de admitidos.

Por outro lado, em novembro de 2018 não foram registrados desligamentos, enquanto que no último mês de registro (dezembro de 2019) a taxa de desligamento de intermitentes foi de 0,45%, e a maior taxa de registro verificado no período foi em outubro de 2019 com 0,63% de taxa de desligamento.

Podemos concluir do gráfico que a participação do contrato intermitente, apesar de ser baixa, possui uma tendência ao crescimento.

Na tabela a seguir, com os dados da RAIS 2018, já é possível acompanhar a participação do contrato intermitente em alguns setores da economia.

Fonte: RAIS 2018 / Secretaria do Trabalho

Podemos ver na tabela que o setor da Administração Pública em 2018 contava com 0% de participação e a Construção Civil com a maior taxa, de 0,59%.

Contrato parcial

A segunda modalidade a ser apresentada e discutida é a do contrato parcial, que passou de 26 horas semanais para 30 horas após a reforma, que também acabou permitindo ao empregador a possibilidade de estabelecer contratos com carga horária menor e salários proporcionais.

Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais.

- Art. 58-A

Essa mudança faz com que o trabalhador fique à disposição de apenas um empregador, não sendo possível se vincular a outro emprego. A Organização Internacional do Trabalho disse, em 2015, que “o tempo parcial não é uma opção oferecida aos trabalhadores, mas sim uma contingência frente a um cenário de falta de alternativas”, haja vista que o contrato parcial é um dos tipos que apresentam menores amparos sociais, além de possuírem vieses de gênero e estimularem a flexibilização de contratos para as mulheres.

O gráfico a seguir mostra a evolução das admissões e desligamentos ligados ao contrato parcial, em relação ao número total de admissões e desligamentos, no período de novembro de 2017 a dezembro de 2019.

Fonte: CAGED

Vemos ai que em abril de 2018 foi registrada a maior taxa de contratações de parciais, que corresponde a 0,63% do total de contratados no mês e o menor valor registrado foi em novembro de 2017 com 0,06% do total de contratados no mês.

Em relação aos desligamentos, a menor taxa registrada é de novembro de 2017 com 0,04%; há um pico em dezembro de 2018 com 0,51%, sendo que, no último mês de registro em dezembro de 2019, há o maior valor de desligamentos, correspondente a 0,57% do total de desligamentos do mês.

Este gráfico nos mostra que a participação do contrato parcial é bem oscilante e pequena se compararmos com o total de contratos padrão, não chegando nem a 1%.

Na tabela a seguir, os dados das RAIS 2018 indicam a participação do contrato parcial em alguns setores da economia.

Fonte: RAIS 2018 / Secretaria do Trabalho

Novamente, percebemos que as proporções são bem baixas, ainda sem chegar a 1% do total de contratados. O setor com a maior participação de parcial é o de Serviços com aproximadamente 0,77%, enquanto o de menor participação é o da Administração Pública, com 0,07%. Esses dados, assim como os da pesquisa de Krein e Oliveira (2019), indicam que tanto o trabalho parcial quanto o intermitente apresentaram uma participação pífia em 2018, não constituindo um fator relevante de diminuição da informalidade e de combate ao desemprego.

Pesquisas do CAGED até novembro de 2019 mostraram que as vagas intermitentes representaram quase 20% do total dos empregos formais registrados, sendo maior até que o trabalho parcial, apesar de manter um número inexpressivo ao observar o total de admitidos no mesmo período. No entanto, a RAIS, que apresenta dados agregados anuais, indica o contrário, que o trabalho parcial está mais presente do que o intermitente. Como a RAIS mostra os vínculos ativos até o dia 31/12, é possível inferir que o trabalho intermitente possui maior rotatividade, apesar de sua característica ser de manter o vínculo mesmo quando não há trabalho.

Para Filgueiras (2019), uma das promessas da reforma era a redução de custos e maior competitividade, o que pode ser contraditório, já que o aumento do lucro com a redução dos custos de contratação pode gerar uma aversão ao investimento. Apesar da possibilidade de reduzir custos, observa-se que ainda não houve aderência a essas modalidades de contratação.

Conclusões

Adespeito de ainda ser muito recente para uma análise mais consolidada da reforma, com os dados apresentados é possível concluir que ainda há baixa incidência dos novos tipos de contrato. As mudanças surgiram mais como uma forma de se regularizar diversas práticas que já vinham acontecendo, mas que, no entanto, ainda trazem insegurança para os empregadores no momento da contratação.

Também é importante notar que na pesquisa feita por Krein e Oliveira (2019), é traçado um perfil dos trabalhadores intermitentes e parciais. Os primeiros são majoritariamente homens jovens com escolaridade média, nos setores de Comércio, Serviços e Construção Civil (Tabela 1) e os segundos são trabalhadores parciais, em sua maioria mulheres jovens escolarizadas, presentes nos setores de Serviço e Comércio (Tabela 2).

Krein e Castro (2015) já diziam que a heterogênea participação de homens e mulheres nas modalidades flexíveis reproduzem os papeis de gênero e a divisão sexual do trabalho existentes na sociedade. A predominância de mulheres no trabalho parcial pode ser explicada pela convenção social de que cabe a elas conciliar os cuidados da casa e dos filhos. Desse modo, só estariam disponíveis para trabalhar meio período, e como o contrato intermitente é mais flexível, não possuindo carga horária definida e o necessidade de disposição por parte do trabalhador, é mais comum que se tenham um número maior homens nessa modalidade. Vale ressaltar também que o fato de ambos contratos serem atípicos justifica a predominância de pessoas jovens, uma vez que a população mais velha busca maior estabilidade por meio do contrato padrão.

Por fim, é possível dizer que, até o momento, não está sendo entregue o que foi prometido pelos formuladores da reforma. As promessas dos contratos de jornada parcial, intermitente e home office de gerar dois milhões de empregos em dois anos não ocorreram. Como observado, as duas modalidades analisadas possuem uma participação quase irrelevante, pois geraram apenas 173.340 empregos (menos de 9% do prometido no período de dois anos). De acordo com Krein e Oliveira (2019), “se há opção do contrato informal, por que lançar mão de um contrato formal, mesmo que de tipo precário? Ou seja, no marco histórico brasileiro, a flexibilidade nas formas de contratação é uma característica estrutural”.

Para o empregador é mais barato simplesmente não formalizar do que contratar por meio de qualquer outra modalidade.

REFERENCIAS

CESIT. Contribuição Crítica à Reforma Trabalhista. Campinas, 2017;

FILGUEIRAS, Vitor A (2019). As promessas da Reforma Trabalhista: combate ao desemprego e redução da informalidade. In José Dari Krein et al (orgs.), Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidades. Campinas: Curt Nimuendajú, p. 13–52;

GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, Anselmo Luis (2018). Desenvolvimento, competitividade e a reforma trabalhista. In José Dari Krein et al (orgs.), Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil, Campinas: Curt Nimuendajú, p. 27–68;

KREIN, J. D; CASTRO, B.C. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. In: Congress of the Latin American Studies Association — LASA, 2016, New York. Ensayos desarrollistas caso Brasil años 2000: mercado de trabajo, política social y acción colectiva, 2016.

KREIN, José Dari (2008). O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. Tempo Social, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 77–104, Abril 2008;

KREIN, José Dari. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990–2005. 2007. 329 fls. Economia Social e do Trabalho — Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007;

KREIN, José Dari; A. L.; F. P.; B. P.; C. R. (2018). Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. In José Dari Krein et al (orgs.), Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil, Campinas: Curt Nimuendajú, p. 95–122;

KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras (2019). Para além dos discursos: impactos efetivos da Reforma das formas de contratação. In José Dari Krein et al (orgs.), Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidades. Campinas: Curt Nimuendajú, p. 81–126;

TEIXEIRA, Marilane O (2019). Os efeitos econômicos da Reforma Trabalhista. In José Dari Krein et al (orgs.), Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidades. Campinas: Curt Nimuendajú, p. 53–80.

https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/conjuntura-economica/emprego-e-renda/2020/ie-pnadc-marco-2020.pdf

https://www.gazetadigital.com.br/editorias/economia/pesquisa-do-ibge-aponta-11-9-milhes-de-pessoas-sem-ocupao-no-brasil-em-2020/608820 >. Acesso em 08/09/2020

https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/11/11/reforma-trabalhista-completa-2-anos-veja-os-principais-efeitos.ghtml

https://noticias.r7.com/economia/ministro-do-trabalho-diz-que-reforma-trabalhista-pode-gerar-2-milhoes-de-empregos-em-2-anos-17072017

https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/trabalho-intermitente-reforma-trabalhista-/index.htm#tematico-1

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/28/dados-mostram-emprego-melhor-que-o-esperado-mas-economistas-veem-riscos-com-fim-de-programas-de-auxilio.ghtml

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/01/24/brasil-cria-empregos-644-mil-empregos-formais-em-2019-melhor-resultado-em-6-anos.ghtml

--

--