O retorno do “Momento Minsky”?

Lucas Badaro
Heterodoxos
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8 min readFeb 3, 2021
Fonte: sunoresearch e ciênciadedados

Nas Ciências Econômicas existem dois grupos de pensadores sentimentais: os otimistas e os pessimista. Os primeiros afirmam que os indivíduos são agentes racionais perfeitos buscando maximizar suas preferências em um cenário de livre mercado, permitindo ao sistema capitalista funcionar harmoniosamente, já que a racionalidade dos indivíduos levaria ao equilíbrio da oferta e demanda, delegando aos governos a função de manter e respeitar as liberdades dos agentes econômicos; enquanto que os pessimistas veem os indivíduos de uma forma mais humana, digamos que mais realista, com uma racionalidade não perfeita.

O olhar dos pessimistas

Os mais pessimistas são aqueles que já aceitaram o caráter instável do capitalismo e a tendência ao colapso do sistema, logo, esses autores buscam outros modos de produção. O maior destaque dessa linha de pensamento é a do alemão Karl Marx (1818–1883), que ao investigar de forma profunda esse sistema econômico em que vivemos, chegou na conclusão de que o capitalismo é formado por movimentos cíclicos/sistemáticos de crises intrínsecas e, diante disso, Marx busca postular o avanço da sociedade para o socialismo/comunismo como alternativa viável.

Fonte: Getty Images

Por sua vez, os pessimistas moderados são aqueles que aceitam a instabilidade da economia do capitalismo, mas não trabalham com o possível colapso do sistema, esses são mais esperançosos com o capitalismo, já que buscam encontrar explicações para as crises e ou formas de solucioná-las por meio de reformas econômicas. Os principais contribuintes moderados são Irving Fisher (1867–1947), John Maynard Keynes (1883–1946) e Hyman Minsky (1919–1996).

Da esquerda para a direita: Fisher, Keynes e Minsky — Fonte: Wikipédia, stfaiths e cmgwealth

A principal contribuições de Fisher é a Teoria da dívida-deflação de 1933, que visa explicar a Grande Depressão da década de 1930 nos EUA, em síntese, Fisher constrói uma sequência de etapas que explicam o Crash da bolsa de Nova York em 1929, explorando o papel dos aumentos reais da dívidas, dada as taxas de juros nominais somadas a deflação do período, propondo como solução a intervenção do Estado (tal como Keynes), com o intuito de frear o aprofundamento da crise via medidas de reflação. Entretanto, as contribuições de Fisher passaram desapercebidas¹ e só ganharam os devidos holofotes em outro choque que abalaria os pilares do capitalismo, a Crise de 2008 ou Crise do subprime.

1.A pouca visibilidade de suas contribuições pós-1929 foram influenciadas pela queda de seu prestígio, originado de sua falência financeira. Fisher perdeu grande parte de sua fortuna na crise, e é dele a famosa frase sobre o otimismo no crescimento da Bolsa de Valores, tanto na véspera quanto no inicio da quebradeira.

Já Keynes discorda de preceitos econômicos anteriores à década de 20, sendo o principal vetor da revolução do pensamento econômico com a publicação de seu clássico A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda em 1936. A discordância de Keynes para com os clássicos nasce em relação à Lei de Say, que na interpretação didática seria a ideia de que a “oferta cria sua própria demanda”. Keynes duvidava que a produção de mercadorias gerasse sempre a demanda necessária, e em vista disto, conjecturou que as crises poderiam ser fruto da superprodução de mercadorias (tal como ele propôs para Crise de 29). A superprodução proporciona um choque na demanda que por sua vez, impacta a economia inteira (emprego, preços, produto nacional e etc). Nessa linha o Estado deveria intervir, por meio da política fiscal, salvando a economia nos momentos de altas taxas de desemprego e de insuficiência de demanda.

Fonte: amazon e americanas

Keynes foi uma das grandes inspirações de Minsky, tanto que ele chegou até a produzir uma releitura da obra do mestre no livro intitulado John Maynard Keynes de 1975, que propôs uma expansão de teoria do investimento de Keynes para uma teoria financeira do investimento. Minsky é também um tanto conhecido por ter elaborado no início dos anos 90 a Hipótese da Instabilidade Financeira (HIF). A hipótese concebe a passagem cíclica da prosperidade econômica para o seu colapso, sendo esse o cenário que ficou conhecido como “Momento Minsky”, o mesmo que pode estar se desenhando para este ano…

O “Momento Minsky” e a Hipótese da Instabilidade Financeira

O termo “Momento Minsky” foi cunhado em 1998 por Paul McCulley, diretor administrativo da Pacific Investment Management Company (PIMCO), para descrever a moratória da Rússia em1998. Em 2007, McCulley voltou a usar o termo para explicar o que estava por vim em 2008 e recentemente, o fundador da RW Advisory, Ron William, reutilizou o termo para falar dos novos recordes do S&P 500 e Nasdaq. No entanto, antes de chegar nesse momento chave é importante entender as causas do processo.

O processo de colapso econômica tratado pela Hipótese da Instabilidade Financeira(HIF) é sumarizado pelo economista André Luis C. de Lourenço em sua tese de mestrado Minsky, Câmbio e Finança Direta: A Hipótese De Instabilidade Financeira No Contexto Institucional Dos Anos 90:

  • uma economia capitalista que apresente um sistema financeiro sofisticado, complexo e em contínua evolução (“economia de Wall Street”) alterna períodos de comportamento estável com períodos turbulentos/caóticos;
  • estes tipos de comportamento são endógenos à economia capitalista, pois decorrem da busca dos interesses próprios de cada agente, e podem ser gerados mesmo a partir de situações estáveis;
  • os períodos turbulentos/caóticos podem, segundo o autor [Minsky], assumir a forma de: “inflações e bolhas especulativas interativas ou profundas deflações de débitos inter-relacionadas” entre outras;
  • à medida em que estas turbulências se estabelecem, vão adquirindo movimento próprio; porém, tal comportamento cedo ou tarde tenderá a ser revertido, seja por restrições colocadas por instituições e suas rotinas, por intervenções de política que afetem a estrutura institucional ou até mesmo por propriedades de auto-organização dos mercados; surgiriam, então, condições propícias à emergência de um novo regime de estabilidade;
  • é provável que o novo regime de estabilidade se caracterize por baixo nível de atividade econômica; porém, a busca do interesse próprio por parte dos agentes acabará por gerar um novo ciclo expansivo, acarretando o surgimento de uma nova onda especulativa; com o passar do tempo, novos regimes de expansões inconsistentes e contrações desastrosas se sucederão.

Minsky utiliza três termos para explicar as etapas de fragilidade econômica (e que foi explicado de forma geral nos tópicos acima): posições hegde, especulativa e ponzi.

Fonte do gráfico: macro-ops

Essa forma exposta da HIF é uma maneira simplificada que tenta explicitar os elementos fundamentais da dinâmica da instabilidade do sistema financeiro capitalista, a partir dela é possível tecer um arcabouço teórico que consiga ser usada de interpretação mínima para diversos contextos econômicos globais

Pode-se pensar que a situação atual seja bem diferente dos postulados de Minsky, visto que a HIF interpreta as instabilidades vindas de forma endógena aos sistemas, sobretudo, em momentos de crescimento econômico. Enquanto a Covid-19 foi originada de forma exógena ao sistema financeiro, se espraiando do sistema de saúde para a economia real. Contudo, o impacto da pandemia fez as empresas contraírem empréstimos para honrar seus compromissos, mesmo diante da incerteza do retorno da operação, logo, a resposta dos agentes a esse fator exógeno acabou por ocasionar fragilidades cada vez maiores nos balanços corporativos. Outro ponto importante é que alguns setores foram mais impactados pelo distanciamento social do que outros, e este descompasso produziu uma retomada em ‘K’ nas bolsas pelo mundo (empresas de tecnologia crescendo em valor de mercado, enquanto as outras caem), por exemplo, a queda das empresas aéreas e as que dependem do chão de fábrica em contraponto às empresas de tecnologia (Facebook, Google) e grandes e-commerce (Amazon e Alibaba).

A pandemia obrigou os governos a reduzirem as taxas de juros de curto prazo, com o intuito de minimizar o choque na economia. Diante disso, os agentes foram obrigados a buscar alternativas mais arriscadas para conseguirem retornos melhores, e nesse movimento identificamos o aumento de novos investidores na bolsa de valores, que proporcionou o maior patamar histórico do indicador P/L (preço das ações sobre o lucro líquido) na BOVESPA. O P/L sinaliza o quanto os investidores estão dispostos a pagar pelo lucro das ações de uma empresa, muitas vezes é usado para medir se determinada empresa está cara, barata ou se há uma grande expectativa sobre o seu futuro. Dada a expectativa dos investidores, temos os grandes bancos e as casas de análise de ações e investimentos confirmando o bom cenário para 2021, com projeções do Ibovespa para patamares superiores aos 119 mil pontos do fechamento de 2020.

Fonte: oceans14 e infomoney

Ademais, quando olhamos para fora da tela cheia de números dos computadores, ou seja, a econômica real, é notório que no Brasil a expectativa está longe de ser otimista. Uma vez que a discussão aqui na grande mídia ainda é muito rudimentar e se pauta sobretudo acerca do teto de gastos, ao mesmo tempo que outros países do mundo entenderam a importância da manutenção de estímulos fiscais para salvar suas economias.

Dessa forma, na situação atual de fim dos auxílios governamentais, alto desemprego, fragilidade dos balanços, encerramento de empresas e uma enorme incerteza de quando realmente o país estará vacinado, os preços das ações estão se encontram bem divergentes do nível da atividade econômica prevista para os próximos anos. Isto posto, podemos imaginar que estamos caminhando para um cenário de bolhas especulativas, e caso o otimismo dos agentes não se concretize, infelizmente encontraremos com maior frequência no noticiário a expressão do fim dos tempos, o tão temido “Momento Minsky”.

Referências

Gráfico Histórico P/L Bovespa: https://www.oceans14.com.br/acoes/historico-pl-bovespa

Projeções do Ibovespa: https://www.infomoney.com.br/mercados/o-que-esperar-para-o-ibovespa-em-2021-confira-a-projecao-dos-analistas-e-as-acoes-preferidas/

NIKIFOROS, Michalis et al. When two Minskyan processes meet a large shock: the economic implications of the pandemic. Levy Economics Institute, 2020.

LOURENÇO, Andre Luis Cabral de et al. Minsky, cambio e” finança direta”: a hipotese de instabilidade financeira no contexto institucional dos anos 90. 1999.

CONCEIÇÃO, D. N. Nota técnica introdutória ao artigo “A hipótese da instabilidade financeira”, de Hyman P. Minsky. Revista OIKOS, v. 8, n. 2-RIO, 2009.

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Lucas Badaro
Heterodoxos

Hábil jogador de sinuca e apaixonado por economia