Como tomamos decisões?

Tomada de decisão limitadamente racional

Juliana Picos
Heterodoxos
8 min readMar 30, 2021

--

Fontes: Illustration by Bill Butcher e bbva.com

Que nós somos seres racionais não é nenhuma novidade para você. Imaginamos cenários hipotéticos, construímos modelos complexos, mas a questão é: quanto somos racionais?

A teoria econômica neoclássica diz que somos ilimitadamente racionais e as nossas escolhas têm como objetivo maximizar a nossa utilidade, de forma que todos os custos e benefícios de cada uma das opções seriam meticulosamente analisados e ponderados, e a opção escolhida seria aquela com um maior saldo de benefícios. As preferências seriam constantes, ou seja, isso significa que preferiríamos sempre mais a menos, a inclusão ou exclusão de um fator a todas as opções não alteraria a preferência, e a forma de apresentar as opções também não mudaria a escolha.

Embora até hoje os economistas se baseiem em muitos modelos úteis trazidos pelos neoclássicos, já temos evidências de que *aviso spoiler* a nossa racionalidade não é assim tão ilimitada quanto eles pensavam. Na prática, as nossas escolhas se mostram inconsistentes, as preferências mudam a depender do contexto em que estamos e outros fatores irrelevantes (pelo menos para os neoclássicos) se mostram poderosos na mudança de comportamento.

Herbert A. Simon formulou em 1978 a Teoria da Racionalidade Limitada, e focou seu estudo no próprio processo decisório, concluindo que a racionalidade humana seria limitada por 3 dimensões: acesso à informação, capacidade de processamento psicológico e complexidade do ambiente. Assim, nem sempre escolheríamos a melhor opção, mas sim a opção satisfatória, levando em conta a nossa própria expectativa de quão boa aquela decisão deve ser naquele momento.

Fontes: Carnegie Mellon University e Wikipédia (domínio público)

Para que fique mais claro o conceito de opção satisfatória, imaginemos que você quer trocar o seu sofá e você espera encontrar um que seja confortável, grande e retrátil dentro do valor estipulado de R$ 1.500 já que parece ser a média de preço do mercado. Porém, após passar duas semanas pesquisando em dezenas de lojas e sites, você percebe que vai ser difícil encontrar um que supra todas as suas expectativas dentro desta faixa de preço, além de já estar ficando cansado de comparar tantos modelos em busca do sofá ideal. Então, encontra um que é perfeito, grande, retrátil, o tecido é macio e repelente à água, a estrutura parece ser um pouco mais resistente e ainda é da cor exata que combina com as cortinas da sala, mas custa R$ 2.200. Mesmo fora do orçamento inicial, você acredita que vale mais a pena a diferença desembolsada de R$ 700 do que a economia em um sofá mais barato e simples, mesmo que as vantagens do sofá perfeito representem apenas 20% de acréscimo na qualidade no produto (que pode ser medida no tempo de durabilidade, por exemplo), enquanto o incremento no preço deste em relação aos outros é proporcionalmente maior, de 46%. Essa comparação marginal indicaria que, racional e economicamente, comprar o sofá de R$ 2.200 não seria a melhor opção de todas, mas ela parece suficientemente boa para você, então você decide por ela mesmo, e ainda fica feliz e orgulhoso do seu “achado”.

No mundo real, nosso cérebro não consegue processar bem todas as informações que recebe e, inclusive, informações demais podem até atrapalhar a tomada de decisão. Se preferíamos sempre mais a menos, então ter mais opções de sabores de geleia no mercado certamente aumentaria as vendas, certo? Errado. Foi feito um experimento em que 30% dos consumidores compraram alguma geleia quando existiam apenas 6 sabores diferentes na prateleira, mas quando foram colocados 24 tipos, o número de compradores caiu para 3%. Ter informações demais gera um desconforto cognitivo tão grande que o cérebro resolve de uma das maneiras mais simples de todas: ignora, não decide e deixa-se levar pela inércia. Evolutivamente, a inércia se mostra importante no quesito biológico: economizamos energia ao agir no automático, mas não agir também é uma escolha.

Se muitas das nossas ações são resultadas de hábitos e nem sempre conseguimos avaliar corretamente os custos e benefícios envolvidos nas nossas escolhas, como se dá o processo decisório? Somos influenciados por fatores sociais, psicológicos e cognitivos, e existe uma área de estudo chamada Economia Comportamental, voltada a investigar essas influências nas decisões econômicas.

A Economia Comportamental

A Economia Comportamental usa de conhecimentos da psicologia para observar comportamentos a partir de experimentos, objetivando entender os mecanismos mentais por trás das decisões e assim, desenhar ambientes que favoreçam a mudança de comportamento (leia-se melhores decisões) e quem sabe inserir essas descobertas nos modelos econômicos, de forma que estejam mais próximos da realidade.

Você sabe que precisa beber água, fazer exercícios físicos com frequência e poupar dinheiro para a aposentadoria. Mas mudar um comportamento envolve muitos fatores e você acaba dizendo “na segunda-feira eu começo”, “quando eu receber um aumento de salário eu começo a guardar”, e continua deixando a vida te levar (ou a inércia). E por que essa procrastinação acontece? De forma bem simplista, porque temos uma preferência muito maior pelo momento presente, porque não temos muito autocontrole no momento de agora, mas acreditamos que no futuro teremos, e porque somos influenciados pelas ações das pessoas ao nosso redor e por vieses mentais e heurísticas. Em resumo, o homo economicus não existe. O que existe são homo sapiens que erram e agem em desacordo com as suas intenções.

A partir do momento em que sabemos que o processo decisório está sujeito a interferências emocionais e cognitivas, podemos intervir e arquitetar ambientes de forma a estimular comportamentos que reflitam nossos reais desejos.

Fontes: Nobel Foundation Archive e adonisnobrega

Daniel Kahneman esquematizou o funcionamento mental em duas formas de pensar: ou pensamos de maneira automática (rápida) ou reflexiva (devagar). Aprender a dirigir exige muita atenção do cérebro, e ele trabalha incansavelmente para você entender todos os detalhes, ativar músculos e conseguir fazer o carro sair do lugar sem tirar o pé da embreagem rápido demais. Paralelamente, não precisamos de muito esforço cognitivo ou concentração para escovar os dentes ou fazer outras atividades corriqueiras as quais já estamos habituados. O pensamento devagar nos ajuda a realizar tarefas mais complexas e usa bastante energia para isso. Em contrapartida, o sistema de pensamento mais rápido nos ajuda a poupar energia sem que o cérebro se preocupe tanto com as atividades mais intuitivas, e a nossa mente se utiliza de alguns artifícios para que isso aconteça, como heurísticas. Heurísticas são mecanismos cognitivos adaptativos, conscientes ou inconscientes, que ignoram parte da informação. São como regras de bolso para viver, como ver o sol pela janela e julgar que está calor; talvez até esteja, mas não é certeza que esteja de fato. Frequentemente as heurísticas são eficientes em julgamentos e decisões, mas podem levar a erros e vieses sistemáticos. Os vieses são tendências de errar de forma sistemática.

Na prática, isso significa que essa área pode nos ajudar a entender melhor como a mente influencia as escolhas diárias e assim possamos desenhar ambientes que favoreçam determinadas ações, sem tirar o livre arbítrio da pessoa. É usar os próprios mecanismos mentais que já existem para que atitudes desejadas sejam mais fáceis de serem executadas, sejam elas poupar mais dinheiro, não dirigir depois de consumir álcool, incentivar a economia de energia elétrica em casa, incentivar a vacinação, entre outros. Esse desenho do ambiente da escolha para influenciar de maneira previsível é uma ferramenta comportamental chamada Arquitetura de Escolhas, e devemos saber que em todo contexto já existe uma arquitetura de escolhas vigente, mesmo que não tenha sido propriamente pensada para influenciar. Ou seja, o contexto raramente (ou devo dizer nunca?) é neutro em relação à nossa escolha. A forma como uma informação é apresentada interfere na interpretação dela, o momento em que a informação é apresentada, as pessoas ao seu redor, e vários outros fatores que até então os neoclássicos não consideravam relevantes.

Fontes: psicologiadisruptiva e arkansasbusiness

Uma outra ferramenta comportamental já bastante conhecida pelos cientistas comportamentais é o Nudge. Sua tradução é exatamente aquele empurrãozinho de cotovelo que damos para incentivar alguém a agir. Para ser categorizado como um Nudge, a intervenção deve ser barata, escalável e fácil de ser evitada. Um dos casos mais famosos de uso de Nudge para mudança de comportamento foi a simples inserção de um desenho de mosquinha dentro dos mictórios de um aeroporto de Amsterdã. Automaticamente, ao verem a imagem da mosquinha no fundo do mictório, ela se tornava um alvo para a brincadeira de pontaria masculina, o que levou a uma mudança significativa no nível de sujeira do chão do banheiro, posto que mais homens estavam urinando no lugar certo.

Fonte: mailrelay e desconhecida

Em políticas públicas, a importância da arquitetura de escolhas pode ser exemplificada pelo estudo que investigou de onde vinha a gritante diferença nas taxas de doadores de órgãos de países culturalmente parecidos. A taxa de doadores de órgãos na Dinamarca era 4,25%, enquanto na sua vizinha Suécia era 85,9%.

Fonte: Policy Forum

O que sustentava este número era a forma como a política de declaração de doador de órgãos se apresentava em cada país. Na Dinamarca, partia-se do princípio de que o cidadão não era doador até que declarasse interesse em ser, e na Suécia era o oposto: todo cidadão já é doador até que declare interesse em não ser. Já é bastante sabido que em situações de dúvida tendemos a não assinalar nada em formulários, deixando a inércia agir. Porém, mais uma vez é importante lembrar que não escolher também é uma escolha, e neste caso, permanece a opção padrão (em inglês, default). Na Dinamarca, a opção padrão era não ser doador de órgãos, e na Suécia, o oposto. Isso não significa que a opção padrão era imposta e os indivíduos não tivessem poder de escolha, mas naturalmente não pensavam no assunto e acabavam deixando para lá, mas poderiam mudar a situação conforme a sua escolha.

Embora as descobertas da Economia Comportamental possam ser utilizadas tanto por pessoas quanto por empresas privadas e governos, é importante esclarecer que já existe uma discussão acerca do papel do governo em estimular ou não determinados comportamentos, alegando que os indivíduos estariam sendo manipulados. Em contrapartida, muitos defendem que seria uma espécie de ‘’Paternalismo Libertário”, em que o Estado poderia influenciar o comportamento visando a sustentabilidade e o bem-estar social, mas sempre preservando o direito de escolhas individual.

--

--

Juliana Picos
Heterodoxos

Apaixonada por estudar o comportamento humano. Bacharela em Ciências Econômicas pelo Mackenzie e pós graduanda em Economia Comportamental na ESPM.