A Reforma do Ensino Médio sob a ótica dos direitos humanos

Giulia
hexágono
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6 min readApr 14, 2019

Você pode ter acesso à pesquisa integral clicando aqui (link seguro para o drive do hexágono).

Em 16 de fevereiro de 2017, o então presidente Michel Temer sancionou a lei da Reforma do Ensino Médio. A reforma determina uma implantação gradual do ensino médio integral e técnico nas escolas, além de flexibilizar as disciplinas obrigatórias da matriz curricular e dar abertura para que profissionais sem licenciatura possam dar aulas. Gabriel decidiu analisar a Reforma sob a ótica dos direitos humanos: será que ela respeita mesmo os direitos fundamentais dos estudantes?

Gabriel Faria tem 22 anos, nasceu em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, mas cresceu na capital do estado. Veio pra Manaus com 14 anos e cursou ensino médio técnico.

Na faculdade, cursou Direito na Ufam, de 2014 até 2018. A escolha do curso foi feita baseada no seu gosto pelas ciências humanas. Gabriel disse que não sabia direito o que queria da vida quando saiu do ensino médio, mas que os seus pais gostavam dos assuntos abordados no curso de direito, então o incentivaram a fazer.

O curso de direito da Ufam é constituído por 10 períodos. No 9°, os alunos fazem a matéria Projeto de Pesquisa, que dá início ao Trabalho de Conclusão de Curso, continuado no 10° período.

Gabriel chegou ao 9° período sem nenhum tema em mente para o futuro TCC. Porém, a matéria de Projeto de Pesquisa o ajudou na escolha: os alunos deveriam fazer resenhas de artigos acadêmicos sobre diversos assuntos e, depois de algumas leituras, ele finalmente foi atraído pelo direito na educação.

Fonte: site Patrocínio Online.

Decidiu, então, pesquisar sobre a Reforma do Ensino Médio, que estava em pauta na época. Para que uma pessoa desenvolva com plenitude uma boa condição de vida, ela precisa de uma educação suficiente e que dê base para o exercício de suas atividades. Gabriel decidiu, então, relacionar a Reforma com o direito à igualdade e com o direito ao desenvolvimento humano e ver no que dava.

O objetivo do seu trabalho é, portanto, analisar a Lei n° 13.415, de 2017, que diz respeito à Reforma do Ensino Médio, checando se ela prejudica algum dos direitos fundamentais, especialmente, dos estudantes da rede pública e/ou de baixa renda e se a mesma foi resultado de um processo democrátivo efetivo.

Muito importante, né?

Ele justifica a pesquisa para a sociedade argumentando que, já que a Reforma atinge milhões de cidadãos brasileiros, é interessante que haja não só análises do ponto de vista pedagógico, mas também do ponto de vista do direito.

A justificativa pessoal é que, ao seu ver, a Reforma tenta forçar um modelo tecnicista, profissionalizante e privatista no processo educacional brasileiro — mais escolas técnicas para que haja mais empregos de nível médio, abordagem adotada inclusive durante a ditadura militar — e tira o foco do ensino médio propedêutico, ou seja, deixa de preparar decentemente os alunos para o ingresso na universidade e na vida acadêmica.

Gabriel via o novo modelo como negativo baseado também na sua experiência. Tendo cursado ensino médio técnico, sente que o seu certificado de técnico não serve pra nada. A situação é a mesma pros seus colegas: todos tiveram que entrar em uma universidade para garantir empregos melhores — uma condição de vida melhor. Tendo eles saído do ensino médio sem experiência alguma, era quase impossível encontrar empresas que contratassem os alunos efetivamente e que ainda oferecessem uma renda suficiente. Lembra ainda do fato de que algumas matérias básicas do ensino médio eram deixadas de lado para que as técnicas fossem cumpridas.

Já com a pesquisa parcialmente decidida, Gabriel chegou ao 10° período e teve que encarar o Trabalho de Conclusão de Curso. Demorou pra achar um orientador porque o professor que tinha em mente não tinha disponibilidade de horário para o orientar. Conseguiu acertar com um outro, que logo saiu de licença médica.

Depois de um tempo no limbo, conseguiu enfim conversar com a professora Marina Araújo, que o ajudou a organizar suas pesquisas sobre o assunto e a estruturar a sua ideia no formato da monografia.

A monografia ficou dividida em 3 capítulos:

Os Fundamentos da Reforma do Ensino Médio

É o capítulo onde trata da tremitação da Reforma no governo. Antes de ser lei, era uma medida provisória. O capítulo conta do surgimento da medida, das refatorações pelas quais passou e da sua implementação. Também comenta sobre a sua recepção não só na academia, como também na mídia. Gabriel, enquanto pesquisador, buscou entender de fato como funciona esses trâmites e se certificou analisar se tudo ocorreu legalmente.

Educação, Igualdade e Desenvolvimento Humano como Direitos Fundamentais

Reúne leis, doutrinas e jurisprudências que caracterizam o direito à educação, o direito à igualdade e o direito ao desenvolvimento humano como direitos fundamentais, além de mostrar como os três são interligados: um só acontece adequadamente se os outros também acontecerem. O capítulo descreve, então, a base teórica da pesquisa.

O Impacto das Alterações Provocadas pela Reforma do Ensino Médio

Onde pega, de fato, a Lei n° 13.415 para ser analisada. Na primeira metade, trata do dualismo educacional: a divisão entre a escola dos ricos e a escola dos pobres. Na segunda metade, aponta especificamente pontos da lei que demonstram e fomentam o dualismo educacional.

A sua pesquisa conclui, por fim, que

  1. Embora a publicação da Medida Provisória no 746/2016 e a subsequente conversão em lei tenham cumprido todo o trâmite formal previsto em lei, é possível afirmar que não foram fruto de um debate verdadeiramente democrático sobre as carências do ensino médio.
  2. Educação, igualdade e desenvolvimento humano são de fato direitos fundamentais e, portanto, fazem parte das garantias mínimas que o Estado deve proteger.
  3. As alterações estruturais do ensino médio podem prejudicar os direitos fundamentos dos estudantes brasileiros. O estudo da legislação e dos artigos usados como referência revelaram o potencial da Reforma para aumentar as desigualdades sociais e precarizar o ensino púbico.
  4. Alguns pontos da Lei representam um retrocesso a modelos superados de educação, pela semelhança com o modelo tecnicista, profissionalizante e privatista testado durante a ditadura militar e tido como um insucesso pela academia.️

E, assim, ele abre nossas mentes pro mais novo perigo que assola a educação brasileira, dentre tantos outros. ☹️

Protesto contra a reforma do Ensino Médio em São Paulo, em setembro. Fonte: ROVENA ROSA (AG. BRASIL)

Durante a pesquisa, Gabriel se sentiu muito nervoso. Comentou que o nervosismo não era por causa do tema em si: era por causa do processo do TCC. Os prazos, a pressa… Porém, quando ele conseguiu sentar para escrever e enfim manteve um ritmo bom, sentiu-se muito bem.

“Sabe? Você se sente muito bem quando faz um trabalho que faz sentido na sua cabeça e sobre um assunto que importa pra você. Quando começa a escrever, as coisas caminham. O problema mesmo é começar. Mas foi aí [no meio do TCC] que eu entendi pela primeira vez — talvez isso soe meio hiperbólico — o que eu tava fazendo na faculdade. Eu pensei: Ah, então é pra isso que serve esse monte de coisa! Eu não fiz PIBIC, eu não fiz nenhum trabalho acadêmico antes e fazer o TCC foi muito legal nesse sentido. Gostei da experiência. Faria de novo.”

Ele nos contou também que o debate sobre a Reforma do Ensino Médio envolve diversas áreas como a pedagogia e a psicologia, mas que não tinha tido, até então, muito envolvimento acadêmico do direito. Portanto, acredita que a sua pesquisa amplia ainda mais o debate.

Não chegou a publicar artigo, mas, se publicasse, gostaria que as pessoas lessem, entendessem algo e parassem um pouco para olhar as referências. Ele acredita que juntou quase tudo que havia sido publicado ou divulgado sobre a Reforma na época e, portanto, o trabalho serve de guia sobre o assunto.

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Giulia
hexágono

designer de interface e experiência do usuário. desenheira. ciencista da computação pela UFAM. empolgada com as coisas. rindo na hora errada.