As rochas ornamentais do Teatro Amazonas: um roteiro geoturístico na Belle Époque manauara

Vivian Cavalcante
hexágono
Published in
5 min readMay 23, 2019

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O Teatro Amazonas, construído em 1896 durante o Ciclo da Borracha, é um dos principais patrimônios históricos da cidade de Manaus e tornou-se um atrativo turístico internacionalmente conhecido, trazendo grande visibilidade para a capital amazonense. Localizado na Praça de São Sebastião, o teatro é cercado por rochas ornamentais caracterizadas como arenitos e calcários. Ingrid Vieira Silva, que se formou em Geologia em 2018 na UFAM, teve essas rochas como objeto de estudo de suas pesquisas durante a sua graduação.

Ingresso na universidade e iniciação científica

Ingrid, agora com 22 anos, ingressou no curso de Geologia em 2014, seguindo sua vontade de conhecer os grandes eventos envolvidos na formação e evolução da Terra, mesmo sem muito apoio de seus pais no início. Enfrentou dificuldades no começo, principalmente nas matérias de exatas, mas se adaptou e logo começou a desenvolver projetos de iniciação científica. Seu primeiro projeto foi na área de Hidrogeologia, porém, afirma que não se sentiu muito atraída pela área. Então, em 2016, tendo mais afinidade com Paleontologia, iniciou seu segundo PIBIC, com o título “Fósseis e Icnofósseis do Teatro Amazonas”, com o objetivo de caracterizar os calcários que cercam o teatro e seu conteúdo fossilífero correspondente.

Os calcários são rochas sedimentares formadas pela precipitação química de carbonato de cálcio dissolvido nas águas, proveniente principalmente de conchas de organismos marinhos, e possuem grande capacidade de preservação de fósseis, ou seja, restos de organismos que viveram no passado, podendo ser animais, plantas e até microrganismos. Vestígios preservados em rocha como pegadas, rastros, ou qualquer outro registro de atividade biológica são chamados de icnofósseis.

Ingrid apresentando seu projeto no Congresso de Iniciação Científica na UFAM, em 2017.

Com este trabalho finalizado, começou seu terceiro PIBIC, entitulado “A utilização do Arenito Manaus na construção” e, desta vez, descreveu o conjunto de rochas de aspecto avermelhado, denominadas Arenito Manaus, muito comuns na região e utilizadas em diversas construções, incluindo os muros que cercam o Teatro Amazonas. Os arenitos, por sua vez, são rochas sedimentares formadas predominantemente por grãos de areia, que passaram por processos de compactação e cimentação natural até se tornar uma rocha coesa e resistente.

O Trabalho Final de Graduação

No final de 2017, com dois projetos de iniciação científica relacionados às rochas do Teatro Amazonas realizados, Ingrid teve que escolher o tema de seu TCC e decidiu seguir na mesma linha de pesquisa, de onde surgiu o projeto “AS ROCHAS ORNAMENTAIS EXTERNAS DO TEATRO AMAZONAS: UM ROTEIRO GEOTURÍSTICO NA BELLE ÉPOQUE MANAUARA”. A criação de um roteiro geoturístico no entorno do teatro serve como forma de divulgação das Geociências e proporciona à população local um maior conhecimento e interação com seu patrimônio histórico e cultural. Neste estudo, foi orientada pelo professor Roberto César Barbosa e contou com o auxílio das professoras paleontólogas Valquíria Porfírio e Rosemery da Silveira.

Para a realização deste roteiro, Ingrid teve que caracterizar e classificar as rochas ornamentais, assim como classificar taxonomicamente os fósseis ali contidos e catalogá-los posteriormente. Foram descritos ao todo 75 pontos, sendo 55 destes calcários e 20 arenitos. Por se tratar de um patrimônio histórico, amostras não puderam ser coletadas para análise em laboratório e, portanto, foram realizadas diversas visitas ao teatro.

“A gente teve que ir várias vezes ao teatro, usando o GPS, anotando as coisas, olhando de lajota em lajota, abaixando e olhando o que tinha. Toda vez que eu ia lá, era alguma coisa nova que eu via. E toda vez que eu ia lá tava um sol horrível, chega uma hora que tu fica cego, como fica olhando muito pra baixo, cansa. Não vou dizer que foi impossível, mas foi bem trabalhoso.”

Foi feito também um estudo dos fósseis através de fotos tiradas no local, o que auxiliou em sua classificação.

Identificação dos arenitos e calcários no Teatro Amazonas. Fonte: Ingrid Vieira.

Ingrid descreveu as rochas calcárias, a partir do conteúdo fossilífero, como Calcários de Lióz, rochas portuguesas extraídas principalmente na região ao norte de Lisboa, o que indica que o material foi importado para a construção do teatro. Conseguiu ainda caracterizar os fósseis e icnofósseis contidos nestes calcários a nível de Família e Gênero.

“Os resultados que eu consegui têm uma boa correlação, tanto em relação ao arenito, que se tratam realmente de Manaus, como já diz o nome Arenito Manaus, como dos calcários pra fazer essa correlação histórica, tipo se é de Portugal mesmo.”

Roteiro Geoturístico

Ao final, foi realizado o roteiro geoturístico que conta com 10 pontos de maior relevância ao redor do teatro, com arenitos e calcários inclusos, considerando os locais onde as rochas se encontram mais bem preservadas. Visando a maior interação com o público e uma experiência mais lúdica, foi confeccionado um folder com informações sobre o teatro, uma breve explicação sobre as rochas, quais fósseis podem ser visualizados e um croquí esquemático mostrando todos os pontos a serem visitados.

Parte frontal do folder para guia durante o roteiro geoturístico. Fonte: Ingrid Vieira.

Desdobramentos da pesquisa

Fugindo dos temas mais comuns na graduação em Geologia, que são geralmente estudos muito aplicados e específicos, Ingrid conta que se sentiu insegura trabalhando em seu projeto e costumava comparar seu trabalho com os demais de sua turma, sentindo por vezes que seu tema não se tratava de Geologia. No entanto, teve seu resumo entitulado “ROTEIRO GEOTURÍSTICO DO TEATRO AMAZONAS: IDENTIFICAÇÃO DE FÓSSEIS E ICNOFÓSSEIS NOS CARBONATOS PORTUGUESES” selecionado para o 49° Congresso Brasileiro de Geologia, que ocorreu no Rio de Janeiro, onde realizou uma apresentação oral e teve seu projeto muito reconhecido e elogiado.

Sugere que devem ainda ser feitos mais estudos nestas rochas, visando formas de como preservá-las da melhor forma, já que os calcários são rochas facilmente alteradas, principalmente quando expostas ao clima da região, e não devem ser submetidas a qualquer produto químico. Dessa forma, um novo estudo poderia até mesmo conscientizar a população a preservar mais seu patrimônio.

Atualmente Ingrid faz mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Geologia Marinha, onde realiza um projeto com microfósseis da Bacia de Pelotas e dá a dica para quem quer fazer pesquisa científica.

“Saiba filtrar o máximo que der, não adoeça por pesquisa, saiba seu tempo, saiba os seus limites, você tem que ser bem consciente em relação a isso, acho que até pra render bastante mesmo e não desistir, ir até o final”

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