Inseticida biodegradável contra a larva do Aedes Aegypti

Como podemos utilizar alho para prevenir dengue? Uma pesquisadora do NANOPOL fala sobre a Iniciação Científica e Nanotecnologia

lucas
hexágono
8 min readMay 1, 2019

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“A gente aprende muito, a gente evolui muito, mas a gente também lembra que não somos sozinhos, que não conseguimos fazer nada sozinhos”.

No dia 18 de abril, o Hexágono conversou com a Larissa Medeiros de Oliveira, de 23 anos, via Hangouts sobre a jornada dela com iniciação científica em Engenharia de Materiais, na UFAM. Larissa está no 9º período, e desde que entrou, em 2015, tem se descoberto na academia a partir da iniciação científica. Dividindo seu tempo entre nanopartículas poliméricas, sua caminhada com o grupo de pesquisa no NANOPOL, (Laboratório de Polímeros Nanoestruturados da UFAM) e a graduação, contamos um pouco da trajetória da Larissa até aqui.

(você pode acessar o relatório completo da dela aqui , link seguro no drive do Hexágono)

Quando estava terminando o ensino médio, Larissa estava muito indecisa sobre qual curso escolher. Sabia que queria cursar alguma engenharia, mas não sabia qual. Diz que acabou optando pela engenharia de materiais por não ser tão concorrida como as outras e, de certa forma, tem encontrado seu espaço por lá. Com linhas de pesquisa centradas em materiais estruturados e em propriedades físicas e mecânicas dos materiais, o curso de Engenharia de Materiais da UFAM possui hoje infraestrutura de 4 laboratórios, e completa 10 anos em 2019.

Já no começo do curso, Larissa logo percebera que ficar só assistindo aula não era exatamente o que ela buscava. Mesmo no 2º período ela não via a hora de colocar a mão na massa. Como o período para estágios ainda estava muito longe, Larissa seguiu um conselho dos seus colegas: foi atrás de pesquisa.

Ouvindo seu professor de física, Edgar Sanches, sempre comentando em sala a respeito do laboratório que administrava, o Laboratório de Polímeros Nanoestruturados — NANOPOL, a experiência lhe parecia incrível. Larissa, ainda caloura, sabia muito pouco sobre a linha de pesquisa do laboratório, mas “stalkeando” o Lattes do professor, ela descobriu que eles faziam coisas realmente legais, como Edgar dizia.

Egressa de escola pública, ela constata que, na época, seu conhecimento de química era bastante limitado. Ainda assim, mesmo que por alto, encontrou no laboratório assuntos que muito a interessaram e não teve medo de meter a cara.

NANOPOL e os Primeiros Passos de Larissa na Pesquisa

Em uma pesquisa rápida, encontramos no site da Pós-Graduação do curso de Engenharia de Materiais que esse laboratório foca-se em

  • Síntese, caracterização estrutural e morfológica de polímeros condutores intrínsecos e de Nanocompósitos;
  • Síntese de nanoemulsões poliméricas biodegradáveis e encapsulamento de ativos.

Na época em que Larissa o conheceu, o laboratório seguia uma linha de pesquisa com óleos essenciais amazônicos (conduzida pelo Grupo de Nanotecnologia em Produtos Naturais — NANONAT), ou seja, ativos naturais extraídos de plantas, troncos, qualquer coisa natural e, principalmente (mas não sempre, como veremos) típica da Amazônia.

Depois de entender um pouco mais, ela conversou com o professor Edgar, pedindo-lhe para fazer parte do grupo de pesquisa, onde encontrou as portas do laboratório abertas para recebê-la. Juntos, eles começaram a pensar em um tema para sua iniciação científica e, como é de praxe nos laboratórios, seu projeto também seguiu a linha de pesquisa adotada pelo grupo.

Seu orientador pediu a ela, então, que procurasse na literatura alguma planta simples, que tivesse no lar das pessoas, e que contivesse alguma substância cuja ação é inseticida, especificamente para que fosse possível utilizar contra larvas do Aedes Aegypti (mosquito da dengue).

A partir dessas buscas, surgiu o projeto de PIBITI da Larissa. Com o título Síntese e Caracterização de Nanopartículas Poliméricas Biodegradáveis como Sistemas de Carreamento de Ativos Naturais Amazônicos (ufa), o objetivo de sua investigação seria de elaborar um inseticida biodegradável contra a larva do Aedes Aegypti. Para tal, ela precisaria realizar uma série de experimentos em várias etapas para determinar como extrair o óleo, descrever suas propriedades, para depois nanoencápsula-lo e dizer como ele se comporta nesse estado, verificando sua eficácia em ensaios controlados com as larvas do mosquito.

Assim que passou a participar do NANOPOL, obteve ajuda diretamente de estudantes do curso de Química, já que ela não estava tão por dentro do assunto. Alguns deles já estavam na reta final para a formação e, um outro, já estava mais longe, no doutorado. O contato que recebeu desses colegas foi essencial para o desenrolar do trabalho.

“A gente [do laboratório] tem essa mania, essa forma, de sempre ir repassando todo o nosso conhecimento. Alguém te ensina e logo depois tu já tá ensinando para outra pessoa e isso é uma forma da gente sempre se reciclar e sempre estar ajudando quem sabe menos. É uma forma de nivelar todo mundo.”

As experiências e os experimentos

Com a greve que ocorria na universidade desde de junho do ano anterior, Larissa teve aproximadamente 4 meses sem aula. Foi um período essencial para desenvolver sua pesquisa e aprender com a prática e o cotidiano do laboratório.

Larissa encontrou algumas plantas na literatura e as mostrou pro seu orientador. Depois de algumas análises, a planta que eles escolheram para ser investigada foi o alho, levando em consideração principalmente a ausência de estudos inseticidas com o alho. Apesar do cheiro um pouco forte, ela nos conta que a sua manipulação deu muito certo.

A quantidade de óleo que ela conseguia extrair era mínima, como 1 miligrama. Contudo, descobriu que 1ml era suficiente para tudo: tinha um efeito devastador sobre as larvas quando diluído na água onde estavam. Por isso, Larissa passou a usar uma dose ainda mais minúscula nos experimentos — 0,5 microlitros (para quem curte uns números: 0.5 x 10^-6 litros) — e ainda assim obteve o que queria.

Com uma dimensão da dose nanométrica/micrométrica, o inseticida poderia então adequar-se a nanotecnologia, o que os possibilitou inserir o óleo do alho dentro de nanocápsulas que estourariam em um determinado tempo. Durante os experimentos que fizeram, o óleo em questão mostrou-se extremamente volátil, ou seja, evaporava rapidamente. Após o processo de nanoencapsulamento, foi possível diluir o óleo na água gradativamente, fazendo com que o seu efeito fosse prolongado.

Nanopartículas carreadas com o óleo essencial do alho.

O líquido resultante, com as nanocápsulas contendo o óleo essencial do alho era branco, como leite, e Larissa fazia os experimentos despejando-o em baldes com larvas e em seguida observando a quantidade de larvas vivas ao longo de 72 horas. Comentou que o efeito era tão forte que elas morriam logo no início. Sucesso! (É importante notar que os experimentos realizados com as larvas do Aedes Aegypti foram totalmente regulamentados pelo INPA — Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, dados os riscos de se manipular com vetores de doenças tão nocivos à saúde pública).

Os desdobramentos da pesquisa

O seu trabalho, como todo trabalho de iniciação científica, foi apresentado no CONIC — UFAM. Larissa recebeu algumas menções pelo incrível desempenho:

  • 1° Lugar na Categoria Melhor Poster na Semana de Ciência e Tecnologia da UFAM 2016.
  • 1° Lugar na Categoria Melhor Poster na Semana de Engenharia Química da UFAM em 2016.
  • Prêmio de Melhor Projeto de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias no Congresso de Iniciação Científica — CONIC 2017.
  • 1° Lugar na Categoria Melhor Poster no V Workshop de Ciência e Engenharia de Materiais da UFAM, 2017.

Além disso, a pesquisa se desdobrou em dois artigos e outras apresentações de trabalho, iniciando a Larissa tanto no laboratório quanto no mundo da pesquisa.

“Para me iniciar, foi muito bom, porque apesar de parecer complexo não era tão complexo assim. Era uma coisa mais prática: eu tava ali, tava contando larva, extraindo óleo… Eram coisas que eu conseguia fazer mais, além de usar meu conhecimento. Precisei depois [aplicar o conhecimento teórico] para escrever depois, mas tive muita ajuda e isso foi muito bom.”

O primeiro artigo, já finalizado, foi submetido à revista científica internacional Materials Research. Larissa e o seu orientador estão aguardando a resposta sobre a possível publicação e, enquanto ela não chega, finalizam o segundo artigo para que também seja submetido.

Larissa ressaltou que a experiência da pesquisa foi muito boa. As boas relações dentro do laboratório e com o seu orientador têm uma importância central para a sua trajetória acadêmica.

“A gente aprende muito, a gente evolui muito, mas a gente também lembra que não somos sozinhos, que não conseguimos fazer nada sozinhos”.

O fato de ela saber que nunca estava sozinha, que sempre tinha alguém disposto a ajudá-la, de certo modo a incentivou a continuar fazendo mais pesquisas. Portanto, não hesitou em ir em busca de outro tema.

As outras pesquisas

Larissa nos conta que a linha de pesquisa que adotou nesse seu primeiro trabalho com o inseticida é uma menos tradicional pra sua área. Considerando isso, quando foi realizar seu 2º projeto, Larissa buscou uma pesquisa que se voltasse mais especificamente para a Engenharia de Materiais. Diz que ainda pesquisaria sobre os polímeros, que são materiais provenientes da natureza, mas com outros objetivos.

Neste segundo momento, Larissa se interessou em produzir um papel diferenciado: um papel que conduzisse eletricidade, e que continuasse biodegradável. Sabendo que a celulose é o material base para qualquer papel, neste trabalho (Síntese e Caracterização de um Biocompósito Condutor a base de Celulose Poli(o-metoxianilina)) Larissa extraiu a celulose da erva cidreira, juntou com um material chamado poli(o-metoxianilina) e apelidado de POMA, proveniente do petróleo. O POMA é condutor de eletricidade, mas não é biodegradável. Assim, esse trabalho acena para a possibilidade de se desenvolver “um dispositivo eletrônico de baixo impacto ambiental” e, no fim, deu tudo certo.

Deu tão certo, que rendeu a ela:

  • 1° Lugar na Categoria Melhor Pôster na Semana de Ciência e Tecnologia da UFAM 2018.
  • Menção Honrosa no Congresso de Iniciação Científica — CONIC 2018.
  • 2° Lugar na categoria pôster no VI Workshop de Ciência e Engenharia de Materiais da UFAM, 2018.
  • 1° Lugar na categoria apresentação oral no VI Workshop de Ciência e Engenharia de Materiais da UFAM, 2018.

Apesar de sua primeira pesquisa ter sido um pouco mais leve em relação à teoria, Larissa percebeu que o seu segundo trabalho revelou-se bem mais exigente nesse quesito. O tema requeria que a pesquisadora tivesse bastante conhecimento prévio na área, visto nas matérias específicas do curso. O que não foi ruim, porque ela pôde aplicar o que aprendeu nas aulas e ainda se aprofundou mais. O aprendizado adquirido na pesquisa pôde até mesmo ajudá-la em disciplinas posteriores que fez no curso.

Atualmente, ela está fazendo a sua 3a pesquisa pelo NANOPOL, sob o título Obtenção e Caracterização Estrutural e morfológica de Filmes Finos Poliméricos, enquanto realiza uma graduação sanduíche na Polônia. A Larissa está cursando o seu 9o período de Engenharia de Materiais na Politécnica de Lublin, no interior do país. Para ela, tem sido como uma folga. Diz que depois de vários períodos pagando 8 matérias de uma vez só e paralelamente fazendo a pesquisa, esse semestre tem sido como um “período sabático”, com menos disciplinas e mais tempo para escrever artigos das suas pesquisas passadas, paralelamente continuando a desenvolver seu projeto atual.

Larissa conta que todo esse processo de conciliar a graduação com a iniciação científica continuamente tem se mostrado bastante cansativo, mas que muito tem valido a pena. Além do conhecimento extra que a iniciação científica proporciona, ela também abre inúmeras portas na vida acadêmica. Às vezes, alguns estudantes têm vontade de fazer intercâmbio ou participar de eventos extraordinários da universidade, mas não são selecionados por não terem realizado pesquisa durante a graduação.

Logo, a sua dica para todos nós é:

“Faça pesquisa porque é uma experiência fora da universidade, fora da sala de aula, que vale muito a pena, muito mesmo. Nunca desista, mesmo que pareça muito difícil. Pesquise muito, pergunte das pessoas que estão nisso há mais tempo, pergunte dos professores, encha o saco mesmo. Sempre estude muito para que você entenda de fato o que tá acontecendo, para não só fazer as coisas, os experimentos e pronto. Tem que entender o que tem por trás, entender o que tá acontecendo.”

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