Transporte coletivo nas metrópoles amazônicas

Análise da organização do sistema de transporte de Manaus e Belém

lucas
hexágono
7 min readJun 12, 2019

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Você pode ter acesso à pesquisa integral clicando aqui (link seguro para o drive do hexágono).

Avenida Grande Circular nos anos 1990, verifica a presença do transporte coletivo e das Kombi lotação. Fotografia do acervo pessoal de Alice Machado

A urbanização nas duas metrópoles amazônicas ganha força a partir da década de 70, devido aos planos governamentais de aumentar a densidade demográfica do Norte brasileiro. Mesmo com investimentos para a ampliação da malha viária na região, surgiram variantes informais no transporte para suprir regiões inalcançadas pelo asfalto. Houve, então, uma necessidade de intervenção maior do governo, que implantou o transporte público nas cidades. Gabriel estudou a relação entre o Estado, o regulador do sistema, e a organização urbana na distribuição das linhas de ônibus por Manaus e Belém.

Gabriel Augusto Nogueira Santos, até os 18 anos, havia decidido que cursaria Jornalismo. Passou no vestibular para a Universidade Federal de Tocantins, mas, por questões de logística, não foi. Em 2015, conseguiu para Licenciatura Geografia, na UEA, com a intenção de cursar apenas um período, como um teste, mas acabou se encontrando nas Ciências Geográficas.

No 2º período, teve experiência com a docência e passou 10 meses trabalhando na Escola Estadual Solon de Lucena. Nesse período, observou na prática como os alunos vivenciavam o transporte público: alguns moravam na área rural de Manaus ou em bairros distantes e precisavam de pelo menos 2 ou 3 ônibus para chegar até a escola. Isso fazia Gabriel matutar possíveis soluções na sua cabeça para os problemas que viviam.

Em 2016, entrou para a UFAM, já com a iniciação científica em mente. Percebia na federal uma maior gama de possibilidades de atuação, quando na UEA havia maior foco na formação docente. Assim, decidiu passar pelo processo seletivo mais uma vez, agora para o Bacharel em Geografia.

A questão do transporte é uma paixão pessoal de Gabriel desde quando era criança, época em que gostava muito de passear pela cidade. Aprendeu a ler com as placas de nome de ruas e com os itinerários dos ônibus. Quando tinha 12–13 anos, passou a se locomover de ônibus com maior frequência e percebeu que gostava da vivência. Começou a fazer amizade com os cobradores, motoristas, administradores de linha de Manaus e de outros estados, por meio de grupos no WhatsApp.

Mas a ideia para a pesquisa na área veio mesmo quando assistiu a disciplina de “Planejamento e Gestão de território”, com o professor que seria seu futuro orientador. Juntos, amadureceram a ideia de estudar as metrópoles da Amazônia: Belém e Manaus, mais especificamente, comparando seus sistemas de transporte público. O título do projeto era “Transporte coletivo nas metrópoles amazônicas: Análise da organização do sistema de transporte de Manaus e Belém”. A finalidade era entender o sistema de transporte coletivo nas duas cidades a partir da relação entre o Estado e o setor privado. Para alcançar este objetivo, delimitou que seria preciso conhecer a economia política deste sistema como também descrever sua organização e sua distribuição espacial no espaço urbano.

Como método para entender toda essa estrutura, Gabriel definiu uma metodologia específica para seu trabalho: seria necessário primeiro empreender uma revisão bibliográfica acerca da mobilidade e transporte. Posteriormente, realizaria estudos com documentos midiáticos (jornais locais e nacionais) e institucionais (de secretarias e superintendências) para entender a situação dos serviços de transporte nas duas capitais. Só então ele faria trabalho de campo, indo entrevistar usuários e trabalhadores sobre sua relação e suas percepções com o serviço.

Logo de cara, a ideia se mostrou desafiadora, já que para uma proposta de Iniciação Científica, uma pesquisa ter duas capitais e suas conurbações (a região metropolitana de Belém conurba com 6 municípios) como objeto de estudo parecia muito grande e trabalhosa. Com isso em mente, Gabriel já tinha deixado pronta a proposta de submissão do projeto em Janeiro de 2017, quando esta só precisaria estar pronta para ser enviada em meados de Maio. Simultaneamente a este preparo, Gabriel foi fazendo contato com professores da UFPA em Belém que sabia que poderiam ajudá-lo com o tema, que então lhe forneceram bibliografia e outros contatos úteis para a pesquisa no Pará.

O trabalho de campo

Depois de juntar duas bolsas e conseguir ajuda da mãe e de alguns amigos do Pará, Gabriel passou 15 dias em Belém conversando com representantes, órgãos gestores, falando com motoristas, cobradores de ônibus e usuários acerca do funcionamento do transporte público nos 7 municípios da região, chegando a percorrer 3 em um dia só. Na histórica cidade, era proeminente o transporte ferroviário, mas que aos poucos foi suplantado pelo modal rodoviário. Na época da coleta dos dados de Gabriel, estava-se começando a ser implementado um sistema BRT, que consiste em um sistema tronco-alimentador. Aponta que a efetivação de tal sistema poderia diminuir o tempo de deslocamento dos usuários. Mas no que consiste este sistema-tronco alimentador?

Conversando com Gabriel, descobrimos que um projeto similar foi pensado para Manaus no início dos anos 2000, o “Expresso”, mas que não foi inteiramente posto em prática. Com esse modelo, teríamos uma forma de distribuição das linhas de ônibus: enquanto alguns veículos passariam a circular em “linhas alimentadoras”, coletando passageiros vindo dos bairros e levando-os até um terminal central “tronco” de integração; outras linhas, por sua vez, redistribuiriam os passageiros para as áreas centrais — e vice-versa. Na cidade de Manaus, por exemplo, as av. Constantino Nery, Max Teixeira, Grande Circular poderiam ser essas chamadas “vias troncais” vindas dos bairros.

Ao invés desse sistema, tanto Manaus quanto Belém têm sistemas 80% radial e diametral. Podemos identificar isto observando que a maioria dos itinerários de Manaus vão para o Centro/Praça da saudade, ou ainda, que na cidade de Belém, vão para o mercado Ver-o-peso e São Brás. Em ambas as capitais, isso se dá por poucas vias. E qual o problema desse sistema?

“Essa concepção [radial-diametral] pode ser no máximo para uma cidade média” Gabriel argumenta, e em metrópoles como as que ele estudou, isso acaba gerando “gargalos e saturações”. Na prática, isso faz com que seja comum observar que nessas capitais, em uma mesma via onde passem 3 linhas com destino a um mesmo bairro, 2 delas possuem itinerário parecido ou equivalente em alguns trechos, intensificando o tráfico da região. Já em um modelo tronco-alimentador — o ideal para essas capitais — haveria maior frequência dentro de um bairro.

No sistema radial que temos hoje, por exemplo, um determinada linha em Manaus, para percorrer Nova Cidade-Centro, passa por “Nova-cidade, Conj. Renato Souza Pinto, Manoa, Max Teixera, Constantino Nery, Centro — Isto é uma linha de fato.” Gabriel exemplifica. “Se tivesse um sistema tronco-alimentador, você sairia de Nova Cidade ia pra um terminal e daí você pegava um corredor viário, e aí você podia economizar em até 20% do seu tempo.”

Mas isso é apenas uma parte do trabalho de finalista do curso de geografia. Como se organiza o sistema de transporte e quais são seus impactos na cidade? Comparando as duas cidades, a pesquisa de Gabriel responde levantando diversos dados sobre a trajetória das empresas em cada cidade, onde elas atuam, qual a porcentagem da área urbana que elas cobrem. Isso tudo você pode conferir no link com a pesquisa dele.

Gráfico da distribuição de linhas por empresa, elaborado pelo pesquisador. Fonte dos dados: SMTU. 2018.
Gráfico dos territórios de atuação de cada empresa em Manaus, elaborado pelo pesquisador de acordo com as suas pesquisas.

Dentre suas conclusões aponta que na capital do Amazonas o modelo para contratação é mais regularizado quanto aos trâmites oficiais de licitação que aqueles que encontrou em Belém, muito ligados a organização empresarial familiar. Como um todo, Gabriel enxerga que a importância da sua pesquisa para as cidades consiste em seu trabalhar se tratar de um diagnóstico do cenário rodoviário, podendo vir a subsidiar novas políticas públicas para regulamentação do setor e melhoria na qualidade de vida da população.

Projetos futuros

Gabriel explica que neste projeto focou no transporte como vetor de desenvolvimento humano, estando mais atento aos aspectos sociais aos quais diz respeito a geografia, ressaltando a importância da locomoção na vida urbana. Assim, este seu primeiro projeto focou-se nos aspectos territoriais (a noção de território é extremamente importante para a geografia) de atuação das empresas, questão de itinerário e tipos de linhas. Já a sua segunda pesquisa, que realizou na Engenharia, procurou tratar da atuação do Estado no que diz respeito a tarifas e custos.

Hoje, conta que está dando os últimos ajustes na sua monografia, um texto que une os resultados e discussões dos dois projetos. Diz também que está se preparando para o mestrado, na mesma área de estudo, talvez voltando-se agora para longe das metrópoles mais para o interior. E deixa o conselho:

“Iniciação científica a pessoa tem que fazer o que ela acha interessante, o que ela gosta. Com bolsa, sem bolsa, mete a cara, importante é ter essa experiência, tanto como profissional, pro teu lattes, mas principalmente pra você, porque você conhece novas opiniões, novas leituras, aumenta o seu leque de visão de mundo.”

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