Expectativa

Thali F.
Hey Sunshine
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3 min readJan 29, 2022
Photo by Rod Long on Unsplash

Eu sempre fui desapegada da expectativa de “terceiros”. Um exemplo recente é a pouca importância que deposito na face zangada da senhora do 7º andar do prédio em frente ao meu. Principalmente durante as manhãs, enquanto aceno um bom dia com café na mão, vestindo só um blusão e calcinha, e abrindo as cortinas da minha varanda.

Outro bom exemplo — e esse é um resgate da infância — foi o ato inconformado de precisar aprender a fazer um laço. A criança teimosa de 8 anos, tascou o pé na mesa da professora e demonstrou a vantagem “tecnológica” de um artefato chamado tênis com velcro. Rendeu uma bela bronca. Quase uma detenção.

Apesar desta rebeldia pelas expectativas alheias, existe uma pessoa em especial que me causa ansiedade — eu mesma. Eu gostei do termo que minha psicóloga usou uma vez: “minha régua interna parece alta demais quando olho para mim”. Fato. O zero não está no mesmo lugar quando olho para os outros. Eu sempre espero algo a mais de mim.

E hoje, mesmo estando de “passagem” em um país lindo, louca por um sábado de sol para caminhar e turistar, eu me desprendi de mim mesma.

O contexto — uma semana mais movimentada que o normal — o trabalho puxou, mas eu consegui ir na minha aula de desenho. Eu fiquei 4 horas no telefone com a família. Eu liguei para meu amigo em outro continente. Fiz terapia, fiz caminhada 3x na semana, cozinhei. Ao meu ver, uma série de pequenas vitórias.

Mas cheguei na sexta-feira exausta.

Eu dormi mais de 15 horas diretas. Acordei depois das 14h30 e encontrei uma casa caótica, pratos acumulados pelos cantos e garrafas de água espalhadas.

Eu tenho fotos do pôr-do-sol no parque. Eu ganhei likes pela empanada que na verdade foi um café da manhã (e depois um almoço) improvisado. Minha família riu com a história do senhorzinho do parque que puxou assunto comigo por me ver desenhando.

Mas eu não tenho fotos comendo em frente ao computador durante uma reunião em pleno horário de almoço. Não fiz stories organizando informações de um projeto às 2 da manhã. E nem da minha cara de sono quando passei o terceiro café do dia, porque meu cérebro consumiu mais informações que o indicado em 24 horas.

E não se engane, eu estou longe de ser a pessoa que se incentiva a trabalhar loucamente — mas existem semanas atípicas e esta foi uma delas.

Por isso, apesar de um caminhão de expectativas de caminhadas por bairros porteños, cafés em terraços e um sorvete no parque, hoje, em nome da minha saúde mental: desconectei.

Coloquei uma playlist de gosto duvidoso. Lavei meus pratos, varri a casa e cantei em espanhol para o desespero do meu vizinho de parede.

Minha vizinha de varanda deve continuar de mau humor porque faço tudo isso com o look do dia — cabelo bagunçado, blusão e calcinha.

Nada disso resultou em um story. E nem precisa.

O fato é que apesar de você ansiar por sábados de sol, às vezes só vai querer ficar em casa e limpar a pia da cozinha.

Ouvir o próprio corpo e não a voz da tua expectativa é uma escolha em nome da saúde mental.

E é um exercício diário e, vai por mim, demanda mais coragem do que parece.

Outros sábados de sol irão vir — e é melhor a gente cuidar de si para aproveitá-los.

E escrevi isso na importância de lembrar a mim mesma que:

qualquer um vê os stories bonitos, mas poucos veem sua cozinha suja.

Mas a gente vive nela todos os dias.

“Cuidar de si” também é dizer não para seus planos e fazer o que você sabe que quer, mas ignora.

Descansa.

(Talvez você também tenha que se lembrar disso de tempos em tempos)

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Thali F.
Hey Sunshine

[Sempre] Em busca de uma boa história, gargalhadas e uma xícara de café quente.