Por mais tombos

Essa noite eu desabei. Da forma mais literal possível.

Thali F.
Hey Sunshine
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3 min readSep 22, 2020

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Eu caí em declive a caminho da lanchonete. E eu adoraria nesse momento escrever um belo texto sobre a arte de cair e se levantar. Em passar e superar as dificuldades. Mas estou com meus joelhos doendo. Os dois. Praticamente gritando de dor. Um pé está bem arranhado. Os dois pés e as canelas ensopados em uma mistura de água empossada e sujeira.

Se você me perguntasse até às 19:00 como estava sendo meu dia, eu não hesitaria em colocar um sorriso e te contar que estava muito bom, e estava mesmo. Mas depois do tombo comecei a achar que eu não deveria ter levantado da cama. Que estar embaixo das cobertas seria, com toda a certeza, uma fortaleza segura e impenetrável.

Quando eu caí, a caminho da lanchonete da universidade, eu estava com pressa para pegar um lanche antes da aula. E a vergonha de cair foi tanta que minha segunda reação depois de sentir dor foi rir. Mas não o fiz. Em seguida, depois de alguma boa alma perguntar se estava tudo bem eu disse, mais para mim que para ele, que era apenas mais um tombo na lista e pra quem estava acostumada a cair não era nada demais.

E eu tentei lembrar a última vez que caí. De verdade, aquele tipo de tombo bonito, que vem do nada quando você tropeça nos seus próprios pés e rola pelo chão. E a última vez dessa cena que pude me lembrar foi perto dos meus 9 anos. Um belo tombo a caminho de casa. Muita gente na rua. Muitos olhares de preocupação. Minha cabeça erguida e um orgulho que não permitia uma lágrima.

E voltando já com o lanche para a sala pensei que a cena de hoje não foi tão distante assim, mesmo 13 anos depois.

Aí meu joelho começou a latejar e alguém passou, quase no mesmo minuto, e perguntou como estava sendo meu dia.

Meu dia. Ah meu amigo, está sendo uma bela bosta. Aí eu ri. Estou acordada há 13 horas e um tombo muda o contexto de bom para péssimo. Ri de mim mesma, retribui a pergunta com um sorriso e disse que estava bem. Era um bom dia. É um bom dia.

E meu joelho ainda lateja lembrando que amanhã ele não vai colaborar. E talvez eu tenha rasgado o jeans, mas até onde sei costumizar está na moda.

E eu lembrei da sensação de cair. Cair mesmo, perder o controle. Ter os olhos cheios de lágrimas de dor. E notei que nem ao menos tive tempo de avaliar minha dor.

Na aula de inglês dessa semana perguntaram “What’s matter of the modern life?”(qual o problema da vida moderna?). Hoje eu tive a resposta.

O problema da vida moderna é não cair. É não poder ficar no chão mesmo que doa. É ter que fazer tudo rápido, sempre. Estamos sem tempo para conversar, para brincar, para amar. Estamos sem tempo de cair. O problema é que existem coisas que deveríamos deixar tomar todo o tempo necessário.

Quando você cai, não deveria levantar rápido. Deveria sentar no chão sujo e molhado e rir. As pessoas por perto deveriam vir e se abaixar perto de você para perguntar se você está bem, e não correr para te alcançar. Quando você cai, você deve saber que ficará com arranhões e hematomas, mas que, na maioria das vezes, vai ficar com boas histórias para contar.

Hoje não contei do meu tombo para nenhum dos meus amigos, não tive tempo. Deveria ter arrumado. Deveria ter rido.

Mas eu tenho sorte, meu joelho vai latejar por uns dois dias, amanhã vou estar mancando. Mas pelo menos eu vou lembrar de contar uma boa história. Um belo mico. Mais um na minha lista particular. Mais uma cena para deixar o riso solto.

Porque independente da correria diária, a gente tem que arrumar tempo pra ser feliz. Tem que encaixar na rotina o compromisso de se divertir consigo mesmo.

Tem, sem dúvida nenhuma, que tomar uns tombos de vez em quando (de preferência, na felicidade).

Este tombo aconteceu em 2016 e o texto foi compartilhado no Facebook na noite do acidente.

Na verdade, manquei por 1 semana. Foi um tombo feio e tenho a cicatriz até hoje.

Mas sabe a melhor parte? Rendeu, definitivamente, boas risadas.

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Thali F.
Hey Sunshine

[Sempre] Em busca de uma boa história, gargalhadas e uma xícara de café quente.