A longa e sinuosa estrada de Jamal Crawford

Samir Mello
HIGH FIVE
Published in
28 min readSep 2, 2016

O único jogador a ser eleito três vezes o Sexto Homem Da Temporada não durou tanto evitando más decisões, e sim aprendendo com elas

Por Mike Wise

Traduzido por Samir Mendes

Fotos por Jordan Stead

O coadjuvante mais premiado da história da NBA sai da estrada principal e entra em Liberty Park, perto da quadra onde o público teve a primeira oportunidade de vê-lo trabalhar em seu jogo e sonhar o seu sonho. Jamal Crawford revela seu 1.95m saindo da porta do motorista, casualmente se dirige para a parte de trás de seu luxuoso Sedan e abre o porta-malas.

“Aqui está”, ele diz, retirando uma de quatro bolas de basquete de uma pilha, e a jogando para Jaylen Jamal (J.J.) seu filho de seis anos.

20 anos atrás, Crawford chegaria nesse parque, em Renton, Washington, perto de Seattle, em um Oldsmobile Cutlass de cor azul-bebê, usado. Nessa época, aos 16 anos, ele tinha duas preocupações: dinheiro para gasolina e ficar na quadra até o pôr-do-sol.

Hoje, em um sábado cinzento no meio de julho, ele está dirigindo uma Mercedes S63 AMG prata com o tanque cheio, e sua principal preocupação é se J.J. vai parar com aqueles arriscados lances inspirados em Stephen Curry e simplesmente tentar uma bandeja normal.

No entanto, ao longo desses 20 anos, antes e depois dos contratos multimilionários, ter se tornado pai e três prêmios de Sexto Homem da Temporada — um recorde -, o ritual permanece o mesmo:

Estacionar. Pegar uma bola do porta-malas. Permitir que o ritmo marcado pela bola quicando no concreto e pelo som de um arremesso perfurando o grosso algodão da cesta o levem para outro lugar.

“Eu lembro de vir para esta quadra e ficar aqui sozinho, arremessando”, Crawford conta enquanto J.J. dribla a silhueta pintada de um jogador no meio da quadra. “Eu sempre pensei que seria só um escape. Vir para cá me levava para outros lugares mentalmente, permitia que eu sonhasse. Eu só não sonhei que tanta coisa assim…iria acontecer.”

Da juventude desperdiçada até ser um atleta multimilionário, a jornada inclui elementos de malícia, má-sorte e maturidade em todas as paradas. E lições aprendidas todas as vezes em que ele abria aquele porta-malas e pegava aquela bola de couro.

Intervalo de jogo, dois anos atrás, e Crawford — já na segunda metade da carreira — exemplificava, para todo o país, o quão itinerante sua vida foi na NBA em 20 impressionantes segundos:

“Tim Floyd, Bill Cartwright, Bill Berry, Pete Myers, Scott Skiles, Lenny Wilkens, Herb Williams, Larry Brown, Isiah Thomas…Hmm, Mike D`Antoni. Hmmm, Don Nelson. Temos Mike Woodson..Larry Drew…Nate McMillan, Kaleb Canales, Vinny Del Negro, Doc Rivers.”

16 anos. 17 técnicos. E algo próximo de 600 colegas de time driblados e em choque, todos superados em longevidade por um vigoroso garoto de Seattle, com um jogo presenteado pelos deuses da Liga da Igreja, cujos companheiros de vida desde a infância foram as bolas de basquete que ele tem levado para todos os cantos desde que tinha três anos.

Hoje, aos 36, as juntas, membros e o arremesso cuja bola descreve uma trajetória de arco-íris insistem em superar suas datas de expiração. O Los Angeles Clippers, time que acabou de assinar um contrato de três anos que poderá pagar $ 42 milhões quando ele tiver 39 anos, tem confiado em seu jogo ofensivo nos finais dos jogos da mesma forma em que confia em Blake Griffin e Chris Paul no começo.

Tirando Mike Miller, que está nas últimas com o Devenr Nuggets, Crawford é o único sobrevivente do recrutamento de 2000. No ano passado, ele ficou em segundo em % de lances livres (atrás de Curry). Ele é o sétimo jogador que mais fez cestas de três pontos. Ele é um de apenas quatro jogadores na história da NBA, atrás de lendas como Bernard King, Moses Malone e Wilt Chamberlain, a ter jogos de 50 pontos por três equipes diferentes. E ele possui um recorde que talvez nunca seja quebrado — 47 jogadas de quatro pontos. (O mais perto dele é o companheiro de equipe J.J. Redick, com 25).

O durável veterano, com o jogo ousado, insinuante, apelidado de “J. Crossover” não durou tanto e fez tantas cestas porque ele evitou decisões ou acontecimentos ruins. Não. Ele tem bastante experiência em ambos.

No entanto, ele continuou no caminho, aprendendo a cada erro, tanto pessoal como profissional, eventualmente criando um mantra que o define:

“Parte do amadurecimento”, ele afirma, “é se livrar de coisas que não eram boas para você de qualquer jeito.”

Jamal Crawford, 36, faz uma ligação da casa de sua família localizada na beira do Lago Washington. Três vezes eleito o Sexto Homem da Temporada e um dos melhores coadjuvantes da história, Crawford fala sobre sua vida após renovar com o Los Angeles Clippers por três anos e $ 42 milhões

A vista do Lago Washington

“Você alguma vez imaginou que seu irmãozinho teria tudo isso?”, Crawford pergunta para Lori Skinner, uma de suas duas irmãs mais velhas, que ajudou a cria-lo.

“Não, eu acho que não”, responde Skinner, sorrindo, observando a paisagem verde e azul do noroeste pacífico, da varanda do irmão. Isso foi em fevereiro, durante o All-Star break, entre garfadas de waffles e bacon, na casa de Crawford em Seattle, uma propriedade multimilionária que fica a algumas casas de John Nordstrom, antigo dono do Seattle Seahawks; e do lado contrário do Lago Washington onde mora Paul Allen, atual dono do Seattle Seahawks.

Brincando, ele continua. “Você também não soube quando eu me inscrevi para o recrutamento da NBA. Lembra que você disse, ‘Por favor, não se inscreva. Grandes nomes estão nessa turma. A.J. Guyton, Mateen Cleaves.’”

“Eu sei, eu sei”, respondeu Skinner.

“Eu te disse ` acredite em mim, apenas acredite em mim.`”

“Você disse Jamal. Mas foi difícil na época. Havia tantos bons jogadores”.

Ele acenou com a cabeça para a irmã.

“Você acredita que eu durei mais do que todos eles?”

Seis times. 16 anos. 17 treinadores.

Uma maratona de cortes de elenco e contratos cancelados. Diversas vezes ele foi requisitado a subjugar suas irreais habilidades com a bola e, eventualmente, seu papel de titular, para o bem da equipe. Atuando em grandes palcos, mas regularmente como um coadjuvante, longe dos comerciais da Kia e da State Farm.

Crawford resistiu porque, bem, virar depois de estar perdendo por 20 pontos é um padrão recorrente em sua vida.

Ele negligenciou a escola até o Ensino Médio. Jogava dados tanto quanto jogava basquete. Andou com más influências. Foi roubado por usar as cores erradas em uma Los Angeles dominada por gangues.

E mesmo quando ele realizou o seu sonho e chegou a NBA, ele continuou se sabotando, fazendo coisas que cabeças de vento fazem, desperdiçando dinheiro e oportunidades.

Ele também levou a sério o ditado, “O acaso é certo, amadurecimento é opcional”. Toda vez que o ambiente de Crawford mudava, ele crescia com isso. Ajustando, adaptando, criando uma carreira e uma vida, como diz a tatuagem em seu antebraço direito: “Contra todas as probabilidades”, ele se transformou em um camaleão do drible, assumindo qualquer forma que ele precisasse para sobreviver.

Jamal Crawford alimenta sua filha de cinco meses, Aerin, na casa da família, em Lake Washington

‘Eu cuidarei da criança’

Venora Skinner engravidou aos 12 e aos 13 anos por dois adolescentes diferentes. Ela deu à luz a primeira filha, Lisa, no seu aniversário de 13 anos, no Halloween de 1966. Foram seus pais e o resto da família que essencialmente criaram Lori e Lisa e, por causa disso, ela conseguiu se formar e entrar para a Universidade de Washington, tirando seu diploma em fonoaudiologia, e depois trabalhando como professora e enfermeira.

Quando ela começou a namorar com Clyde Crawford, que jogou com o pai do ala Kevin Love em Oregon no começo dos anos 1970, as filhas de Venora Skinner tinham 14 e 13 anos. Finalmente com um pouco de controle sobre a própria vida, ela já não sentia mais saudades de amamentações na madrugada quando descobriu que estava grávida do bebê de Clyde Crawford. Sua primeira ideia foi não ter a criança.

“Se você tiver o bebê, eu vou cuidar da criança”, sua filha Lori afirmou. “Eu vou estar lá para ele. Eu vou levantar no meio da noite. Eu vou deixar ele dormir comigo. Por favor, mamãe`”.

A irmã Lisa Skinner (D) com o irmão Jamal Crawford (E) durante um jogo de futebol americano na Hazen High School

Lori simplesmente sabia que tudo daria certo. Sabe, Venora Skinner havia dado a sua segunda filha para adoção.

“Eu era apenas uma criança tendo uma segunda criança. Eu não sabia o que fazer”, diz Venora Skinner agora. Seis semanas após deixar Lori, uma tia a encheu de culpa, Lori conta, falando para a sua mãe: “Não é assim que fazemos em nossa família. Vá pegar aquele bebê de volta.”

Venora Skinner obedeceu, e a criança cresceu para convencer sua mãe a ter mais uma criança, aos 27 anos. Embora Venora não se lembre da mesma forma, ela aponta que após a decisão de manter a gravidez, uma queda acidental a levou a perder fluido amniótico dois meses antes de Jamal nascer. Ela ficou de cama e o prognóstico inicial das chances de aborto espontâneo foi de 90%.

No entanto, Aaron Jamal Crawford (seu nome do meio veio de Jamaal Wilkes, um dos jogadores preferidos de Clyde Crawford) nasceu — longo, espigado e saudável, se, no entanto, um pouco triste. Ele instantaneamente se transformou no garoto preferido de todos.

“Dá para acreditar, Jamal,”, Lori Skinner disse, rindo, “que eu ainda estava lá seis semanas depois, na agência de adoção? Ninguém me queria”. Ficando mais séria, ela completou, “Apenas pense — você não teria sido meu irmão se eles não tivessem voltado para me buscar. Você alguma vez pensa em como tudo aconteceu? Eu não estaria ali para dizer para mamãe ter você”.

Crawford pensa seriamente nisso agora. “Quando criança, você não entende completamente a situação, então eu falava, ‘Ah, obrigado’. Lori sempre olhou para mim como se eu fosse seu filho. É muito louco, né, tudo o que teve que acontecer para todos chegarmos a este momento?

“Quero dizer, eu sempre senti como se Deus tivesse me protegido”.

Jamal Crawford (C) participa de uma pelada com amigos no Eastside Basketball Club

Habilidade divina

O Todo Poderoso não pôde ser localizado imediatamente para confirmar ou negar. Crawford, no entanto, foi definitivamente abençoado com uma habilidade divina, um titular em qualquer lista de grandes dribladores, junto de Allen Iverson, Pistol Pete, Skyp a My Lou e, agora, Steph.

Ele não quica a bola pela quadra. Ele desliza por ela. A bola não pertence a ele. Ele pertence a ela. O espaço entre as pontas de seus dedos e o couro laranja funciona como um cordão umbilical invisível. Eles são próximosassim.

Clyde Crawford se lembra do seu filho fazendo arremessos a 5m de distância no quintal da avó quando Jamal tinha nove anos. “Arremessa outra”. Chuá. “Arremessa outra”. Cesta. Clyde não falou nada para Jamal na época, mas disse para si mesmo: “`Rapaz, acho que temos algo aqui`. Eu vi que ele estava faminto quando começou a dormir com a bola de basquete”.

Ele driblava por toda parte. Se estava com sua mãe, irmãs ou tias a caminho de uma loja, ele driblava por trás das costas e por entre a pernas em uma calçada no bairro de Beacon Hill em Seattle — brincando com estranhos, passando por fantasmas com uma girada ou um crossover. “As pessoas andavam pela rua em minha direção e eu fazia um lance nelas. Elas olhavam pra mim pensando ‘Ele é louco’, recorda Crawford.

Em voos para visitar seu pai e avó em Los Angeles, “os itens pessoais de Jamal e sua bagagem eram suas bolas de basquete e seus cards da NBA”, revela Lori Skinner.

Cada vez que sua família comprava uma bola, essa se tornava seu novo porto seguro. Ele a carregava no seu vagão, na sua bicicleta e, quando ele começou a dirigir, em seu carro. Até os dias de hoje, no porta-malas de cada carro de luxo que Crawford já teve, havia pelo menos uma bola de jogo da Spalding.

Verona Skinner só queria que seu garoto gostasse da escola tanto quanto ele gostava daquela bola.

Ele queria andar com um pessoal mais velho e perigoso. Aos 11 anos, ele matava aula e chegava em casa a meia-noite. Venora Skinner não aceitou aquela situação. “Ah, não senhor, você vai viver com seu pai”, ela disse a ele.

“Eu lembro que ele costumava falar bobagem pra mim sobre como ele seria um profissional”, disse Aaron Goodwin, o tio de um dos amigos de infância de Crawford e seu primeiro agente, com quem ele recentemente voltou a fazer negócios. “Quando ele estava na oitava série, ele costumava me desafiar para campeonatos de arremesso. Ele era tão arrogante que não era nem engraçado.

“Eu costumava dizer a ele, ‘É melhor você conseguir, porque com todo o lixo que você fala, ou você vai ser um jogador de basquete profissional ou trabalhar para o departamento de limpeza`”.

Crawford começou a passar tempo em Seattle e Los Angeles, fazendo a quarta e quinta séries em Inglewood, Califórnia, e retornando para Seattle até a oitava. Ele não queria deixar suas irmãs e família novamente, mas Venora Skinner insistiu que seu incorrigível filho necessitava de uma influência masculina.

Jamal Crawford retorna para a quadra onde ele se tornou conhecido na cena de basquete de Seattle, agora conhecida como a quadra Jamal Crawford em Liberty Park

“Não que eu fizesse parte de gangues, mas eu andava com algumas gangues”, ele afirmou. A diferença? “A diferença é que a pior coisa que eu já fiz foi matar aula e jogar dados. Eu matei muita aula”.

As decisões ruins e a má sorte ocasional continuaram em Los Angeles. Ele se matriculou na mesma escola de seu pai, Dorsey High Schol, e logo depois teve uma pulseira arrancada de seu pulso por uma gangue local. Assustado, ele foi transferido para a escola Morningside, onde sua avó trabalhava como enfermeira. Mas ele matava aula por lá também, e foi só devido a um encontro ocasional com um futuro colega de time que ele começou a perceber onde daria a estrada na qual estava caminhando.

O momento aconteceu em 1996, quando dois adolescentes orgulhosos sentaram em bancos opostos de uma antiga barbearia.

“Cara, você precisa prestar atenção nesse garoto”, Paul Pierce, dois anos mais velho que Crawford, se recorda do barbeiro dizendo a ele. “Ele sabe jogar”.

Tão certo de que ele iria conseguir, tão sem ideia da distância necessária para chegar lá, Crawford começou a disparar sua metralhadora — embora ele fosse academicamente inelegível e tivesse ainda que jogar uma única partida de basquete escolar. “Esse é o Paul Pierce de quem todos estão falando?”, Crawford vociferou. “Cara, ele não é tão bom assim”.

Pierce lhe deu uma olhada fatal antes de ensinar uma lição ao jovem.

“Você precisa voltar a escola!”, Pierce exclamou. “O que você está fazendo matando aula e passando seu tempo aqui na barbearia?”

Foi como se Pierce tivesse olhado as notas de Crawford do Ensino Médio. História: C-; Espanhol: F; Química: F; Geometria: D-; Inglês II: F. Faltas: 17.

Crawford não iria a lugar algum sem alguma sombra de feito acadêmico. Ele havia dado uma espiada no mundo do qual ele queria fazer parte, conseguindo entrar de fininho no velho Great Western Forum durante a volta de Magic Johnson, em 1995, para um jogo entre Los Angeles Lakers x Chicago Bulls. Conforme ele andava pelo local, quase encostava em Tupac Shakur, MC Hammer e L.L. Cool J. Ele queria muito aquela vida. Agora, ele precisava encontrar um atalho para ela.

Ele ligou para Lori Skinner e falou para ela que queria retornar a Seattle e levar a escola a sério. Quando o pai e a avó rejeitaram suas súplicas, falando para Crawford que ele só encontraria mais problemas voltando para casa, ele criou um plano para fugir.

Nos dias anteriores à capacidade de um laptop imprimir um bilhete de voo, a irmã de Crawford comprou para ele uma passagem só de ida para Seattle e a postou no correio, endereçada para a casa do pai. Ele conferiu a caixa de correio antes do pai e da avó todos os dias até que a passagem chegasse.

Ele não queria que eles notassem, então decidiu enterrar uma mala no quintal duas semanas antes do voo para Seattle. Ao invés de esvaziar suas gavetas todas de uma vez, ele chegava em casa e, todas as tardes, dobrava de forma cuidadosa as roupas que ele havia usado para ir a escola naquele dia, depois ia até o quintal e enfiava a roupa na mala, uma muda por vez. No dia do voo, ele desenterrou a pequena mala vermelha, limpou a terra e conseguiu uma carona para o aeroporto, cortesia do pai de um amigo. Sua irmã já estava esperando por ele no portão quando o avião pousou.

Ele deixou para trás apenas uma carta escrita a mão, datada de 5 de julho de 1996, a qual agora está guardada em um livro de colagens que seu pai e avó deram para ele no último verão (junto de seus boletins de reprovação, fotos de bebê e clippings de jornais já amarelados de jogos escolares de Clyde e Jamal).

Querida Vovó, eu sinto muito pela forma pela qual eu venho desrespeitando você ultimamente. Eu deveria entender que você está tentando me ensinar coisas que eu vou precisar para ter sucesso na vida. Porém, eu ainda quero muito voltar para Seattle, não é nada contra você, eu só gosto mais de lá eu sinto muito.

Amor, Jamal.

“Eu não diria que fiquei de coração partido quando ele foi embora, porque eu sempre soube que Deus estava protegendo ele”, Clyde afirma. “Mas você pensa no que poderia ter feito melhor.

“Eu não fui o melhor pai, eu não fui nenhum Ozzie ou Harriet ou algum anjo. Eu poderia ter sido mais presente, ter gastado mais tempo e energia com ele, ao invés de ter ficado nas ruas, ido a boates, etc. Jamal não foi uma criança-problema realmente. Ele tinha uma alma muito bonita e foi uma criança muito doce”.

Jayen “JJ” Crawford, filho de Jamal Crawford, olha para a placa dedicada a seu pai na quadra Jamal Crawford em Liberty Park

Estourando

Quando ele deixou Seattle para ir a L.A., aos 13 anos, Crawford era um aluno de oitava série de 1.75m, apenas pele e ossos. Quando ele retornou, aos 16 anos e no Ensino Médio, ele media 1.93m, a caminho de 1.98m. Ele ainda tinha braços e pernas mais finos que macarrão, mas sua força não era um problema porque suas habilidades haviam estourado.

Ele começou a aparecer nas quadras da Liberty Park todos os dias e jogar até altas horas da noite. Enquanto ele fazia homens crescidos tentarem em vão parar seu crossover devastador e destruía a competição com uma letal mistura de entretenimento e dureza, o número de pessoas que apareciam para vê-lo jogar aumentava, se espremendo ao longo das grades.

“Quando ele apareceu em nossa escola, ninguém jamais havia visto algo assim”, disse o amigo Sylvester Dennis. “Crossovers. Longas bolas de três. Passes sem olhar. Parecia os Globetrotters — mas real. Eu lembro que nosso armador se recusou a marca-lo porque Jamal havia começado a driblá-lo por entre as pernas, enquanto ele andava para trás, e ele não queria passar vergonha. Então nosso técnico começou a enlouquecer, gritando para ele, “Marca, p-! Se aproxima dele!”

Quando perguntado sobre o que aconteceu depois, Dennis apenas respondeu, “Jamal fez ele passar vergonha”.

O jogo dele era uma mixtape perfeita: metade Meadowlark Lemon, metade Magic, e só cesta. Seattle criou uma série de armadores de elites nos últimos 20 anos — Jason Terry, Brandon Roy, Nate Robinson, Isaiah Thomas. Mas ninguém fez um ginásio pulsar em uma sexta a noite mais do que Crawford. Ninguém havia feito filas que se estendiam por todo o contorno do prédio, esperando para vê-lo deslizar e manipular a bola com tanto elã.

Em seu primeiro ano jogando de forma organizada na escola, Crawford foi eleito o jogador do ano da cidade e do estado, e liderou Rainier Beach ao campeonato estadual. Já no verão, ele estava entre os 100 melhores prospectos da nação e, entrando em seu último ano, ele foi nomeado pela revista Parade para o primeiro time do país.

Originalmente ele havia se comprometido com Jerry Tarkanian, técnico de Fresno State, porém, com um ano extra para conseguir os créditos necessários para a faculdade, ele mudou de ideia quando Michigan começou a recrutá-lo.

No entanto, um obstáculo permanecia. Ele necessitava de uma nota alta em seu SAT para se tornar elegível como calouro.

Apesar de uma década resistindo à educação formal, ele finalmente começou a levar a escola tão a sério quanto o basquete. Esse era o momento, a barreira entre ser outra lenda da escola e um futuro profissional. “A hora da verdade — poderia dar em qualquer coisa”, ele costumava dizer a si mesmo.

Jamal Crawford arremessa durante uma pelada com amigos no Eastside Basketball Club

Crawford trabalhou com um tutor todos os dias, estudando por horas para o SAT. A vida não ficou mais fácil quando sua namorada da escola falou para ele que estava grávida de seu filho. Ele perguntou para a irmã Lisa se ela poderia arrumar um emprego para ele na KeyArena, onde ela trabalhava e o Seattle SuperSonics jogava. Ela acatou o pedido e, logo, para ajudar a sustentar seu filho Eric, Crawford começou a levar pipoca e algodão doce dos porões da arena para os vendedores, aproveitando o tempo que estava lá para ficar nos corredores e observar Gary Payton fazer pontes aéreas para Shawn Kemp enterrar.

Ele levantava para ir às aulas todos os dias após chegar do trabalho, as vezes 1h ou 2h da manhã. Ele estudava matemática e compreensão de texto com o tutor diariamente antes de ir para o trabalho e fez o SAT na primavera de 1999.

“Eu nunca vou esquecer o dia em que os resultados da prova chegaram pelo correio, parecia uma cena de Os donos da rua, quando a mãe diz, `Ricky, suas notas chegaram, suas notas chegaram`”, Lori Skinner recordou. “Nós estávamos no pequeno apartamento da minha mãe, esperando ele abrir a carta”.

Ele olhou para o resultado e disse “Eu…passei”, e gritos de alegria se seguiram — Venora, Lisa, Lori e Jamal se abraçaram, choraram e riram a noite inteira. O garoto travesso que, com todo o seu talento, havia envergonhado tantas crianças em quadra, que conseguia arrumar todas as desculpas imagináveis para seus problemas acadêmicos, havia finalmente colocado os pés no chão e cuidado da própria educação.

Porém, mesmo a caminho de realizar seu sonho, ele teve mais tropeços. Em Michigan, ele lidou com duas violações das regras da NCAA, incluindo uma por ter suspostamente recebido benefícios de um guardião da família. Ele disputou apenas 16 partidas e, com nem um ano completo na Divisão I, ele se inscreveu para o draft da NBA.

O desconfiado olhar de Michael Jordan (E) observa Jamal Crawford (D) no escritório do atleta, localizado na casa da família em Lake Washington

Vacilando

Cleveland o escolheu na 8a posição, e imediatamente o trocou para o Chicago Bulls — o time que Michael Jordan, seu ídolo de infância, havia feito famoso em todo o mundo durante os anos 1990.

Jordan convidou Crawford para fazer parte de uma pelada regular e de uma equipe de exercícios durante o verão de 2001, enquanto MJ contemplava voltar para a liga uma última vez. Crawford, com apenas 20 anos, prontamente aproveitou a oportunidade de aprender por osmose sobre o ímpeto competitivo do macho alfa do esporte.

Durante dois anos como companheiro de time de Jordan na academia Hoops em Chicago, ele nunca perdeu uma partida. Mais do que isso, ele passava tempo com MJ, socializando com a lenda. Em algumas noites, ele sentia que tinha uma passagem VIP para além das cordas de veludo de um cassino de Monte Carlo.

E foi aí que os antigos hábitos voltaram para encrencá-lo.

Entre o primeiro e o segundo ano de Crawford na liga, após partidas na academia Hoops, muitos dos amigos e da equipe de Jordan iam para o restaurante de MJ, One Sixtyblue. Já na madrugada, jogos de azar aconteciam — em mesas de jogos de carta estilo-Vegas, e em um canto separado se jogava dados.

Dois participantes, na condição de anonimato, contaram sobre uma noite em particular, quando Jordan e Antoine Walker estavam jogando cartas e Crawford e Ray Allen jogavam dados.

O jogo era craps, no qual o shooter começa arremessando dois dados. Qualquer combinação que não seja um “7” se torna o alvo para um novo arremesso. Um “7” é considerado crapping out, significando que uma nova rodada começa e o dinheiro apostado é coletado. Crawford cresceu jogando craps nas ruas de Seattle e L.A. Ele havia ganhado centenas, talvez milhares de dólares na adolescência.

Naquela noite, ele havia trazido $ 2.ooo em dinheiro. Ele se recorda de ter sido um dos primeiros shooters. Havia, talvez, cerca de meia dúzia de jogadores, a maioria dos quais eram apostadores profissionais. Crawford se manteve regular por algum tempo, segurando, em determinado momento, cerca de $ 10.000 em dinheiro, mais do que ele já havia ganho antes.

Depois, ele começou a perder. Perder muito. Ele caiu em um buraco do qual não conseguia sair. Ele começou a fazer apostas com dinheiro que não tinha em mãos, com um grupo de apostadores profissionais acostumados a serem pagos na hora.

“Eles estavam, tipo, `Ok, você apostou $ 2.000 nessa rodada…ok, você perdeu`”, se recorda Crawford, concordando em discutir o seu próprio papel naquela noite, mas se recusando a confirmar a identidade dos envolvidos. “Então eles disseram, `Agora nós vamos apostar $ 3.000 nessa rodada. Ops, perdeu. Agora você está devendo $ 15.000`. Então, não era como se o dinheiro estivesse sendo perdido, era dinheiro que não existia. Mas era uma quantia que eu teria que pagar eventualmente de alguma forma”.

Jamal Crawford observa a pelada com amigos no Eastside Basketball Club

Conforme a noite progrediu, Allen entrou no jogo. Ele representava dinheiro novo e virou o novo shooter. Crawford apostou nele. E perdeu novamente. As perdas de ambos começaram a aumentar, e Allen pediu emprestado dezenas de milhares de Jordan, de acordo com um dos participantes.

Allen, porém, já havia feito em torno de $ 70 milhões na carreira até aquele ponto. Crawford ainda estava no primeiro ano de seu contrato de calouro, o qual garantia a ele $ 8 milhões por três temporadas. Um nó em seu estômago começava a se formar e ele se lembra de ter pensado, `Que diabos eu fui fazer?`

Durante um período de dois dias, ele acredita ter perdido algo em torno de $ 100.000. Uma pessoa próxima alega que Crawford perdeu um valor bem acima disso e Allen, muito mais. Dias após o jogo de dados, uma ligação foi feita para Goodwin, o agente de Crawford, para informa-lo de que Crawford ainda não havia quitado a dívida com um apostador profissional.

“Ok”, respondeu Goodwin, de acordo com uma fonte próxima da situação. “Quanto ele te deve? Pode confiar no Jamal”.

“Não, você não está entendendo”, disse o informante. “Se ele não pagar agora, esses caras vão matar o Jamal”.

“Matar o Jamal?!! Ele é um jogador da NBA. Ele será pago assim que a temporada começar. Me passa o número do cara”.

A fonte próxima da situação afirmou que Goodwin ligou para o homem a quem Crawford devia dinheiro e criou um plano de pagamento, resolvendo o assunto sem incidentes.

Crawford jura que não perdeu essa quantidade de dinheiro, e afirma nunca ter ouvido a história sobre sua vida ter sido ameaçada. Mas ele não nega ter perdido o controle, o que o levou a uma situação humilhante.

Para ajudar a quitar a dívida no fim da segunda noite de jogos, ele foi até o seu Mercedes-Benz S Class 430, um novíssimo modelo cinza. Antes de entregar as chaves, ele abriu o porta-mala do carro e retirou sua bola de basquete.

“Tive aquele sentimento de, cara, você pensa que conseguiu realizar seu sonho e daí você volta aos velhos hábitos e faz algo que te prejudica completamente”, ele diz agora. “Honestamente, todo mundo só queria estar perto de Michael o tempo todo e ele estava cuidando de si mesmo. Eu não responsabilizo ninguém, apenas eu mesmo”.

Quinze anos depois, Crawford jura nunca mais ter jogado dados fora de um cassino legítimo.

O ocorrido em Chicago serviu como uma das lições mais importantes, ele afirma hoje em dia. “Imagina se eu fosse mais velho e tivesse bem mais dinheiro, a confusão que eu poderia me meter. Fico feliz de ter acontecido naquela época. É só uma lembrança agora, outra experiência de aprendizado”.

Ele não sabe mais quem é aquela criança, um jovem arrogante de 20 anos que gritava com familiares e amigos pelo celular no ônibus da equipe, permitindo que todos os veteranos pudessem ouví-lo. “Se algum garoto fizesse agora o que eu fazia, eu falaria pra ele ‘Cala a boca, nós estamos prestes a entrar em quadra’”.

“Eu joguei com Eddie Curry duas vezes, em Chicago e Nova York, e eu sempre me recordo dele vir até mim depois que eu cheguei em Nova York e falar, ‘Cara, quem é você? Você amadureceu tanto desde os tempos de Chicago’. Tipo, eu não tinha nenhuma referencia, sobre como agir, sobre com quem me relacionar. Para mim, é incrível observar esse crescimento.

“Quando você me pergunta sobre como eu sobrevivi, eu penso que é exatamente isso — eu não cometi os mesmos erros duas vezes”, Crawford acrescenta. “Se eu me arrependo de ter perdido aquele dinheiro? Claro, você nunca quer que isso aconteça. Mas o lado bom é que, digamos que não tivesse acontecido, certo? Eu estaria tentado agora e provavelmente acabaria perdendo muito mais.

“Para mim, toda minha existência na NBA tem sido sobre se tornar um melhor tomador de decisões”.

Jamal Crawford alimenta sua filha de cinco meses, Aerin, enquanto a esposa Tori (E) e as filhas London e Jayen (D) observam na casa da família em Lake Washington

A melhor decisão

A melhor decisão de Crawford, ele afirma, aconteceu no último verão, quando ele se casou com Toni Lucas, sua namorada de oito anos e mãe de seus três filhos mais jovens.

Eles começaram a namorar 10 anos atrás, a clássica história da menina do subúrbio branco de Bellevue que conhece o rapaz do gueto de Seattle — exceto que o garoto de Rainier Beach já era um milionário de 26 anos que jogava na NBA e que pensava ser tão bom que mandou um amigo pedir o telefone de Lucas.

“Não”, ela respondeu. “Se ele quiser falar comigo, ele mesmo precisa vir aqui”.

Eles não se viram por quatro meses depois disso. Lucas optou por levar as coisas devagar, não querendo ser vista como outra interesseira da NBA. Mas algo no segundo encontro deles a fez pensar em algo mais duradouro.

Eles se encontraram no Joeys, um restaurante popular de Seattle, e Crawford apareceu com calça de moletom e chinelos da Nike usando meia. Lucas havia se arrumado. Mas quando ele se sentou, eles acabaram conversando por quase quatro horas — sobre família, sobre a filantropia de Crawford, tudo. Ele não estava tentando conquistá-la, e sim fazer com que ela soubesse de onde ele veio, sobre como quando ele estava crescendo, a mãe e as irmãs em Seattle brigaram por ele como um cabo de guerra com o pai e a avó em Los Angeles.

Em tempo, ela contou para ele que a história da família perfeita do subúrbio não era a realidade dela — que o seu pai, negro, havia criado ela sozinha e que ela nunca havia conhecido sua mãe biológica. Crawford perguntou se algum dia ela gostaria de conhecê-la. “Nós temos que conhecer sua mãe, a gente traz ela para L.A.”, ele insistia.

Ela teve pouco interesse no começo. Mas após ter dois filhos, Lucas sentiu a necessidade de ligar para ela.

Sua mãe então comprou uma passagem e eles se reuniram em Los Angeles no último ano. Elas foram a um jogo dos Clippers juntas. Lucas, 30, descobriu que tinha duas meia-irmãs, de 29 e 25 anos.

“Nós duas nos sentimos confortáveis — deu tudo super certo”, ela comemora, antes de acrescentar, “Foi meio viajante. Ela se parece muito comigo, só que branca”.

O papel de Crawford na reconexão das duas significou muito para Lucas e no esforço deles em construir a própria família. Além de J.J., eles têm uma filha de quatro anos, London, e um bebê, Aerin.

Duas crianças nascidas de famílias quebradas, sendo pais juntos.

“Ela não teve nada disso quando estava crescendo e eu também não”, afirmou Crawford. “Então funciona perfeitamente nossa unidade. Isso é o mais importante, algo que eu não trocaria por nada. É o melhor sentimento do mundo. E para as crianças, acordar e ver nós dois juntos, isso é algo que nós não tivemos”.

J.J. está no andar de cima, fazendo barulho com uma bola pela casa e imitando os movimentos do pai. Sempre que Crawford fala para ele que não, ele não pode levar a bola de basquete para uma loja ou para o cinema, ele acaba mudando de ideia, lembrando de outro garotinho que não conseguia ficar longe de sua bola.

Jamal Crawford participa de uma pelada com amigos no Eastside Basketball Club

AND1, MAS NÃO UM ALL-STAR

Uma das estatísticas avançadas que ainda não foram quantificadas são Humilhado e Envergonhado. A habilidade de Crawford em desestruturar defensores — os desequilibrando tanto que eles regularmente caem tentando marcá-lo — não perde em nada para Iverson e Curry.

Na edição de janeiro do Player’s Tribune, ele escreveu um artigo sobre os cinco melhores jogadores capazes de criarem suas próprias jogadas. Nele, ele revelou a própria metodologia:

“Para mim, funciona da seguinte forma: A primeira parte do crossover é o crossover falso, onde eu faço um pequeno drible e continuo o movimento. O contramovimento é a ação para o falso crossover. Eu posso trocar de mão e isso me permite outros três movimentos. Então, eu faço seis dribles a partir de um ponto de partida. Aí é a batalha dentro da batalha. Tirar minha movimentação da esquerda para a direita? Ok, eu volto da direita para a esquerda. Isso me permitirá surpreender os defensores. Ah, eles estão esperando por isso? Então deixa eu ir da direita para a esquerda e por trás das costas. Vai tentar tirar isso de mim? Eu faço um movimento da direita para a esquerda, por trás das costas duas vezes e tudo junto.

“É mais ou menos isso:

“Dois crossovers por entre as pernas, um pequeno drible e aí eu dou um passo para trás. Isso me dá espaço. Depois, outro rápido crossover, e eu estava completamente livre abaixo do garrafão. Sua mente nunca para de trabalhar para conseguir esses pequenos movimentos e criar os espaços que você quer. Isso é tudo que um criador de jogadas de elite precisa”.

O real crime da carreira de Crawford (tirando a instabilidade que ele não conseguia controlar, resistindo a tantas franquias em transição — Doc Rivers é o único técnico que ele teve por mais de uma temporada) é que ele nunca foi convidado para um fim de semana do Jogo das Estrelas, nem mesmo para uma competição de habilidades.

O fato de ele ter sobrevivido em uma liga que nunca tirou total vantagem das suas habilidades tem tudo a ver com o sobrevivente dentro dele. Como calouro, ele esteve em um time do Bulls que venceu 15 e perdeu 67, dois times dos Knicks que venceram 23 partidas, e ele nunca venceu mais de 33 partidas em um campeonato até seu 11 ano na liga. Os Knicks o trocaram em 2010 porque eles queriam entrar na briga por LeBron James. E quando os Hawks finalmente ficaram bons, eles não tinham dinheiro suficiente para manter o novo Sexto Homem da Temporada.

Frustrado pela falta de apreço pelo seu jogo, mesmo após 10 anos na liga, ele encontrou um novo papel para desempenhar após se desentender com seu agente. Goodwin achava que Crawford estava dando ouvidos às pessoas erradas, escutando o que queria sobre suas habilidades sendo desrespeitadas em uma liga homogeneizada. Ele acabou contratando outro agente e assinando um contrato de quatro anos por $ 21 milhões em 2012 que ele já havia superado no segundo ano do acordo.

“Normalmente, quando eu me separo de alguém, é porque eu não vou continuar ouvindo aos bajuladores do círculo íntimo de um atleta”, Goodwin afirma. “É meio que…se você perceber para onde a carreira dele foi, ele vai te confirmar isto, esse foi um dos problemas que ele teve.

“Os bajuladores estão mais preocupados em levar Jamal a acreditar em seu jogo de rua e os benefícios que vêm com isso, enquanto eu sempre o forcei a entender que ele tem que estar em uma situação onde as pessoas querem estar envolvidas com o que ele faz e com a ideia de fazer parte de um time de verdade.”

Agora?

“Ele entendeu o que ele pode ser”, declarou Goodwin.

Ainda se reinventando, Crawford entendeu que, em Atlanta, ser um coadjuvante era o melhor que ele ia conseguir.

“Eu nunca havia sonhado em sair do banco. Eu fui titular minha carreira toda, sempre fui um dos jogadores mais talentosos”, declarou. “Mas, naquele ponto, eu não queria ser conhecido como um bom jogador em um time ruim. Então eu disse que faria o que fosse preciso”.

O verão anterior aos Hawks escalarem ele como reserva, Crawford ficava de fora, todas as noites, até o segundo ou terceiro racha em Seattle, claramente impaciente para jogar até que ele começou a gostar do papel.

“Eu não posso me arrepender de nada. Foi como eu ganhei sabedoria, aprendendo a fazer as coisas certas”, disse. “E há momentos em que você tem que refletir sobre o quão longe você chegou para realmente valorizar sua carreira.

“Por exemplo, em 2015, jogando em Charlotte, nós estávamos vencendos os Bobcats, e eu me tornei um dos 10 melhores arremessadores de 3 da história da NBA. De repente, eu vejo Michael Jordan, que estava assistindo o jogo e começo a pensar, `Eu não sou mais aquele garoto estúpido que perdeu todo aquele dinheiro em um jogo de dados 15 anos atrás. Eu sou um jogador diferente, um homem diferente.`”

Jayen J.J. Crawford pratica em uma cesta tamanho criança na casa da família em Lake Washington

Pai e filhos

J.J., você sabe que aquele é seu pai”, Crawford disse, apontando para o nome e para a silhueta pintados no meio da quadra em Liberty Park. “Você vai ter seu nome pintado em uma quadra algum dia, como o papai?”

“U-hum”, disse J.J., driblando e tentando outro arremesso mirabolante, que ele errou.

“Eu me lembro de jogar com meu pai em um parque talvez umas duas vezes”, disse Crawford. “Nós jogávamos no quintal, mas nunca íamos para uma quadra. Eu sei que não dá para recuperar esse tempo. Então eu tento levá-lo para todos os lugares que ele quiser ir comigo”.

Crawford tinha apenas 18 anos quando ele foi pai pela primeira vez, “Isso é muito louco né?”, exclamou Eric Crawford, de 18 anos, e sem nenhum plano imediato de ter seus próprios filhos. Ele fala com o pai diariamente, sobre basquete, sobre vida e o que estiver passando pela sua cabeça. Sua mãe e padrasto têm uma ótima relação com Jamal e Tori, ele revelou.

J.J. foi trazido a Liberty Park quando ele tinha só alguns meses de idade. A marca em um tijolo vermelho na entrada da quadra mostra Crawford segurando seu filho no dia da inauguração do local em setembro de 2011. Crawford doou à cidade de Renton $ 50.000 para colocar novas cestas, luzes e pintar as quadras. Hoje, é uma das melhores quadras da área de Seattle/Tacoma, uma visão comparável às arvores que invadiam o asfalto que Crawford jogou há 20 anos, nervosamente chamando “Próximo!” em um jogo entre adultos e adolescentes.

Para lembrar desse sentimento, Crawford as vezes aparece em noites quentes de verão, apaga os faróis, e observa as crianças e os adultos jogar um pouco — antes dele próprio entrar na pelada.

“É estranho porque a maioria das pessoas não entende antes que seja tarde demais”, ele disse. “Sabe, você olha para trás e já é quase o fim. Mas eu tento valorizar enquanto ainda estou no momento. É quase como se eu estivesse vivendo um sonho”.

Jamal Crawford e o filho Jayen “JJ” Crawford, seis anos, brincam na quadra onde Jamal ficou conhecido na cena de basquete de Seattle, agora conhecida como a quadra Jamal Crawford em Liberty Park

Ele disse que não é de chorar; ele não chora desde que a avó morreu em 2002. Porém, se os Clippers ganharem um título, “eu ficaria emotivo, porque eu sei a quantidade de dias que estive aqui sozinho, eu sei o que tive que sacrificar — e quantas pessoas me consideraram carta fora do baralho”.

Após J.J. finalmente ter começado a fazer bandejas simples e, impressionantemente, acertar arremessos de 4.5m de distância em uma cesta de 3m de altura, Crawford pausou por, talvez, um minuto. Olhando através da grade fechada por um cadeado, além do campo de baseball, ele respirou profundamente.

“Sabe, eu não tive a vida mais difícil”, ele finalmente falou. “Na maioria das vezes que as coisas deram errado, fui eu que causei. Então eu só posso responsabilizar a mim mesmo.

“Mas eu não acho que iria valorizar do mesmo jeito se as coisas tivessem ocorrido sem problemas. Eu acho que não teria aprendido nenhuma lição. Como você pode valorizar o sol se não chover às vezes?”

Alguns minutos depois, começou a ventar forte e o céu ficou cinzento. A chuva nunca veio, mas J.J. já estava satisfeito de brincar na quadra batizada com o nome do pai. Conforme ele levava o filho de volta para o carro e jogava a bola no porta-malas, ficou claro que Crawford teve sucesso por tanto tempo na NBA e na vida por causa das escolhas ruins que ele fez, e não apesar delas.

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Samir Mello
HIGH FIVE

Jornalista do portal Metrópoles e Mestre em Tradução pela City, University of London; passagens pelas redações do Jornal de Brasília e Correio Braziliense