Agora é sério: será este o fim da dinastia dos Spurs?

A queda de San Antonio foi prevista diversas vezes. Porém, desta vez, há sinais de que as dificuldades recentes possam frear a franquia modelo da NBA

Samir Mello
HIGH FIVE
9 min readMar 17, 2018

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Por Kevin O’ Connor
Traduzido por
Samir Mello
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Os Spurs são a franquia modelo da NBA. Nos últimos 20 anos, eles nunca deixaram de ir aos playoffs, chegaram seis vezes às Finais, venceram cinco campeonatos e nunca ganharam menos que 60% dos seus jogos em uma temporada. A organização tem sido um modelo de consistência, mesmo quando pensa no futuro — de um ataque baseado no garrafão à bola passando de mão em mão; de David Robinson, para Tim Duncan para Kawhi Leonard.

No entanto, os Spurs estão no meio de sua pior temporada desde 1996–97, quando eles ficaram em último lugar para ter uma chance de recrutar Duncan. Eles têm sido um time de basquete medíocre desde 12 de dezembro (18–19) e pioraram ainda mais recentemente, exibindo um recorde de 2–8 na qual foi a pior sequência desde os últimos 10 jogos de 1996–97. As coisas não ficarão mais fáceis daqui para frente. Os Spurs tem o calendário mais difícil da NBA, com dois jogos restantes contra cada um dos seguintes times: Warriors, Thunder, Rockets, Pelicans e Wizards. Eles estão em 8º lugar no momento, apenas um jogo na frente dos Nuggets, e empatados com o Jazz, dois times que enfrentarão nas últimas partidas.

Dos 18 times com recordes acima dos .500, apenas os Bucks (14–24) e os Clippers (11–23) tem um retrospecto pior do que os Spurs (13–21) contra times acima dos .500. Os Spurs destroem times abaixo dos .500 por 8.6 pontos em 100 posses, mas são superados por 1.8 pontos em 100 posses contra times acima dos .500. Apenas os Knicks, Bulls e Clippers tem uma piora mais acentuada quando considerada a força do adversário. Esse é um péssimo sinal. Soa quase como um pecado, mas os Spurs correm risco de não irem para os playoffs.

Apesar disso, o time não é necessariamente ruim. Embora esteja em oitavo lugar no Oeste, os Spurs têm a segunda melhor defesa da liga — o que é impressionante, considerando a ausência de Leonard, eleito duas vezes o Melhor Defensor da Temporada. O ciclo de notícias move rápido, então aqui vai um lembrete, de um ano atrás, de que Leonard é um dos melhores jogadores da liga:

Com ou sem Kawhi, os Spurs podem desafiar os melhores times da liga. A última vez que Leonard jogou, em 13 de janeiro, os Spurs destruíram os Nuggets por 32 pontos. E, sem ele, em 25 de fevereiro, eles bateram o remodelado Cavs por 16. Porém, apesar de todos os sinais de sua grandeza ainda aparecerem de tempos em tempos, nunca a atual diretoria encarou um futuro tão incerto como agora.

Leonard conversou com a imprensa nas últimas semanas e afirmou que espera retornar às quadras “logo”. Isso aconteceu semanas após notícias darem conta de sua insatisfação. Jalen Rose, da ESPN, afirmou que Leonard “quer deixar os Spurs”, e Gregg Popovich sugeriu que o jogador não voltará a jogar nesta temporada. Mesmo que Leonard retorne, não é razoável esperar que ele, depois de meses fora das quadras, volte a velha forma logo de cara. Leonard não estava nem atuando em jogos em noites seguidas quando retornou no início da temporada, nem estava jogando no alto nível das temporadas anteriores.

Leonard sempre pareceu ser o Spur perfeito — um assassino silencioso moldado à forma de Duncan. De tempo em tempo, ele é descrito como um robô, programado por Popovich para ser perfeito. Porém, como as últimas notícias indicam, ele tem se comportado como uma estrela insatisfeita, querendo receber mais dinheiro da Jordan Brand. As histórias que temos escutado não correspondem à personalidade que construímos para ele. Talvez, mais importante, elas sejam o primeiro sinal de que Kawhi queira algo diferente da jornada que Duncan teve em San Antonio. Leonard, para sermos sinceros, afirmou, recentemente, que gostaria de terminar sua carreira com os Spurs. “Sim”, ele disse. “Com certeza”. O barulho cercando Leonard estes dias podem não dar em nada, mas o fato de que ele exista já é interessante.

Não é como se os Spurs nunca tivessem passado por isso antes. Duncan esteve próximo de deixar San Antonio em 2000 e se juntar a um supertime em Orlando. “Foi uma época caótica. Foi um inferno”, Popovich disse em 2010. “Eu não me permiti acreditar na permanência dele. Eu estava me preparando para a saída de Duncan, pelo bem da minha sanidade”. No último verão, LaMarcus Aldridge pediu para ser trocado, e Popovich teve que ter uma conversa sincera com seu ala-pivô para acalmar as coisas. Lealdade não existe na NBA, e nós não podemos confiar cegamente no que jogadores, técnicos e executivos dizem à imprensa. Tanto Duncan como Aldridge acabaram retornando a San Antonio. A situação incerta de Leonard pode se estender até ele se comprometer novamente com a equipe.

Mesmo que Kawhi esteja feliz e assine uma extensão supermax, por US$ 219 milhões, na próxima off-season, seu histórico de lesões começa a se tornar preocupante. O problema nos quadris ofez perder 18 jogos durante a temporada 2012–13 e forçou os Spurs a lidarem com a questão na off-season. Cinco anos depois, o problema retorna. A lesão não apenas colocou de molho um possível candidato a MVP, mas tem sido a causa de um drama, a qual é bastante estranha aos Spurs. Leonard precisará provar que ele pode ser durável novamente.

A franquia também tem importantes decisões a tomar. Os Spurs tem um dos times mais velhos da liga, mas idade não é um problema em si mesmo. Eles eram os avôs da NBA em ambas as vezes que chegaram às Finais nesta década. Como Duncan disse após ser campeão da temporada 2013–14: “Nada mal para um bando de velhos”. A diferença, agora, é que o time está velho, piorando e aumentando em custo, atuando em um estilo ofensivo ultrapassado.

O que faz Popovich ser especial é sua habilidade de tirar o máximo de seus jogadores, ao invés de forçá-los a se adequarem a um sistema. No entanto, o elenco atual requer um ataque que deixa o jogo mais lento, em um ritmo de lesma (eles são o segundo time mais lento da liga), e depende muito de arremessos de média distância (eles são o terceiro time que mais utilizam a abordagem). O elenco não tem especialistas de longa-distância ou atacantes que forcem a defesa a se desmontar. Forçar esse time a jogar como os Rockets é como fazer Ashton Kutcher interpretar Steve Jobs.

Os Spurs, por muito tempo, foram pioneiros — com sua distribuição da bola no meio da década passada, e com o uso dos arremessos de 3 nos últimos anos. Mas o resto da liga os alcançou. Antes, parecia que enquanto os times estavam indo, os Spurs já estavam voltando. Agora, parece que eles estão se arrastando. O sistema atual ainda pode funcionar na liga hoje em dia. Não vamos esquecer que os Spurs estavam no controle do Jogo 1 da última Final de Conferência Oeste até Leonard se lesionar. Talvez um estilo de ataque focado em média-distância possa confundir defesas construídas para evitar bandejas e arremessos de três. Porém, o problema principal para o futuro não será como os jogadores serão usados e sim o comprometimento financeiro com tais atletas jogadores.

Os Spurs tem US$ 78.4 milhões em salário garantido para a próxima temporada, incluindo US$ 22.3 milhões para LaMarcus Aldridge, US$ 12.4 milhões para Patty Smills, e US$ 16 milhões para Pau Gasol. Aldridge executa quase ⅔ de seus arremessos de meia-distância, mas não os converte em uma alta frequência (42%, ou o equivalente a 28% de um arremesso de três quando feita a conversão). Depois da conversa entre Aldridge e Popovich, o time lhe ofereceu um contrato de três anos, valendo US$ 72.3 milhões, em outubro. Os Spurs poderiam ter deixado sua folha salarial em aberto, pensando na próxima off-season. No entanto, eles optaram pela manutenção do elenco, ao invés das incertezas do período de agentes livres. Aldridge, 32, tem sido mais produtivo nesta temporada, porém, se ele é a estrela certa para atuar com Leonard, ainda não está claro.

Os contratos de Gasol e Mills, que vão até 2019–20 e 2020–21, respectivamente, não são exatamente terríveis também. Ambos são profissionais respeitados; Mills é um motivador e Gasol um estabilizador. Porém, Mills tem falhado em elevar seu jogo ofensivo, tanto antes e depois de Tony Parker ter perdido os primeiros 19 jogos da temporada devido a uma cirurgia para reparar um tendão do quadríceps esquerdo. E, embora Gasol ainda seja competente, o atleta de 37 anos tem regredido ofensivamente de forma notável. Todos os três contratos irão prejudicar a flexibilidade de San Antonio na próxima off-season.

Danny Green (US$ 10 milhões), Rudy Gay (US$ 8.8 milhões), e Joffrey Lauvergne (US$ 1.6 milhões) tem opções de jogador nesta off-season. Executivos da NBA preveem que Green não retornará, e ele poderá ser caro, considerando a valorização de jogadores estilo “3-and-D”. A menos que Gay eleve seu jogo para fechar a temporada, ele é um forte candidato para retornar a San Antonio. Kyle Anderson, Bryn Forbes e Davis Bertans serão agentes livres restritos. O contrato de Parker se encerrará, e ele afirmou que quer jogar 20 temporadas para os Spurs, o que significa que a franquia terá que estar disposta a oferecer um contrato de três anos para um atleta de 35 anos que é medíocre na defesa e está arremessando 19.2% para três. A não ser que o veterano armador esteja disposto a aceitar um grande desconto caseiro (o mínimo), será interessante para San Antonio trazê-lo de volta?

Com Parker voltando ou não, Dejounte Murray precisará mostrar ser um substituto capaz. Murray, em sua segunda temporada, terá a chance de mostrar um hábil defensor e pontuador dinâmico. Ele só tem 21 anos, mas até o momento, ele tem se mostrado extremamente ineficiente como pontuador e irregular como um passador. Enquanto isso, o armador calouro Derrick White tem apresentado performances interessantes na G League, tendo, porém, apenas 16 jogos na NBA como experiência. Anderson, Forbes e Bertans, no melhor dos casos, deverão ser jogadores medianos.

Os Spurs sempre são bons, então eles sempre recrutam na metade final do primeiro round, mas eles ainda não acertaram em cheio com suas escolhas desde que trocaram George Hill por Leonard, em 2011. Embora eles tenham construído uma reputação de achar joias escondidas, eles ainda não encontraram os próximos Tonys e Manus para jogar ao lado de um Kawhi saudável. Como consequência, o futuro do time não está claro. A aposentadoria de Duncan, junto ao declínio de Parker e Ginobili, forçaram San Antonio, pela primeira vez, a procurar um jogador do calibre de Aldridge entre os agentes livres. Se tanto Gay como Lauvergne decidirem retornar, e se os Spurs utilizarem sua escolha de primeira rodada, o time terá cerca de US$ 12 milhões de espaço na folha salarial. Com Green sendo um agente-livre requisitado, e com diversos de seus reservas também no mercado, tal espaço na folha poderá secar rapidamente.

Existem alguns indícios, vindos das redes sociais em sua maioria, sobre LeBron James considerar os Spurs, devido ao respeito mútuo entre o jogador e Popovich. Mas eu tenho escutado consistentemente, de múltiplas fontes na liga, que LeBron, atualmente, tem apenas quatro times em sua lista: os Cavaliers, Lakers, Rockets e 76ers.

O mercado para agentes livres restritos pode apresentar alvos mais realistas para os Spurs. Aaron Gordon e Jabari Parker são opções interessantes; San Antonio poderia encaixar um dos dois em sua folha (mesmo que renovem com Leonard) se a franquia optar por não renovar com um de seus agentes livres e jogadores com opções decidam testar o mercado. Ou talvez o técnico de arremessos Chip Engelland poderia tentar seduzir Marcus Smart ou Julius Randle, ambos os quais serão consideravelmente mais baratos. O mercado de agentes livres será difícil para os jogadores na próxima off-season, então uma oportunidade poderá se apresentar aos Spurs em termos de assinar com um atleta de qualidade e renovar o elenco de forma que os coloque em posição de voltar a ser competitivos.

Os Spurs são montados para evitar desastres. Popovich tem a admiração de todos na comunidade do basquete. Eles construíram uma cultura na qual jogadores, técnicos e executivos se sentem empoderados e respeitados dentro de seus papéis. O time ainda é produtivo, apesar de estar sem o seu melhor jogador. Porém, nada dura para sempre, e há rachaduras aparecendo debaixo de seus pés. As decisões que serão tomadas pela franquia nos próximos 12 meses irão determinar se eles continuarão em uma jornada de sucesso, ou se eles terão que brigar vindos de baixo para retornarem ao topo.

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Samir Mello
HIGH FIVE

Jornalista do portal Metrópoles e Mestre em Tradução pela City, University of London; passagens pelas redações do Jornal de Brasília e Correio Braziliense