Luka Doncic não é um Darko Milicic

Vagner Vargas
HIGH FIVE
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18 min readApr 20, 2018

O Wonder Boy está indo para a NBA para mudar como vemos os jogadores importados da Europa

Ilustração: MASA — ESPN

Por Mina Kimes, para a ESPN
Traduzido por Vagner Vargas e Samir Mello
Clique aqui para ler o texto original, em inglês

Durante algum tempo a história de Luka Doncic parecia um mito: o conto de um semideus loiro do basquete com poderes físicos e mentais sobrenaturais. Um adolescente esloveno de 2,03m cujo nome era apenas sussurrado nos cantos mais obscuros da NBA na internet. Embora suas principais jogadas atravessassem o Atlântico de vez em quando, circulando entre aquela galera obsessiva pelo draft quase como um contrabando, elas nunca passaram disso. Fora da Europa, Doncic ainda era um caso abstrato, uma porção de números ligados a um nome. Então, em setembro, ele ficou cara a cara com Kristaps Porzingis e sua fábula de repente passou a parecer real.

No ano passado as seleções europeias de basquete se enfrentaram no EuroBasket, um torneio que leva diversos veteranos da NBA de volta a seus países de origem. Doncic, então com 18 anos, se juntou ao time da Eslovênia, liderado pelo armador do Miami Heat Goran Dragic. Quando a Eslovênia enfrentou a Letônia nas quartas de final, Doncic e Porzingis disputaram arremesso a arremesso. Então, na metade do último quarto, os caminhos dele se cruzaram. Por um momento, o tempo parou. Doncic driblou a bola pelo meio de suas próprias pernas, calculando o gigante pivô dos Knicks quase como um matemático encara uma equação no quadro negro. Porzingis esticou um dos braços parecendo ser feito de borracha. Depois de uma pausa que pareceu interminável, Doncic, conhecido localmente como Wonder Boy (Garoto Maravilha), passou pelo futuro All-Star e converteu uma bandeja, olhando para Porzingis enquanto voltava para a defesa.

O ginásio explodiu. “Queria matá-lo”, diz Porzingis rindo, acrescentando que ele nunca foi um jogador consistente na idade de Doncic. “Não conheço outro garoto europeu que joga em tão alto nível.”

Na verdade Doncic não está jogando melhor que outros adolescentes na Europa — ele também está superando, se não todos, a maioria dos adultos. Ele assinou com o Real Madrid aos 13 anos e estreou na Euro Liga aos 16. Agora, aos 19, está com médias de 22 pontos, 7,6 rebotes e 7 assistências por 36 minutos (até 5 de abril), liderando a segunda melhor liga de basquete do mundo em eficiência. Todo mês diversos olheiros vão para a Espanha na esperança de juntar novas informações que os ajudem a calcular se o valor de Doncic faz jus a todo o hype em torno do atleta. “Nossos relatórios dizem que ele é um jogador muito raro”, diz um dirigente da NBA.

Em 21 de junho Adam Silver provavelmente vai anunciar que Doncic foi escolhido perto do topo do draft. Se ele ficar entre os 3 primeiros, como esperado, será o primeiro europeu a chegar lá desde que Andrea Bargnani foi a primeira escolha em 2006. (Porzingis, famoso pelas vaias da torcida dos Knicks, foi o quarto escolhido em 2015). Quando isso acontecer, alguns fãs inevitavelmente vão protestar. Vão lembrar de Bargnani, Darko Milicic e Nikoloz Tskitishvili, os nomes que assombram todo prospecto europeu como se fossem segredos de família. Vão dizer que Doncic é mole, comparando-o a outros jogadores que lembram o esloveno, e vão criticar a decisão de escolhê-lo antes de outros prospectos que jogaram na NCAA — mesmo que, como diz Porzingis, “não há um jogador universitário capaz de alcançar os mesmos números em um jogo da Euro Liga.” No momento, Porzingis explica, o hype está todo do lado dos norte-americanos.

Mas isso vai mudar em breve, ele acrescenta.

O centro de treinamento do Real Madrid, chamado de Cidade Real Madrid, fica a cerca de 22 km a norte de Madri. Em uma segunda de manhã, as únicas pessoas caminhando pela propriedade são os seguranças. Está tudo tão quieto que você consegue ouvir os cortadores de grama nos campos de futebol à distância. A organização, conhecida pela privacidade, protege seus atletas do mundo exterior. Os jogadores raramente dão entrevistas antes dos 18 anos.

Depois do treino, Doncic sai do ginásio de moletom e com tênis da marca Jordan nos pés, seguido por Alyson, seu assessor, e Julio, funcionário da assessoria de comunicação do Real Madrid. Vestido casualmente, a estrutura física chama a atenção. Se Doncic tivesse nascido em Birmingham, Alabama, em vez de Ljubljana, Eslovênia, ele poderia ter jogado futebol americano. Ele fez a barba recentemente e está com uma aparência angelical, como um garoto em uma pintura renascentista. Quando eu falo sobre a mudança no visual, Doncic, que fala inglês (seu espanhol é impecável), fica corado.

“Eu pareço um bebê sem barba”, diz.

Julio, vestido com um blazer e um cachecol no pescoço, com uma cópia do livro “A segunda Guerra Mundial”, de Winston Churchill, nas mãos, se apressa para nos acompanhar. Doncic nos leva até seu carro, um Porsche elétrico azul (“o carro mais bonito do mundo”, ele brinca) com rodas pretas customizadas. Antes de completar 18 anos, a idade legal para dirigir na Espanha, sua mãe costumava buscá-lo nos treinos.

Depois de parar no posto de gasolina — Doncic vai até a loja de conveniência e volta com as mãos cheias de barras de chocolate Snickers para nós —, dirigimos até Madri. Enquanto Doncic faz uma curva veloz, Julio se encolhe e arruma os óculos. Doncic olha pra ele e ri; como muitos adolescentes, ele tem o dom de sacanear os adultos em sua presença. “Vou mudar para a função “corrida”, diz. Ele passa por algumas estações de rádio que tocam rap até achar uma que toca reggaeton e aumenta o volume. “Por que você está nos torturando?”, pergunta Julio. Alguns minutos depois, Doncic canta alguns versos impublicáveis da música Bad and Boujee, de Migos’. Quando Julio bufa, Doncic sorri e aponta para mim. “Eu escuto com o povo americano”, diz.

O trânsito fica mais lento enquanto a gente passa pelo centro da cidade, e alguns pedestres param pra olhar o carro de Doncic. Ele aponta para uma lanchonete do Five Guys, uma rede norte-americana de fast food. “É incrível”, diz. Dois anos atrás Doncic passou dois anos em Santa Barbara, California, em P3, uma instalação especializada em ciência esportiva que atrai muitas estrelas da NBA. A cidade pareceia uma vila espanhola, ele diz. Nos fins de semana ele viajava para Los Angeles com a mãe e a namorada, que viajou da Eslovênia até lá, visitando a Hollywood Boulevard, a Rodeo Drive (ele ficou impressionado com o tamanho da loja da Nike) e o Six Flags. “LA é incrível para mim. Especialmente os carros”, diz. “Eu estava em Venice Beach para… qual era o seriado que se passava lá, Baywatch? Foi incrível.”

Além desta viagem, o único contato dele com os Estados Unidos havia sido pela TV. Depois de assistir às 10 temporadas de Friends no ano passado ele está trabalhando para terminar How I Met Your Mother e está ansioso para visitar Nova York. “Central Park!”, diz. “Beber café”. Ele conhece alguns jogadores dos Knicks: Porzingis e Willy Hernangomez, que jogava no Real Madrid (em fevereiro foi trocado para Charlotte). Doncic diz que tem mais contato com Hernangomez enquanto joga Call of Duty com ele.

“Eu tentei jogar Call of Duty e fui morto em um minuto”, diz Julio.

Pergunto a Doncic se ele planeja adotar um apelido e ele dá um sorriso maroto. “Swaggy L”, diz.

Julio e Alyson reclamam.

“Swaggy… LD”, ele sugere.

Doncic estaciona seu carro em uma garagem e nos leva a um de seus restaurantes favoritos em Madri: o Hard Rock Cafe. Ele senta o corpo imenso em uma cadeira no canto, do outro lado de um rack com televisões que passam clipes do Kiss. Julio e Alyson sentam do outro lado, e o agente espanhol dele, um ex-jogador do Real chamado Quique Villalobos, senta em uma mesa próxima. Um garçom se aproxima vestindo suspensórios. Doncic, em espanhol, pede as Famosas Fajitas (são ótimas, ele diz) e um prato de nachos. “Com queijo extra”, pede.

Depois que a comida chega, pergunto a Doncic se ele recebe mensagens de fãs da NBA pelas redes sociais. Ele acena concordando, mais uma vez corando. “Alguns dele me escrevem “Tank for Luka””, diz. “Não sei. Eu apenas dou risada”. Quando checa de onde são essas pessoas, ele vê que são de cidades como Chicago, Orlando, Phoenix e Dallas, lugares que ele nunca viu e muito menos considerou como parte de sua vida adulta. Ele fica relutante para falar sobre o futuro. A temporada do Real Madrid está apenas na metade e alguns torcedores acreditam que ele vai ficar por mais um ano. “Você nunca sabe o que pode acontecer no futuro”, Doncic diz, dando uma rápida olhada na direção de Julio, que está mexendo no celular. “Quero me concentrar onde estou agora.”

Enquanto Doncic é extremamente vibrante dentro de quadra — os jogos dele são marcados por comemorações acentuadas e reações passionais, uma delas que acabou resultando em expulsão recentemente — ele deixa escapar pouca emoção sobre tudo isso, especialmente quando pressionado a falar sobre seus próprios feitos. Ele é rápido para despistar perguntas sérias com um humor seco.

Foto: Getty Images

Villalobos o descreve para mim como alguém reservado, o total oposto de Dragic, segundo ele (os dois têm o mesmo agente). Pergunto quais as semelhanças entre eles.

“Sou mais bonito”, Doncic interrompe.

Villalobos rola os olhos para cima. “Ele é muito mais fechado”, diz. “Goran? Ele mostra que gosta de você na hora. Luka precisa te conhecer por cinco anos.”

Enquanto conversamos Alyson liga para Dragic, que tem mantido contato com Doncic desde o EuroBasket, servindo como um mentor enquanto ele se prepara para a NBA. Segundos depois a cara dele aparece no telefone. Ela passa para Doncic, que pede para ele tirar o boné e mostrar o novo penteado. Eles conversam em esloveno por um minuto e Duncic cai na gargalhada. Quando a ligação termina, pergunto o que Dragic disse.

“Ele disse ‘estamos perdendo em Miami, então você pode vir”, diz.

O primeiro jogador a trocar o leste europeu pela NBA via draft foi um búlgaro chamado Georgi Glouchkov, um ala de força conhecido como o Balkan Banger que deixou a liga depois de uma temporada, entre 1985 e 1986. Muitos anos depois, o estereótipo dos europeus de serem jogadores lentos e fracos persistiu, mesmo com Toni Kukoc, Drazen Petrovic e Vlade Divac terem sucesso na NBA. Então, no começo dos anos 2000, o sucesso de Dirk Nowitzki, escolhido no draft pelo Dallas Mavericks, deu início a uma enxurrada de estrangeiros na liga. Em 2003, os times da NBA recrutaram o que à época foi um recorde de 21 jogadores internacionais no draft. Naquele tempo, os dirigentes admitem hoje, eles estavam selecionando os jogadores às escuras. Muitos times não contavam com estrutura para avaliar os estrangeiros e também para auxiliar na transição para os EUA. Enquanto alguns conseguiram virar verdadeiras estrelas, como Manu Ginóbili e Pau Gasol, outras escolhas deixaram verdadeiros traumas. O fracasso de Kwame Brown não prejudica outros norte-americanos como a história de Milicic faz com outros atletas do leste europeu.

Anos passaram e prospectos evoluíram. Em 2013, Giannis Antetokounmpo e Rudy Gobert entraram na liga. Um ano depois, Dario Saric, Jusuf Nurkic e Clint Capela foram selecionados. O aumento do número de europeus não é um acidente, de acordo com Maurizio Gherardini, ex-GM assistente em Toronto e agora GM do Fenerbahce, da Turquia. “É o reflexo de uma aproximação progressiva. Os times da NBA estão prontos para absorver o talento que está chegando”, diz.

Outros apontam para uma evolução da NBA em si. “Acho que ajudou o fato de, ao longo do caminho, as regras terem mudado”, diz Nowitzki. Depois que a liga passou a punir a agressividade e o jogo físico, o foco da NBA mudou de força para técnica, se aproximando do jogo internacional. “Tudo isso obviamente ajuda alguns europeus”, diz.

Mesmo assim, alguns times ainda ficam apreensivos de escolher jogadores europeus nas primeiras posições do draft. Embora poucos admitem em rotular estrangeiros, é inegável a maior familiaridade com estrelas do college. Um executivo especula que seus colegas talvez tenham mais medo em escolher um bust europeu do que um americano simplesmentes porque a repercussão seria maior. Outro afirma que pode ser difícil convencer os donos das franquias, que são rápidos em lembrar de nomes como Bargnani. “É como deixar de ver um filme porque você viu um há cinco anos e foi ruim”, o executivo compara. “Se eles seguem basquete universitário, eles se sentem muito mais confortáveis com o conhecido”.

Ironicamente, Doncic pode ser a comodidade mais bem conhecida do basquete. “Ele foi visto, estudado e avaliado por todos”, afirma Gherardini, que brinca: “Eu sei da existência dele desde o seu nascimento!” Dada a sua idade, a produção de Doncic é praticamente inédita; rotações na EuroLeague são mais profundas que na NBA, o que torna difícil jogadores jovens terem mais minutos significativos. (Diversos executivos me afirmaram que times da EuroLeague iriam destruir esquadrões universitários.) De acordo com Kevin Pelton, da ESPN, Doncic tem a maior projeção de wins above replacement (WARP) de qualquer prospecto europeu desde 2006, quando a estatística começou a ser computada. Baseado nos cálculos de Pelton, que levam em conta idade e como outros prospectos europeus atuaram na NBA, o WARP de Doncic não é apenas mais alto do que o de Ricky Rubio ou Nikola Jokic — é também o mais alto da história, superando até um jovem Anthony Davis.

Apenas pelos números, Doncic é praticamente uma aposta certa.

Porém, entre executivos da liga, a pergunta não é se o adolescente esloveno vai fracassar — quase ninguém pensa assim. A questão é se o seu potencial é alto o bastante para justificar escolhê-lo à frente de caras como Deandre Ayton ou Marvin Bagley III. Embora Doncic não seja lento, ele não é excepcionalmente rápido ou forte. “O corpo dele é fisicamente maduro, então você se preocupa em quanto mais irá mudar — qual é o potencial de verdade”, analisa um funcionário de uma equipe. Quando times mandaram seus melhores atletas para marcá-lo, ele teve dificuldades para conseguir espaço. No outro lado da bola, ele é um defensor competente, mas ele não é ágil o suficiente para acompanhar armadores habilidosos.

E, no entanto, quando especialistas da NBA criticam o jogo de Doncic, eles rapidamente admitem o preciosismo. Ele pode ser limitado na defesa, mas ele ainda consegue jogar em múltiplas posições, se ajustando às escalações múltiplas da liga. Quando Doncic está com a bola, parece que lhe deram uma lanterna, enquanto o resto dos presentes em quadra está no escuro; ele vê ângulos para passe antes que eles se materializem, o tornando mortal no pick-and-roll. “O jogo dele é muito mais maduro que a idade”, explica outro membro de diretoria da NBA. “Sabe todo os clichês idiotas que você vai ouvir? É porque eles são todos verdade”. As médias de aproveitamento em arremesso de Doncic pioraram ao longo da temporada — 31% de 3, 47% no total até 5 de abril — mas sua técnica é correta, sugerindo mais fadiga e seleção de chutes do que uma crítica a sua habilidade natural.

Em dezembro, durante um jogo da EuroLeague contra o Crvena Zvezda, de Belgrado, Doncic não parece cansado, mas sua falta de velocidade aparece às vezes. Quando ele corre de volta para a defesa, ele se arrasta um pouco, com passos pesados na quadra. Seria absurdo dizer que ele não é atlético, mas ele não é gracioso; ele usa seu corpo para criar espaço como uma pessoa tentando entrar em uma conversa.

Daí, quando você está tentado a tirar conclusões apressadas de sua aparente falta de técnica, algo se encaixa. Os pivôs do Real Madrid fazem uma série de bloqueios, Doncic corta para dentro e converte um arremesso. Alguma posses depois, ele atrapalha um arremesso e corre pela quadra, enterrando em uma ponte aérea e se pendurando no aro por um momento como um peixe preso a um gancho. (“Ele gosta de fazer isso”, comenta seu agente, Bill Duffy, sentado à minha esquerda.) Segundos depois, ele dribla um defensor e converte uma bola de três no step-back, depois um par de lances livres, depois, mais uma cesta de três.

Em cinco minutos, Doncic marcou 12 pontos.

Quando o segundo quarto começa, Doncic não marca tantos pontos, e a gritaria na arena diminui — até que ele faz um lance tão impressionante que eu só percebi o que aconteceu depois que retornei para os Estados Unidos e assisti aos melhores momentos. Ele dribla atrás do perímetro, onde recebe marcação dupla de defensores sérvios. Eles se aproximam de Luka, levantando os braços como crianças fingindo serem múmias. Quando Doncic tenta enganá-los, ele cai para trás e, no processo de perda de equilíbrio, acerta um passe de mais de 7 metros para um companheiro livre no garrafão, permitindo que ele faça a cesta.

O comentarista ri. Não há muito o que dizer.

Doncic e sua mãe, Mirjam Poterbin, vivem em um subúrbio quieto de Madri, em uma casa moderna em um condomínio fechado. Em uma tarde chuvosa, Doncic está assistindo à TV eslovena na sala, espalhado em uma cadeira bem ao estilo adolescente — deitado de costas com o queixo no peito e as mãos no celular. Perto do sofá tem uma escrivaninha com uma cadeira ergonômica específica para jogar. Doncic diz que fica de duas a três horas por dia jogando jogos como FIFA e Overwatch. (Na maior parte do tempo, quando eu venho para casa, vejo Luka jogando”, diz Hernangomez.)

Mirjam se mudou para cá dois anos atrás para morar com ele. “Ele é muito maduro por causa da vida que leva — teve que ir embora muito cedo. Mas, quando está em casa, é um adolescente.”

Doncic nasceu em Ljubljiana, onde seu pai, Sasa, jogou para uma das melhores equipes de basquete. Quando criança ele costumava ser o responsável por limpar o piso da quadra nos jogos, ocasionalmente arremessando uma bola ou outra nos intervalos. Os pais dele se separaram quando Doncic tinha 8 anos e, desde então, Mirjam, uma ex-modelo que abriu uma loja de produtos de beleza, foi quem cuidou dele. Hoje, Sasa é técnico de um time esloveno. Quando pedi para ele falar mais sobre o relacionamento deles, Luka negou.

Foto: OZAN KOSE/AFP/GETTY IMAGES

Doncic entrou para um programa de basquete de seu país quando tinha 9 anos. Com quinze minutos de treino os treinadores o colocaram do outro lado da quadra, onde os meninos mais velhos treinavam. O técnico do clube, Jernej Smolnikar, diz que o estilo do Doncic criança lembrava seu estilo como adulto, não por que ele conseguia fazer coisas incríveis, mas por que ele sabia que era possível fazê-las. “Ele sempre enxergava um passe que ninguém mais via ou tinha a coragem de chutar uma bola de 3 depois de um step back”, diz Smolnikar. “Nos primeiros três anos ele não conseguia executar… mas dava pra ver o talento nele.”

Quando Doncic era um garoto de 13 anos e 1,87m, a parte física de seu jogo alcançou a parte mental. Como muitos prodígios, o domínio dele chegava a ser cômico. Se você nunca tivesse assistido a um minuto de basquete na sua vida, você podia procurar na internet um vídeo com melhores momentos de uma partida em que ele fez 54 pontos em um torneio na Itália em 2012 (inexplicavelmente embalado pela música Tears of the Dragon, de Bruce Dickinson) e imediatamente reconhecer que aquele garoto loiro dando passes por trás das costas seria uma estrela.

Doncic dá de ombros quando perguntado sobre aquele jogo. “Eu era mais alto que todo mundo.”

Pouco depois daquele torneio o Real Madrid levou ele e sua mãe para a Espanha, onde o time ofereceu um contrato de vários anos, tornando Doncic um dos jogadores mais jovens a ser recrutado pela equipe fora do país. Para Mirjan, a decisão de mandá-lo embora foi agoniante. “Eu disse ‘talvez você possa esperar um pouco’”, ela diz. “Ele respondeu ‘Mãe, eu quero ir’”. No voo de volta para a Eslovênia, ela chorou tanto que teve que ser amparada pelos comissários de voo.

Doncic, que raramente admite sentir qualquer situação de estresse, admite que o ajuste à vida na Espanha foi surpreendentemente difícil. À época, ele não falava espanhol — “só sabia dizer hola e violão” — e tinha que se comunicar com o primeiro técnico por mímicas. Ele vivia em um quarto pequeno com dois garotos, um espanhol e um bósnio, passando a maior parte do tempo na aula ou nos treinos. “Nos primeiros três, quatro meses foi muito difícil”, lembra.

Vários dirigentes da NBA com quem falei classificaram essa precocidade como uma vantagem. Eles também ficam entusiasmados com o fato de ele ter passado muito tempo no vestiário com jogadores profissionais. Dragic, que viveu com Doncic durante o EuroBasket, diz que ficou impressionado com a facilidade com que o jovem se adaptou ao seu papel no time. “Eu estava meio cético no início. Como vou jogar com Luka? Nós dois precisamos da bola na mão. No fim das contas nós coexistimos perfeitamente”, diz.

Assim como Dragic, Igor Kokoskov, assistente técnico do Utah Jazz e técnico da Eslovênia na competição, ficou impressionado com a precocidade de Doncic. “Liderança e presença na quadra. Você não consegue ensinar essas coisas.” De alguma maneira o passado de Doncic o moldou no jogador que é hoje: um adolescente que enxerga o jogo e se move em quadra como um homem experiente, sem transparecer as inseguranças normais para alguém sem tanta experiência. Mas isso também o transformou de maneiras desconhecidas. “Ele perdeu parte da vida, a infância no basquete. Teve que amadurecer muito rápido”, diz Kokoskov.

Doncic admite que passar parte de seus anos de formação a mais de 1.600km de casa e longe da família e amigos o fez pensar em desistir. “Mas toda pessoa que busca uma vida no esporte pensa que queria ser um adolescente normal.”

Pergunto o que ele faria se não jogasse basquete. “Talvez fosse cantor?”, diz ele, sorrindo. Depois ele sacode a cabeça. “Nunca pensei sobre isso.”

Quando os playoffs da NCAA começaram, Doncic sofreu uma pequena lesão na coxa e que o deixou parado por duas semanas. Em uma sexta à tarde ele dirige até a Cidade Real Madrid para realizar o tratamento e me encontra em um calmo restaurante espanhol perto de sua casa. A gente pega uma mesa no canto — desta vez só nós dois — e pede um café. Quando eu aponto para um grupo de homens sentados perto da entrada, Doncic me explica que são jogadores do Atletico de Madrid. Uma vez por ano, ele diz, os times de basquete e de futebol do Real Madrid se juntam para jantar. Pergunto o que ele acha da fama de Cristiano Ronaldo. “Ele é muito famoso. Não pode sair na rua”, responde.

Doncic pode andar por Madri sem chamar muita atenção, mas ele já é tratado com estrela em seu país. Milhares de eslovenos marcharam até Istambul para assistir o EuroBasket, chegando a passar 15 horas em um ônibus para acompanhar o primeiro título da seleção. Não é incomum ver crianças em Ljubljana vestindo camisetas de Doncic. Além disso, a mídia local acompanha cada passo dele. A prima de Mjrjam, Dolman, me disse que ele é a pessoa mais famosa da Eslovênia, atrás apenas de Dragic, Melania Trump e a “mulher que grudou dinheiro no corpo no filme O Lobo de Wall Street.”

Enquanto a maioria dos fãs norte-americanos não ouviu falar de Doncic, ele já é uma espécie de queridinho de quem acompanha o draft e é o assunto em vários debates em fóruns de basquete. Nos últimos meses alguns de seus melhores momentos causaram uma onda de surpresa, incluindo uma cesta da quadra de defesa, uma sequência de dribles (ankle breakers) e uma cesta de trás da tabela convertida com a tranquilidade de quem está jogando um papel no lixo (a jogada não valeu por que o jogo estava parado). Pergunto se ele tem evitado os rankings e mocks do draft e ele segura o café entre suas mãos gigantes. “Estou tentando… mas eu olho”, admite. “Eles dizem ‘oh, você é tão bom!’ Daí você tem um jogo ruim e você é péssio”, diz. “Estou tentando ler menos.”

Foto: JERJNE POTERBIN

Sem os assessores à sua volta, Doncic parece mais aberto e relaxado. Quando ele menciona que acompanha a NBA de perto, pergunto o que passa na cabeça dele quando ele assiste aos jogos e ele ri. “Poderia ser eu sendo driblado!” Ele diz que gosta da velocidade do jogo e de como o pick and roll prevalece. Seus jogadores favoritos são LeBron James, Kevin Durant e Kyrie Irving, mas ele tem gostado de assistir Ben Simmons em ação. “Acho que somos parecidos, sabe?”, diz. “Ele pode jogar de armador ou de ala. Pode fazer um monte de coisas, como LeBron.”

Os próximos meses vão ser um furacão de emoções. Depois do sorteio da loteria, em 15 de maio, Doncic não vai ter tempo de viajar para os Estados Unidos para treinar nas equipes; a temporada do Real Madrid pode durar até junho, o que significa que ele perderia o draft. Ele planeja voltar para Santa Barbara no meio do ano para trabalhar em sua velocidade e explosão física, além da parte defensiva. Quando pergunto se sua mãe vai para os EUA com ele, ele murmura um “talvez”, depois se corrije. “Mas se ela for, vamos morar em apartamentos diferentes”, diz, sentando um pouco mais ereto na cadeira.

Sua vida vai ser tão diferente daqui um ano.

“Talvez”, ele diz. “Se tudo der certo.”

Com o que isso se parece pra você?

Ele pausa por alguns segundos, baixando seus olhos azuis. “É incrível, mas… não dá pra saber.”

Ele insiste que as incertezas não causam medo. “Só quero jogar basquete”, diz. Em alguns meses ele vai entrar em um avião e voar para o outro lado do mundo, para um cidade que provavelmente nunca viu e ficar sob as luzes de um holofote que só vai ficar mais e mais forte. A partir deste ponto tudo que ele encontrar será novo e estranho — menos aquela faceta de sua vida que ele mais gosta e que menos mudou. Quando pergunto por que o basquete o faz tão feliz, ele me olha com uma expressão intrigada e penso rapidamente se eu preciso fazer a pergunta com outras palavras para ver se ele vai entender. “Por que eu amo fazer isso”, diz. Então ele termina, levanta o café e deixa o restaurante despercebido. Talvez pela última vez.

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