High Five entrevista // Horace Grant
Tetracampeão da NBA por Chicago Bulls e L.A. Lakers fala sobre carreira, Michael Jordan, Kobe Bryant, os famosos óculos e como enxerga o basquete norte-americano atualmente
por Vagner Vargas
Eram mais ou menos 11h30 de sexta-feira (21.08) quando Horace Grant apareceu. Entrou em uma das quadras montadas no Parque da Cidade, em Brasília, para a edição da capital do NBA 3X. Ao lado de três jogadores em atividade do UniCeub/Brasília, deu para imaginar o quanto o ala-pivô intimidava ao longo das 17 temporadas em que atuou na liga norte-americana.
O sol quente e a baixa umidade do ar maltratavam a todos, mas Grant não tirou o sorriso do rosto, embora tenha recorrido a uma toalha para aliviar o calor na cabeça. Tirou fotos com os atletas, cumprimentou a todos e cumpriu tudo que o papel de embaixador exigia.
Depois, já sentado no sofá à sombra de uma tenda, conversou com quatro repórteres que estavam ali. Não parecia uma entrevista. Nada de formalidades. Uma rodinha se formou ao redor do ala-pivô quatro vezes campeão da NBA, que começou a contar suas histórias.
Três títulos com o Chicago Bulls e um com o Los Angeles Lakers, o quase com o Orlando Magic, o reencontro com Shaq e Phil Jackson, a diferença da NBA atual para a da sua época, a história dos famosos óculos, sua marca registrada…
Em um ambiente bem descontraído, Grant falou por mais de 15 minutos, rindo e arrancando risadas, com uma simplicidade e simpatia que o distanciaram de uma forma positiva do status de tetracampeão da NBA, como o anel usado no dedo mínimo não me deixava esquecer.
É sua terceira vez no Brasil, podemos dizer que você gosta do país, né?
Eu absolutamente amo aqui. Desde as pessoas, a atmosfera, a comida… É um ótimo lugar para ter um grande evento como o NBA 3x.
Como é a vida depois da NBA?
A vida é muito boa depois da NBA. Eu digo isso porque ainda estou envolvido com a liga como um embaixador. Eu viajo pelo mundo todo fazendo eventos como esse (NBA 3X) e tenho a chance de conhecer novas pessoas, novas culturas, aproveitar a presença das crianças, e muita comida boa. Tem sido ótimo.
Por que você acha que foi escolhido como embaixador?
Minha reputação fala por si, dentro e fora da quadra. Em quadra eu jogava duro e não recebia muitas faltas técnicas (risos). Fora dela, você nunca viu meu nome em manchetes ou fazendo coisas malucas que outros jogadores faziam no passado. Acho que encaixou bem tanto para mim quanto para a NBA.
Como você vê o jogo hoje em dia na NBA?
Bom, quando eu jogava, muitos anos atrás, na era dos dinossauros (risos), eu acho que o jogo era mais físico e de fundamentos. Agora o jogo não permite o hand checking e você não pode tocar em ninguém que é falta. Se eu fosse Adam Silver (comissário da NBA) e pudesse fazer as coisas do meu jeito, eu permitiria mais contato. Não é que eu queira que haja brigas ou coisas do tipo, mas acho que os fãs querem um jogo mais físico.
Como você acha que se encaixaria no jogo de hoje?
Eu teria que me adaptar, chutar algumas bolas de três e coisas assim. Mas eu acho que me adaptaria muito bem.
Você consegue se lembrar de alguma bola de três convertida na carreira?
Uau… não. Até por que eu joguei com os maiores fominhas. Shaq e Kobe, Michael e Scottie, então eu nunca tinha a bola nas mãos (risos). Eu também acho que Phil ficaria maluco se eu sequer cogitasse arremessar uma bola de três. (risos)
Quem foi seu melhor colega de time?
É tão difícil. Todos eles tinham suas especialidades. É difícil escolher um, mas se eu tivesse que escolher, seria meu amigo Scottie (Pippen). Nós entramos juntos na liga em 1987 e somos melhores amigos desde aquele tempo até agora.
Depois de ganhar três títulos pelos Bulls, você foi jogar no Orlando Magic e quase chegou lá de novo. O que você se lembra daquele ano, jogando com Shaquille O’Neal, Penny Hardaway…
Foi um grande ano. Não esperava que chegássemos à final logo no primeiro ano, mas eu sabia que tínhamos o talento. Shaq, Penny, Nick (Anderson), Dennis (Scott), eu, Brian Shaw saindo do banco e vários outros caras. Era uma equipe jovem. Infelizmente não conquistamos o título. Se aquele time tivesse permanecido junto, eu nos via conquistando vários títulos.
O que faltou para conquistar o título em 1995?
Enfrentar um time como o Houston Rockets, que tinha conquistado o título no ano anterior e tinha jogadores experientes como Hakeem (Olajuwon), Clyde (Drexler), Robert Horry, Kenny Smith… Eles tinham um pouco mais de experiência que a gente.
E eles tinham Hakeem Olajuwon, né?
Cara, Hakeem Olajuwon era… Uau! Um pivô que corria como um ala, dava tocos, fazia pontos, dava assistências. Não havia uma falha em seu jogo. Foi uma das razões pelas quais eles ganharam dois títulos seguidos.
Naquele ano vocês eliminaram o Chicago Bulls nos playoffs. Como foi para você, que tinha jogado em Chicago tanto tempo?
Vencer Michael e Scottie em qualquer coisa é excelente (risos), de um ponto de vista pessoal. Como equipe, foi algo como a pedra fundamental para que nós pudéssemos ser um time de verdade. Vencemos os Pacers, chegamos à final e sentíamos que tínhamos uma equipe capaz de ser campeã.
Alguns anos depois você teve a oportunidade de jogar em Los Angeles, com Shaq, e Kobe. Como foi essa experiência?
Foi a oportunidade de me reunir com Shaq e Phil Jackson (técnico campeão pelos Bulls). Eu sabia o que esperar deles e tive que conhecer Kobe e os outros jogadores do time. Mas pela minha experiência, os títulos no Chicago Bulls e a final pelo Orlando Magic, eu sabia o que esperar de todo mundo. Foi um encaixe muito bom para mim e para os Lakers. Não foi nada inesperado.
Você teve a oportunidade de jogar ao lado de Jordan e Kobe. Eles realmente têm estilos de jogo parecidos? Você viu isso em L.A.?
Sim, é como 1 e 1A. Eu diria que Michael é 1 e Kobe é 1A. Eu digo isso em respeito ao fato de Michael ter conquistado seis títulos e Kobe cinco. A paixão deles pelo jogo, a competitividade, a capacidade de levar o time à vitória quando nós achávamos que havíamos perdido. Esses dois caras vinham e faziam 15 pontos em oito minutos e venciam a partida. Então… 1 e 1A. É isso.
Você faria alguma coisa diferente na sua carreira?
(Pensa por alguns segundos) Não. Quando eu saí de Chicago como um free agent, minha atenção estava no Orlando Magic, no jovem Shaq, no jovem Penny. Eles eram a equipe que estava crescendo e com talento. Meu objetivo era ajudar aquela equipe a vencer campeonatos. Fora isso, eu não faria nada diferente na minha carreira.
Os famosos óculos
Eu era praticamente cego. Phil Jackson sempre nos dava livros para ler e, uma noite, depois de um jogo, eu estava lendo um desses livros e um dos nossos técnicos me viu e disse que, quando voltássemos, eu teria que fazer exames de vista novamente. Fui ao médico e ele disse que não acreditava que eu havia passado nos testes. Eu tinha uma fobia de colocar lentes de contato nos olhos, então isso estava fora de cogitação. Me disseram: “você precisa enxergar quando está na quadra”, então me mostraram três pares de óculos diferentes e colocaram as lentes que eu precisava. Acredite, eu vi quão feios Scottie e Michael eram (risos). Isso me ajudou. Mais tarde, eu fiz a cirurgia a laser. Antes disso, pais e avós vinham até mim e me agradeciam por usar os óculos, pois os filhos ou netos deles não eram mais provocados por causa disso, era algo que os tornava legais. Então eu tirei as lentes antigas, coloquei lentes novas sem grau nenhum e continuei usando.
Como jogador, como era a convivência com Phil Jackson? O que você pode nos contar sobre ele?
Ele é mais do que um técnico. É um mentor e um amigo. Nós conversamos a cada duas semanas mais ou menos até hoje. Ele me ensinou que você não pode se preocupar com o amanhã, com o futuro, você precisa viver o momento, o agora. Eu adotei isso para a minha vida pessoal também, para a minha família e nunca fui tão feliz. Para um cara que tem que lidar com tantas personalidades diferentes e egos em um time, e alcançar tanto sucesso, isso mostra o tipo de técnico e pessoa ele realmente é.
Além de dar livros aos atletas, que outras atividades ele passava para vocês?
Nós começamos a fazer tai chi antes dos treinos. Quando você é tão alto e negro, você não faz tai chi tão bem (rindo). O mais interessante era ver Shaq fazer tai chi, se equilibrando em uma perna só. Era cômico. Antes ou durante as reuniões, ele acendia um incenso gigante na sala para afastar os espíritos maus e nós ficávamos engasgando nos encontros. E sempre que ele nos mandava meditar, metade dos caras acabava dormindo. A única vez que ele notou isso foi quando Shaq começou a roncar. Daquele dia em diante, ele passou a deixar as luzes acesas quando meditávamos. Tivemos alguns momentos bem interessantes.
O que você achou da última final da NBA?
Acho que foi uma das melhores finais em um longo tempo. VocÊ tinha dois dos melhores jogadores em atividade (LeBron e Steph). O jeito que LeBron manteve os Cavs no jogo sem Kyrie Irving e Kevin Love foi incrível. Mas Stephen Curry, cara… Eu me lembro de jogar contra o pai dele, Dell Curry, no meu tempo. Eu cheguei a vê-lo quando criança. Isso mostra que não importa quão pequeno você é, se você se dedicar, trabalhar e ser apaixonado pelo que faz. Ele é um grande exemplo de trabalho duro. O jeito que ele deu um show nos playoffs e nas finais, foi muito interessante.
Depois do papo, notei o anel de campeão do Horace Grant e pedi para tirar uma foto, na mão dele mesmo. Na mesma hora ele tirou o anel e me entregou. “Tenho os outros três aqui também”, disse, pegando os outros três anéis e me entregando. Momento épico.