Subvalorizado

Samir Mello
HIGH FIVE
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11 min readJan 11, 2019

Por Steph Curry
Traduzido por
Samir Mello
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Steph Curry parece que pertence a um time amador

Risos Eu perguntei para o cara da loja se eles tinha uma camisa do Steph Curry e ele respondeu “desculpa, nós não temos material de jogadores fracos”

É o verão de 2001, eu tenho 13 anos, e nós estamos em um torneio amador no Tennessee.

Eu tinha 1.65m, 1.67m no máximo, e pesava uns 45 quilos.

Nós perdemos feio, e eu joguei pior.

Eu havia finalmente recebido a chance pela qual eu estava esperando, de descobrir qual era o meu nível…e eu falhei. Falhei feio. Foi realmente um divisor de águas, um momento de verdade — no qual só uma lição poderia ser tirada: que eu simplesmente não era bom o suficiente.

Eu me lembro de voltar para o nosso hotel, e eu estava calado. Tipo, eu não estava puto, ou chateado com a derrota. Eu simplesmente estava…triste. Escondido em meu casco de tartaruga. Eu estava me sentindo…bem, eu acho que estava me sentindo da forma como somos ensinamos a nos sentir nesses campeonatos grandes e nessa cultura implacável do basquete: como se nós estivéssemos em uma jornada na qual é matar ou morrer. Meu pai embarcou nessa jornada, e ele conseguiu entrar na liga. E seu filho? Seu filho não conseguia nem deixar sua marca contra outras crianças de 13 anos.

Então, como eu disse, eu não tava irritado. Eu estava tipo — Ah, ok. Então é isso? Eu não sou bom o suficiente? Acabou?

Pra mim, naquele momento, parecia que tinha acabado mesmo.

Mas foi também naquele momento que meus pais sentaram comigo — naquele quarto de hotel no Tennessee — e tiveram comigo, provavelmente, a conversa mais importante de toda a minha vida.

Eu queria ter a transcrição da conversa pra vocês, pois havia muita sabedoria ali. Basicamente, minha mãe liderou o momento. Ela disse: Steph, eu só vou te falar isso uma vez. Depois disso, do seu sonho no basquete…vai acontecer o que tiver de acontecer. Mas presta atenção: NINGUÉM deve escrever sua história, senão você. Nenhum olheiro. Nenhum campeonato. Nenhuma dessas crianças, que fazem isso ou aquilo melhor. E nem o seu sobrenome. Nenhuma dessas pessoas, e nenhuma dessas coisas serão os autores da sua história. Só você. Então pense bem sobre isso. Tome o seu tempo. E depois, vá escrever o que você quiser escrever. Mas saiba que essa história é só sua.

Cara…esse momento permaneceu comigo.

Permaneceu comigo durante os meus anos de desenvolvimento, e permaneceu comigo durante toda a minha carreira como um jogador de basquete até aqui. É o melhor conselho que eu já recebi. E sempre que eu precisei dele — sempre que eu fui esnobado, subvalorizado ou até desrespeitado -, eu simplesmente lembrei dessas palavras e segui em frente.

Eu disse a mim mesmo, Ninguém deve escrever essa história, senão eu. Ninguém deve escrever essa história, senão eu.

A ESPN diz que os Knicks devem escolher Steph Curry no draft. Blah.

Steph Curry nunca vencerá um título

Espera aí. Você não achou que esse seria um daqueles contos de fadas no qual a criança recebe um conselho motivador, e as coisas imediatamente mudam para melhor, certo? Porque…

Realmente não foi assim.

Cara. Eu ainda estava tão abaixo do radar que era impressionante.

Eu lembro que parte do problema era o quão magrinho eu era. Tipo, podem acreditar, eu era muito muito muito magro. Não conseguia ganhar peso pra salvar minha vida. Eu e meu primo, Will, costumávamos visitar a loja de suplementos de um pequeno shopping perto do nosso bairro — e apenas olhar para as vitrines, esperando que um milagre acontecesse. Nós nunca tínhamos nenhum dinheiro, então não podíamos comprar nada. Mas eu acho que nós estávamos tentando…sabe que eu nem sei. Respirar o aroma mágico da loja de suplementos? Nós ficávamos lá por 20 minutos, olhando para aquelas embalagens gigantes de vitamina.

E daí, um dia, do nada — aconteceu.

Nós ficamos rasgados.

Nah. Estou brincando. Nós nunca, nunca, nunca ficamos rasgados. E, honestamente, tirando crescer alguns centímetros, esse foi basicamente o que os olheiros escreveram sobre mim pelo resto do ensino médio: baixinho, magro, arremesso ok.

Você pode adivinhar qual foi a recepção.

Steph Curry não é um atleta de destaque. Ele não é muito rápido. Ele não controla a bola ou passa a níveis altos.

Os tornozelos de Steph Curry são feitos de vidro.

Eu me lembro da primeira olhada que recebi de uma faculdade, no meu último ano na escola — quando Virginia Tech tinha algum interesse.

Ou devo dizer, demonstrou algum interesse.

Se você prestasse atenção, não parecia tão ABSURDO eles me quererem: meu pai foi para lá…eu fiz alguns comentários de que gostaria de ir pra lá…e eu estava finalmente começando a jogar um pouco melhor.

E quando um técnico assistente deles se ofereceu para aparecer na minha escola um dia — para ME VER?? Bem, vamos apenas dizer que eu realmente prestei atenção.

Eu realmente comecei a pensar que eles fariam uma oferta.

Eu sugeri que nós nos encontrássemos para almoçar — sutil, né? Bem profissional. Exceto que…eu tinha 16 anos, e estudava em uma escola pequena, com 360 crianças. E “almoço” literalmente significava “na lanchonete”. Na frente de todo o corpo estudantil. Então, nem tão sutil.

Então o grande dia chega, e finalmente estamos na hora do almoço. O técnico assistente entra no ambiente. Ele está vestindo uma camisa polo do time, assim como o boné. Nós nos cumprimentamos, sentamos e — sejamos sinceros: eu estou me achando. A ESCOLA INTEIRA parece que está falando sobre mim e minha reunião. Um salão cheio de pessoas fazendo o “Eu não estou olhando (mas estou 100% olhando)”. É basicamente um almoço de negócios. Eu estou no topo do mundo.

Então…o cara manda essa:

“Então, Steph, obrigado pela reunião. Realmente um prazer. Nós gostaríamos de te convidar para uma sessão de treinos”.

Pelo visto, Virginia Tech só estava se reunindo comigo porque — bem, eu não diria como um favor para o meu pai, porque ele nunca pediria por algo assim, mas foi tipo…uma cortesia? Uma sessão de treinamento para o filho de uma lenda? Eu teria que criar meu próprio caminho.

Ou, em outras palavras: eles não estavam interessados.

Fournier está atacando Steph Curry em cada jogada. Curry é um defensor terrível e o país está prestes a descobrir

Steph Curry é o jogador mais supervalorizado da história da NBA

Eu me lembro do quanto a nossa experiência em Davidson nos fez…humildes.

O que, em primeiro lugar, é engraçado — porque, agora, está tudo bem. Tipo, sério: se você está lendo isso, vá para Davidson. É uma escola sensacional, com um programa de basquete excelente. Mas quando eu fui para lá, o que eu mais me lembro é do quão clara e alta era a mensagem de que nós não estávamos jogando basquete universitário em alto nível. Cara, tipo, nós éramos atletas/ESTUDANTES. ESTUDANTE fonte 100, atleta fonte 12. Nós éramos atletas do tipo “legal que você joga basquete, mas eu vou precisar que você faça aquele trabalho de filosofia”. Nós compartilhávamos uma quadra com o time de vôlei.

E eis o resumo do equipamento: dois pares de tênis por ano, duas ou três camisas — mais um par de protetores de tornozelo. Eu honestamente acho que é isso. Uma das minhas memórias favoritas até hoje é dos treinos quando nossos equipamentos novos chegavam. Era como um segundo Natal. E em relação aos protetores de tornozelo….cara. Era toda uma situação. Vamos apenas dizer — eles eram brancos no começo da temporada. E, no fim, eles eram de outra cor.

Mas passei por tudo isso com muito amor. Ir para Davidson, e jogar — e vencer — naquele nível do esporte….me fez quem eu sou hoje, de certa forma. Me fez entender o que significa construir algo. Tipo, realmente construir algo. Algo que ninguém nunca poderá tirar de você. Algo que é só seu.

E é interessante — o que eu mais vou me lembrar do meu tempo como um Wildcat? Eu tenho certeza que todo mundo diria nossa vitória sobre Wisconsin no Sweet Sixteen, ou mesmo nosso jogo contra Kansas no Elite Eight. Mas não é nenhum desses.

É uma memória entre ambos os momentos.

Eu estava voltando do jantar, após o treino — a noite anterior ao jogo contra Kansas. Eu estava caminhando pelo corredor. E aconteceu a coisa mais estranha: eu virei a curva no fim do corredor…e encontrei metade do time. Os caras estavam sentados ali, no chão, com suas roupas de treino e seus laptops grandes de 2007. Tipo, um bando de caras que haviam acabado de surrar Georgetown e Wisconsin, sentados no chão, digitando.

Eu estava tipo: “Hmmmm…o que vocês estão fazendo?”

O grupo inteiro respondeu em uníssono: “Provas”.

Não, sério. Essa história é real. Faltam 12 horas para o Elite Eight, 12 horas para o jogo mais importante das nossas vidas — e aqueles caras estavam literalmente fazendo seus trabalhos de meio de semestre. ATACANDO aqueles documentos de Word. Cara, eu amo Davidson do fundo do meu coração.

Por falar nisso, Steph Curry é inconsistente pra caralho

Affe, mais quatro anos de nossos destinos ligados a Steph…por isso que Deus inventou a cerveja

Eu me lembro de Doug Gottlieb, um conceituado analista de draft na época, falando que havia seis outros armadores com um potencial maior que o meu. O SportsCenter divulgou um tweet sobre ele fazendo a tal declaração…e eu acho que alguém achou esse tweet anos depois, depois que nós começamos a ter sucesso em Golden State. Agora, ele aparece de vez em quando.

Player’s Trib, se vocês quiserem acidentalmente tirar uma foto desse tweet e colar aqui, eu provavelmente não ficaria chateado.

E claro, eu estou só brincando, e eu consigo achar graça de algo assim agora. Mas na época?? Cara…é difícil até descrever como comentários assim me incomodavam.

Todas essas análises e relatórios sobre o que eu supostamente não conseguia fazer — “baixo”, “não é um finalizador”, “extremamente limitado” -, eu ainda me lembro delas até hoje. Mas o que é ainda mais louco agora, até hoje — mesmo da forma como eu consegui ser eu mesmo, e mesmo com todos os tipos de jogadores singulares entrando na liga e mostrando do que são capazes — você ainda vê esses suspostos experts de basquete analisando o jogo da mesma forma: focando no que os jogadores não conseguem fazer.

Em vez de analisar o lado positivo do que eles conseguem.

steph curry? Não parece um franchise player

charles barkley sobre steph curry: “ninguém nunca ensina defesa e rebotes para as crianças”

Um tempo atrás, eu tive uma ideia.

Se chama “A Turnê dos Subvalorizados” — e é basicamente assim: existem esses acampamentos, certo? De basquete, ao redor do país, do mundo. E é ótimo, cara. É especial. Foram nesses acampamentos que muitos caras da NBA começaram a ter seus nomes conhecidos. E nós deveríamos continuar essa tradição! Mas tem um aspecto desses acampamentos sobre o qual eu tenho pensado. É que, se você olhar bem, você vai ver sempre as mesmas crianças participando deles, sempre. São sempre os mesmos caras de quatro ou cinco estrelas, jogadores já conhecidos por todos os olheiros, indo de cidade para cidade, de acampamento para acampamento.

E eu acho que comecei a pensar sobre isso, você sabe — sem desmerecer esses prospectos principais — mas e as outras crianças? E aquelas crianças que, pela razão que seja, por causa de uma suposta falha, estão sendo rotuladas com duas ou três estrelas? Eu não estou dizendo que essas crianças devem estar em todos os acampamentos. (Honestamente, ninguém deve). Mas se nós temos um sistema no qual essas crianças não são convidadas para NENHUM acampamento? Então eu acho que temos um problema. Porque aí eu acho que nós estamos colocando essas crianças — que adoram basquete e que deveriam estar lá explorando esse amor — em uma situação na qual limites estão sendo colocados nelas por outras pessoas. Uma situação na qual o limite do que elas podem conquistar estão sendo apresentados antes de que elas possam testar esses limites por conta própria.

Então, essa é a ideia por trás da Turnê dos Subvalorizados: criar um acampamento de basquete, em parceria com a Rakuten, para jogadores de Ensino Médio que foram rotulados como três estrelas para baixo. Um acampamento para crianças que adoram basquete, e estão buscando uma chance de mostrar para olheiros que suas supostas fraquezas, na verdade, podem ser seus pontos mais fortes.

E acima disso tudo?

Um acampamento para qualquer um que não está disposto a deixar o resto do mundo escrever sua própria história.

qual posição steph vai jogar? Pequeno demais para SG e não tem controle de bola suficiente pra PG. Eu vejo ele como um especialista de longa distância, tipo o rex chapman

não obrigado a dar um contrato máximo para steph curry

Eu notei uma coisa.

Como as pessoas assumem que, uma vez que você começa a ter certo nível de sucesso…”se sentir subvalorizado” repentinamente some. E como, uma vez que você começa a atingir seus principais objetivos…isso começa a desaparecer para sempre.

Mas, experiência própria? Na sua cabeça, honestamente, o sentimento nunca some.

Na minha, ele nunca nem diminuiu.

Não em 2010, ao tentar fazer cinco times se arrepender de suas decisões. Não em 2011, ao tentar mostrar que eu teria mais valor como jogador do que como moeda de troca. Não em 2012, ao lutar com problemas no tornozelo e derrotas. Não em 2013, ao tentar justificar uma extensão contratual a qual muitas pessoas pensavam que eu não merecia. Não em 2014, ao tentar provar que esses experts estavam errados ao achar que o estilo de jogo do Curry simplesmente não funcionará nos playoffs. Não em 2015, ao tentar provar que esses experts estavam errados ao achar que o estilo de jogo do Curry não funcionará nas Finais. Não em 2016, ao tentar quebrar o recorde de 72 vitórias dos Bulls. Não em 2017, ao tentar descobrir como os Warriors conseguiram estragar uma liderança de 3 a 1 na série. Não em 2018, ao tentar superar um amontoado de lesões e um ótimo time dos Rockets. E não em 2019, cara, nem neste ano — ao tentar sair de um túmulo enquanto as pessoas tentam enterrar viva a nossa sequência histórica.

Esse desejo de me afirmar nunca foi a lugar algum.

Pelo contrário, ele se tornou cada vez mais parte de mim.

E eu acho que essa é uma da coisas mais importantes que eu compreendi sobre mim mesmo nos últimos 17 anos: a forma como subvalorizado começa como um sentimento o qual o mundo impõe a você. Mas se você descobrir como utilizá-lo?

Pode se tornar um sentimento que você impõe ao mundo.

E quanto mais eu penso nisso, mais eu entendo que é isso — acima de qualquer coisa — que nós estamos anunciando hoje. É por isso que eu estou lançando a Turnê dos Subvalorizados. Por que eu já tenho um acampamento…e é sensacional. Mas advinha quem não seria convidado para ele?

Eu.

E eu vou te falar uma coisa — eu realmente estou começando a ver algo nesse cara.

Não o ignore.

O garoto é um craque.

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Samir Mello
HIGH FIVE

Jornalista do portal Metrópoles e Mestre em Tradução pela City, University of London; passagens pelas redações do Jornal de Brasília e Correio Braziliense