Uma jornada e tanto

Samir Mello
HIGH FIVE
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17 min readJan 18, 2019

Por Richard Jefferson
Traduzido por
Samir Mello
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Eu estou sentado no avião, e eu estou prestes a chorar.

Não é nem um Jogo 7.

Aliás, não é nem uma Final de NBA.

É um jogo em Toronto.

Ainda estamos nas Finais da Conferência Leste.

Eu sou um marmanjo de 36 anos, e eu estou prestes a chorar em um avião na volta do Jogo 4.

Esse é o tamanho da minha vontade.

Eu queria muito, muito, muito, muito.

A série está empatada em 2 x 2, o avião está decolando e a minha mente está agitada. Eu estou pensando, “A gente não pode perder em Cleveland. Se nós voltarmos para Toronto perdendo por 3 x 2, acabou. Eu não posso passar por isso novamente. Eu não posso chegar tão perto assim e não segurar aquele troféu em minhas mãos. Eu literalmente não vou conseguir lidar com isso”.

Significava muito para mim. É engraçado, porque até hoje, as pessoas me dizem: “Cara, aquela campanha dos Cavs deve ter sido tão divertida”.

E eu respondo direto: “Não foi nada divertido”.

Nenhum segundo daquela campanha foi divertida. Foi um sofrimento até o momento que o Jogo 7 acabou. Mesmo depois de termos eliminado Toronto e termos chegado até às Finais, eu não conseguia dormir, comer…eu estava enlouquecendo.

Eu estou te dizendo, o nível que você precisa atingir para vencer um título da NBA não é humano.

Eu não acreditei por nenhum segundo que iríamos ganhar.

Não acreditei quando estávamos perdendo por 0 x 1.

Definitivamente não acreditei quando estávamos perdendo por 0 x 2.

E definitivamente, mesmo, mesmo, mesmo, não acreditei quando estávamos perdendo por 1 x 3.

Nós estávamos mortos. Acabou.

Demorou 13 anos para eu voltar a disputar as Finais da NBA.

Treze anos, sete times, 916 jogos. Imagine.

Eu não sei se isso é impressionante, ou triste, ou louco, ou o que seja. Tudo o que eu sei é que eu não era a mesma pessoa. Quando você sobrevive nesta liga por tanto tempo quanto eu sobrevivi, as pessoas começam a olhar para você como se você fosse um monge ou algo assim. Mas vou ser sincero, quando eu cheguei à NBA, eu não era um daqueles caras que você acharia que eu iria sobreviver 17 anos na liga.

Se nós vencêssemos na sexta a noite? Vamos sair.

Se nós perdêssemos na sexta a noite? Vamos sair, mas com responsabilidade.

Eu estava aproveitando a vida.

Eu basicamente sentia que estava jogando com dinheiro infinito. Eu nasci na periferia de Los Angeles no começo dos anos 1980, quando as coisas estavam no fundo do poço. Às vezes, as pessoas me perguntam, “Richard, como era o seu bairro naquela época? Às pessoas só sabem dos clichês”.

Minha resposta: “Honestamente? Era igual aos clichês”.

Eu me lembro de tiroteios, assassinatos, traficantes e tudo o mais. Essas são algumas das minhas primeiras memórias. Meu pai tinha sérios problemas com álcool e drogas, o que era algo bastante comum, se você sabe como as drogas invadiram as comunidades naquela época. Mas eu fui extremamente sortudo, porque eu tinha uma imensa família me protegendo. E minha mãe, sendo a mulher incrível que ela é, sabia que ela tinha de tirar eu e meu irmão daquele ambiente, a qualquer custo.

Ela sacrificou toda a sua vida por nós.

Um dia — e eu não estou exagerando — pareceu que metade do nosso bairro entrou em um ônibus e saiu de South Central. Todas essas famílias literalmente empacotaram tudo o que podiam e entraram em um ônibus com direção a Phoenix. Passagem só de ida. E foi isso.

Não havia nenhum motivo especial por termos escolhido Phoenix. Era só uma cidade que estava crescendo, um lugar com oportunidades.

Minha mãe estava fazendo tudo o que podia para nos tirar da assistência social, tentando criar quatro meninos sozinha em uma cidade grande. Mas a melhor coisa para mim era que, agora, eu podia brincar na rua. Tudo o que eu podia fazer em Los Angeles era jogar Super Mario Brothers pela milésima vez. Mas em Phoenix, eu podia correr por toda a parte e me sentir seguro. Isso era algo inimaginável para mim, vindo de South Central. Então foi assim que eu descobri meu amor pelo basquete, jogando no parque todo dia e toda noite, basicamente tentando ser Sidney Deane, de Homens Brancos Não Sabem Enterrar.

Eu não joguei basquete de forma organizada até os 15 anos. E eu nunca havia pensado em jogar na NBA — estou falando sério. A única coisa que eu pensava era jogar no parque e falar muita bobagem.

Mesmo quando eu cresci bastante e comecei a jogar bola na escola, foi engraçado porque minha mãe não estava prestando muita atenção. Ela estava estudando e trabalhando e apenas tentando nos dar uma vida melhor, então ela não tinha nenhuma noção de times amadores ou basquete universitário ou nada disso.

Ela foi a um dos meus jogos durante meu primeiro ano e meu técnico foi até a ela e disse, “Ei…Richard é muito bom”.

E minha mãe respondeu: “Ah, é? Que bom!”

E o técnico: “Não, acho que você não entendeu. Ele é muito bom”.

E minha mãe: “Sim, ele joga no parque todos os dias!”

Finalmente, meu técnico disse: “Não, minha senhora, eu realmente acho que você não entendeu. Ele pode ter uma carreira”.

Foi incrível, porque eu fui a primeira pessoa da minha família a ir para a faculdade. O basquete fez isso por nós. Mas não havia nenhum grande plano, entende? Agora, essas crianças são tão maduras e profissionais já aos 17 anos que é algo incrível. Mas quando eu cheguei no campus da Universidade da Arizona, eu não era como esses fenômenos que você vê agora.

Eu não tinha media training.

Eu era um idiota.

Eu era um idiota cercado por idiotas.

Lembre-se, eram outros tempos. Eu não quero dizer isso de uma forma nostálgica como um ex-jogador da NBA. Eu realmente quero dizer que era diferente. A cultura toda era diferente. Era 1999. A internet havia acabado de começar. Você tinha que ir a uma lan house se quisesse ficar on-line.

Você andava pelo campus e alguém te perguntava: “Onde você vai?”

E você respondia: “eu vou entrar on-line”.

Você entrava on-line naquela época, tipo, “eu vou entrar!”.

Enfim, eu só estou descrevendo como era. Porque quando eu digo que todos os jogadores do Arizona Wildcats eram idiotas, eu quero que você realmente entenda o que eu estou dizendo. Eu não quero você pensando sobre Instagram e Snapchat e coisas assim. É fácil ser um idiota agora. Você só está a algumas DMs de distância de ser um idiota.

Em 1999, dava trabalho ser idiota. Você tinha que ser bem criativo.

Meu colega de quarto, Luke Walton, por exemplo. Ótima pessoa. Excelente! Naquela época? Idiota!

Michael Wright? Pessoa incrível. Idiota!

Gilbert Arenas? Gilbert A-re-nas?

Veja bem.

Você quer uma história sobre Gilbert Arenas?

Eu conto.

O problema é que há tantas histórias sobre o Gilbert que eu poderia compartilhar. Só que 97% delas eu não posso contar sem um aviso de Só Para Maiores na tela.

Mas eu não quero te dar uma versão clichê de Gilbert. Ele é muito mais complexo do que pensamos.

Ele era um gênio do mal.

O infame fim de semana familiar de 2001. Foi quando o Gilbert realmente brilhou.

Vamos dar o contexto.

É uma linda tarde em Tucson. Mães, pais, avós, cachorros e crianças estão por todo o campus. É realmente uma tarde muito legal.

Nós estamos em seu apartamento e, em determinado momento, eu fico com fome e digo que vou pegar comida no salão dos estudantes.

Gilbert diz: “eu te levo”.

E ele tem um sorriso no rosto. Um sorriso de cientista maluco. Eu deveria saber. Eu deveria ter me poupado, mas deixei ele me dirigir até lá.

Lembre-se, estamos em 2001. E, em 2001, era legal ter um sistema de som no carro com subwoofers ridículos e aros ridículos e, é claro, um DVD portátil no painel.

Muito perigoso. Muito, muito perigoso. Mas essa era o tempo do MTV CRIBS. Então, naturalmente, Gilber tinha o sistema de som mais caro do país, e ele tinha tipo três DVD players portáveis em seu painel. Então nós começamos nosso caminho com as janelas abaixadas, e nesse ponto, a vida estava muito boa. Nós estamos no meio da nossa temporada no Final Four, e todo mundo sabe que é o Gilbert Arenas andando no seu carro ridículo. Estudantes, mães, avós — todo mundo sabe.

Ele está tocando o Chronic 2001 ou algo assim, e o baixo está ressoando na rua inteira. Está ressoando no meu rosto todo. E é um dia ensolarado. É o fim de semana das famílias. Nós estamos no topo do mundo, certo?

Então, do nada, Gilbert diz: “Espera aí. Deixa eu trocar isso rapidinho, você vai gostar disso”.

E ele pega um guarda CD que cabe uns 100. Lembra deles? Ele coloca no DVD player, e um filme começa a passar.

O som está ridiculamente alto, com o baixo no talo, em seu ridículo sistema de som.

Era…como eu posso dizer isso?

Vamos apenas dizer que era um filme…bastante adulto.

Cara, a Universidade do Arizona inteira se virou para o carro. Foi mais alto do que qualquer coisa que você está imaginando agora. Foi estupidamente alto. Foi alto em níveis 2001.

Eu estava tão envergonhado que eu reclinei o assento do passageiro totalmente e me coloquei em posição fetal.

Mas o Gilbert tinha um enorme sorriso no rosto. Ele estava acenando para as pessoas. Avós, crianças, professores. Ele estava acenando como um candidato à presidência.

Ele estava tão orgulhoso.

Ele era, de fato, um gênio do mal.

Sabe o que é louco? Ele era um cara legal. Todo mundo naquele time era legal. Não sei se era o momento, ou o fato de que a internet era muito jovem, ou o que era — mas nós éramos crianças, cara.

Nós não estávamos prontos para a NBA. Nós não estávamos preparados para dinheiro, para o estilo de vida e para a pressão. Nós éramos um bando de idiotas. Talvez agora você acredite em mim.

Falando sério, eu estava totalmente despreparado para enfrentar a correria de uma temporada na NBA, imagine 17. Mesmo quando David Stern subiu àquele pódio e chamou meu nome no draft, eu me lembro de fechar meus olhos e pensar: “Bem, eu acho que eu vou para a NBA”.

Você acha que vai ser o que sempre foi — apenas basquete. Mas não é apenas basquete. Você não tem ideia das coisas que terá de enfrentar. Não é apenas basquete — é a vida. E aconteceu de eu passar por uma das temporadas de calouro mais surreais e tristes da história.

Todo mundo se lembra de onde estava na manhã de 11 de setembro de 2001. Eu estava em uma escola. É tão estranho pensar nisso agora porque eu estava fazendo exatamente a mesma coisa que o Presidente Bush. Eu e outros jogadores do Nets havíamos acabado de ler para uma classe de alunos da segunda série. Quando estávamos entrando no carro para voltar ao centro de treinamento, nós escutamos as notícias pelo rádio.

“Um avião acertou o World Trade Center”.

Foi algo bem vago de início.

E é uma daquelas coisas onde você pensa, “caramba, que coisa terrível. Deve ter sido um daqueles monomotores ou algo assim.”

Alguns minutos passaram e nós escutamos…

“Relatos de que um segundo avião atingiu as torres”.

Escutar as notícias foi uma coisa…mas ver por você mesmo foi outra.

Qualquer um que estava em Nova York ou New Jersey naquele dia se lembra de olhar para cima — ou para o outro lado do rio — e ver a fumaça. Não parecia vida real. Ainda não parece algo real. Quando nós retornamos para o centro de treinamento, ainda havia muita confusão em relação ao que estava acontecendo e os treinadores decidiram fazer a gente trabalhar.

Eles não sabiam o que mais poderiam fazer.

Nós estávamos dentro do ginásio quando as torres caíram.

Tudo o que aconteceu depois disso é meio confuso.

Mas eu nunca vou esquecer de tentar voltar pra casa, e ver todos aqueles carros na estrada para Manhattan totalmente abandonados. Eles fecharam a cidade completamente. Quero dizer, Nova York. Fechada. Algo sobre isso ainda me arrepia.

Se você não estava em Nova York ou New Jersey nessa época, é impossível explicar os sentimentos de como foi. Antes do nosso primeiro jogo em casa em outubro, eles trouxeram vários bombeiros, policiais e socorristas que viviam em New Jersey, e houve um minuto de silêncio. Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida.

Quando acabou, nós ficamos tipo, “Nós vamos jogar basquete agora?”

Mas a cidade precisava disso. Na época, eu não entendi isso completamente. Agora eu entendo. Com os Nets e os Yankees fazendo boas campanhas, todo mundo em Nova York e New Jersey tinha algo para se distrair por algumas horas todas as noites. Eu sei que isso soa como um clichê, mas tendo vivido aquela época, eu realmente acredito que esportes são uma válvula de escape poderosa.

Eu passei por aquilo.

Eu ainda passo por aquilo. E ainda me ajuda.

Algumas semanas atrás, eu estou jantando em Los Angeles, esperando meu carro no valet, e esse outro cara também está lá esperando o carro dele, e ele me parece bem familiar. O cara se vira, e é Pete Davidson, do Saturday Night Live.

Então, instintivamente, eu digo, “Ei, cara, eu sou um grande fã do seu trabalho”.

Eu nem sabia se ele me reconheceria. Eu apenas era verdadeiramente fã dele. Mas daí ele fala: “Caramba, Richard Jefferson! Eu sou um grande fã seu também, cara. Você e o Kerry Kittles vieram falar comigo quando eu era criança. Lembra disso?”

Eu olho pra ele, tipo, não mesmo.

Eu sabia que o pai do Pete era um bombeiro que morreu no 11 de setembro, e eu me lembro vividamente de visitar crianças que haviam perdido familiares durante os atentados, mas eu não tinha nenhuma ideia de que Pete era uma dessas crianças.

Eu arrepiei.

Ele falou: “Cara, foi muito legal vocês terem feito isso. Você provavelmente não sabe o quanto isso significou. Eu amava aqueles times dos Nets”.

Nós conversamos um pouco, nossos carros chegaram e fim. Mas foi um momento bem legal, porque eu estava enfrentando dificuldades também. Meu pai havia sido assassinato em um tiroteio em Los Angeles na semana passada, e eu obviamente sabia que Pete estava passando por um término público. Mas naquele momento aleatório nós éramos apenas dois caras conversando sobre basquete por um instante.

Ainda me entristece nós não termos entregado um título para New Jersey após o 11 de setembro.

Eu juro que os Nets do começo dos anos 2000 parecem quase ter sido esquecidos pela história. As pessoas não se lembram de como nós éramos crus e agressivos. Se você voltar e assistir jogos daquela época, vai ver que nós fomos um dos últimos times run-and-dunk. Ninguém era bom arremessador. Mas nós jogávamos bem na defesa, e nós conseguíamos invadir o garrafão e sabíamos brigar.

Os caras agora não querem brigar de verdade. Quero dizer, te amo Draymond. Você é meu irmão. Mas eu diria na sua cara — você não quer uma briga de verdade.

Já o Kenyon Martin? Ele estava pronto.

Ele não estava prestes a ser contido por um ala/armador de 86 kg, entende? Ele nasceu pronto. Eu sei disso porque eu briguei com ele bem no vestiário dos Nets. Eu era desse jeito! Durante a minha temporada de calouro, estávamos perdendo para Detroit ou sei lá, sendo humilhados, e o meu problema era que eu nunca calava a boca.

Então eu estou lá reclamando, falando bobagem.

E Kenyon está sentado em frente ao seu armário, sem falar nada, apenas olhando pra mim tipo: “Sério mesmo, cara?”

Então eu disse algo para ele.

Daí ele disse algo para mim, ou se levantou. Aaron Williams percebeu que Kenyon estava prestes a me matar, então ele correu e tentou segurá-lo por trás…

…e eu juro que foi tipo uma daquelas situações clássicas de luta-livre.

Eu tento acertar um soco no Kenyon, ele abaixa e eu acabo acertando a cara do Aaron. Bem no nariz. Ele cai no chão, sangrando. Aí o Kenyon começa a tentar me acertar, e é um caos generalizado.

Foi uma briga de verdade.

E a parte mais louca é que, não saiu em lugar nenhum, tenho quase certeza. Ninguém vazou nada. Ninguém disse nada. Hoje em dia, seria toda uma situação.

Mas essa é a mais pura verdade: times vencedores brigam. Talvez não as superestrelas. Mas com certeza alguém. Todos os times vencedores dos quais eu já participei tiveram uma ou duas brigas apenas para aliviar a tensão.

Desde que a briga aconteceu, Kenyon se tornou um irmão. Algo mudou depois daquilo. Nós nos respeitamos, e não tínhamos cerimônia um com o outro, porque ele sabia que eu queria vencer, e eu sabia que ele queria vencer.

A liga é isso. Vencer ou morrer.

Uma coisa que eu posso dizer por estar na liga há 17 anos é que um ser humano comum não tem nenhuma ideia do nível insano de competitividade que você tem de atingir para chegar às Finais da NBA. Qualquer imagem que você tenha na cabeça de como é, está errada. É um nível excessivo de competitividade. E para vencer uma Final? Honestamente, é doentio. Te faz ultrapassar os limites do que é saudável — mentalmente, fisicamente, emocionalmente, espiritualmente.

Quando nós fomos para as Finais de 2002 e perdemos para os Lakers, eu fiquei arrasado.

Quando nós voltamos às Finais em 2003 e perdemos para os Spurs, eu fiquei algo além de arrasado.

Mas eu pensei, ei, eu volto no ano que vem. Isso vai acontecer de novo.

E eu só tive outra chance depois de 13 anos.

Eu não tive uma nova chance até ir para Cleveland.

De todos os lugares para uma última jornada…Cleveland.

As pessoas dizem, “Ah, Richard, você estava correndo atrás de um anel”.

Ao que eu respondo: “Pode ter certeza que sim!”

Eu joguei basquete a vida toda, e eu me esforcei, e eu tinha todas essas memórias loucas, mas eu não tinha a coisa mais importante no mundo, cara.

Eu não tinha aquele anel.

Então é por isso que quando eu estava naquele avião voltando de Toronto após o Jogo 4, eu estava prestes a enlouquecer.

Nós sobrevivemos àquela série, e nossa recompensa foi enfrentar um dos times mais apelões da história da NBA.

Ótimo.

Mas, ao refletir sobre isso, eu me sinto bem sortudo, porque eu acho que, daqui a 100 anos, as pessoas ainda estarão falando sobre as Finais de 2016.

Não importa como o basquete evolua.

Não importa o que aconteça com o Cleveland Cavaliers.

Não importa o que aconteça com o estado de Toronto.

Não importa se o Warriors vença quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, 10 outros títulos (Desculpa, Draymond!).

Uma coisa nunca vai mudar.

Ninguém consegue virar uma série que está 1 x 3.

UM A TRÊS.

Nós estávamos mortos. Minha história havia acabado. Triste fim. Todo mundo pode ir pra casa. Foi bom enquanto durou.

Fim.

Daí, Kyrie Irving e LeBron James aconteceram.

Kyrie Irving. E LeBron James.

41 e 41. Fora de casa.

Fora. De. Casa.

Nós voltamos para Cleveland para o Jogo 6 e LeBron marca 41 de novo?

Sobrehumano. Ignorante. Loucura.

Jogo 7. Em Oakland. Tá brincando comigo?

Escuta, eu vou ser honesto com você. Eu estou aposentado agora, então quem se importa? Eu estava no vestiário no intervalo do Jogo 7, sentado lá e olhando para o chão, pensando sobre a importância do momento, e eu genuinamente tive que me controlar para não chorar naquele maldito vestiário.

Eu queria mais que palavras podem expressar.

Eu sei que sou suspeito pra falar, mas, pra mim, aquele quarto período teve três das maiores jogadas da história das Finais.

Eu estava sentado a 1.5m de distância da cesta quando LeBron bloqueou o Iggy. Eu joguei milhares de jogos de basquete na minha vida, e eu nunca havia visto nada perto daquilo em uma quadra. É impossível. Eu vi o contra-ataque acontecer em tempo real, e eu disse “Já foi. Merda. Estamos perdendo”.

Eu vi Iggy tentar a bandeja, e depois eu só enxerguei um vulto preto. Foi como Superman aparecendo do nada em um filme. Eu to falando sério. Foi só um vulto. Eu já vi coisas malucas acontecerem em uma quadra da NBA. Todos os tipos de demonstrações físicas impressionantes. Mas eu nunca vi nada como aquilo. LeBron quebrou as leis da física.

Eu estava na quadra quando o Kyrie matou aquela bola de três faltando um minuto, e aquela foi uma das poucas vezes na minha carreira quando eu me senti como um torcedor assistindo pela TV.

Eu estou parado no canto e eu vejo ele fazendo uma hesitação rápida, e eu estou tipo…

…Ele vai…

…Espera aí, ele vai?

…Caramba, ele vai mesmo.

…EITA PORRA! ACERTOU!!!!

Aquele foi um dos arremessos mais corajosos que eu vi, dado o palco, dada a importância.

E aí você tem o Kevin Love.

Kevin Love, cara.

Kevin Love, no 1 x 1 com Steph Curry, as Finais da NBA em risco. O peso da história em seus ombros.

O que ele fez nunca receberá crédito suficiente. Kevin para Steph não uma, não duas vezes, e força um arremesso impossível.

Pra mim, aquela jogada representa a essência do basquete. Esquece tudo que veio antes daquele momento. O jogo inteiro. A série inteira. A temporada inteira. Os mais de 50 anos que Cleveland esperou por um título.

Tudo o que importa são aqueles 10 segundos.

Steph estava tentando conseguir algum espaço como se sua vida dependesse disso.

E Kevin jogou defesa como se sua vida dependesse disso.

(Eu perguntei para Kevin sobre esse momento, e ele disse que apagou).

Quando o relógio estourou, e nós nos tornamos campeões, eu só sentei no banco e chorei. Eu não conseguia me mover. Era coisa demais acontecendo.

Minha esposa ainda me provoca sobre isso. Ela diz: “Eu não entendo. Você não chorou nem no nosso casamento! Você não chorou quando nossos filhos nasceram!”

Eu eu digo a verdade para ela.

Qualquer idiota pode se casar. Qualquer idiota pode ser pai. Um título da NBA? Isso é trabalho. Vale a pena chorar por isso.

Sabe o que é muito doido? Mesmo após tudo isso, eu ainda fico bem puto pelo fato de nós não termos sido bicampeões. Eu deveria ter dois anéis.

(Maldito Kevin Durant, cara!!!)

Mesmo assim, foi uma jornada e tanto.

Em 17 anos nesta liga, eu criei muitas memórias. Fiz ótimos amigos. Bebi muitas cervejas boas. E eu posso honestamente dizer que, de um garoto imaturo, eu virei um adulto semi-funcional com uma família e um senso de paz.

Tudo isso significa bastante pra mim.

Mas tem uma coisa que significa ainda mais, e eu honestamente acho que só alguns poucos caras na história da NBA experimentaram esse sentimento em específico.

De tempo em tempo, alguém me aborda na rua, em um aeroporto, e eles não pedem uma selfie ou um autógrafo. Eles nem querem falar sobre basquete.

Eles só se aproximam, me cumprimentam e dizem: “Obrigado. Obrigado pelo que vocês fizeram pela gente”.

Só isso.

Só gratidão.

E eu sei exatamente de onde eles são, e eu sei exatamente o que eles querem dizer.

Eu ajudei a trazer um campeonato para a cidade de Cleveland. Vários caras têm anéis — mas quantos podem dizer que fizeram a mesma coisa?

Então sim, talvez nós só tenhamos conseguido um. Mas nós temos “O” título.

Alguns títulos…eles apenas significam mais que outros. Essa é a pura verdade. Eu sei disso.

Você sabe disso. Golden State sabe disso.

E Cleveland definitivamente sabe disso.

Alguns títulos significam tudo.

Então, antes de eu partir, deixe-me dizer…

Obrigado a você, Ohio.

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Samir Mello
HIGH FIVE

Jornalista do portal Metrópoles e Mestre em Tradução pela City, University of London; passagens pelas redações do Jornal de Brasília e Correio Braziliense