Artigo científico: o que é isso?!

Marcos V. C. Vital
Hipótese Nula
Published in
7 min readDec 14, 2016

Parte 1, pra depois falar sobre buscas de artigos na internet! ;)

http://www.phdcomics.com/comics/archive.php?comicid=920

Então, dia desses o Facebook me mostrou uma dessas “lembranças” de postagens antigas, que eu fiz láááá em 2014. Normalmente eu nem olho, mas essa era uma postagem legal, falando um pouco sobre o Google Scholar, busca de artigos e revistas predatórias (sim, isso existe!). Como este é um tema que nunca envelhece, achei que valeria à pena usar como gancho de um texto pra gente aqui no Medium. Então lá vai! ;)

Uma observação antes de começar

Quando comecei a escrever este texto, o objetivo era falar sobre busca de artigos e os perigos que podem surgir no caminho. Mas aí percebi que antes de mergulhar no assunto seria legal falar de coisas um pouco mais básicas, começando pelo óbvio: exatamente o que é um artigo científico? E aí, na medida em que fui escrevendo a respeito, a coisa esticou, esticou… e achei que estava ficando muito grande (sabe comé, né? galerinha na internet tem a maior preguiça de ler textão). Então decidi transformar este texto em uma “parte 1”, na qual falo um pouco do básico; e aí, no próximo, falo do tema no qual eu quero chegar: como buscar artigos na internet e, no processo, fugir de um monte de lixo que existe no meio e que pode te confundir. Então, agora sim, vamos lá? ;)

Artigo científico, o que é isso?!

Bom, é melhor começar do começo, né? O que exatamente seria um artigo científico? Como eles são publicados? Qualquer um pode fazer um e tacar na internet? Bom, como diria aquela velha piadinha de professor, vamos por partes…

Segundo a nossa boa e velha (nem tão velha, vai!) Wikipedia, um artigo científico é:

um trabalho acadêmico que apresenta resultados sucintos de uma pesquisa realizada de acordo com o método científico aceito por uma comunidade de pesquisadores.

Sim, sim, informações da Wikipedia devem ser vistas com cautela, mas achei que é uma boa definição. Em essência, então, podemos pensar no artigo como o resultado de uma pesquisa, incluindo as interpretações e conclusões dos pesquisadores envolvidos.

Nós, cientistas, publicamos outras coisas também nas mesmas revistas que os artigos stricto sensu: revisões de literatura, cartas, notas, opiniões e coisas assim. A gente até costuma chamar estes textos todos de artigos, mas um artigo de pesquisa (o termo em inglês é mais usado do que em português: research article) é bem isso mesmo aí que a dona Wikipedia falou pra gente.

Mas e aí, como eu publico um?

Ah, sim, este é um pedacinho importante da coisa toda. Será que eu posso escrever aqui um artigo aqui rapidão e publicar nas interwebs mundo afora? Dá certo? Vale? Posso colocar no currículo?!

Bom, a definição ali da wiki não fala sobre isso, então convém explicar um pouquinho. Uma coisa é escrever um artigo, outra coisa é publicar. E uma coisa é publicar um artigo, e outra coisa é publicar em uma revista científica. ;) Bora falar um pouquinho disso, pra depois eu escrever a segunda parte e ir pra pergunta que me fez começar: como eu procuro um artigo, e como filtro as coisas boas e separo das porcarias.

Então, eu acho que a gente pode pensar numas três variantes aqui. Tem as revistas antigas, tradicionais e tal. Tem umas revistas novas, mais moderninhas, mas que não são tããããão diferentes das tradicionais assim. E tem umas mais moderninhas, ousadas e tentando propor algumas mudanças nas regras do jogo. :)

1 — As revistas científicas tradicionais

A maioria dos cientistas está interessado em publicar os seus artigos nas revistas científicas mais tradicionais. Isso porque os próprios cientistas costumam ler artigos nelas, e como queremos muito que os nossos artigos sejam lidos e citados pelos coleguinhas, então a coisa toda se torna um grande ciclo. Mas assim, falando sério, ser lido é muito importante para o cientista, pois é assim que o seu trabalho publicado por ser útil para outros cientistas pensando nas mesmas coisas e, quem sabe, útil para a sociedade como um todo — então é uma base fundamental de como a Ciência funciona, saca? Agora, tem também umas pressões sinistras ligadas aos órgãos de fomento, coordenações de pós-graduação e outras coisas que afetam esta dinâmica e que dariam um bom pano pra manga, mas fica pra outro papo.

As revistas tradicionais funcionam assim: você escreve um artigo (sozinho ou em grupo, com co-autores) sobre algo que fez/está fazendo, apresentando o contexto (a tal da introdução), como fez (os métodos), o que achou (os resultados) e pra que serve a parada toda (a discussão). O artigo, então, é recebido por um editor da revista, que dá aquela espiada pra ver se o assunto tem a ver com o que a revista costuma publicar (nada de mandar uma receita especial de miojo pra revista de física quântica, né?). Se o editor achar que o artigo é promissor, ele então envia para os famosos e mui temidos revisores. O trabalho desses caras (que são cientistas como você!) é ler o artigo e dizer se presta ou não para ser publicado na revista escolhida.

Prestando, eles podem ainda dar sugestões de correções, sejam pequenas ou mais extensas. Inclusive o artigo pode ficar um tempo no limbo: os caras podem pedir várias modificações, pra depois então decidir se rola ou não de ser publicado. Tipo um artigo de Schrödinger, pode estar aceito ou não, hehehe

Bom, o processo é esse, não tem muito mistério (apesar de cada detalhe envolvido ter o potencial de escrever um texto todinho só sobre ele!!!). Mas uma coisa que muitas vezes incomoda é que várias destas revistas não possuem acesso livre para qualquer pessoa chegar lá, baixar o artigo e ler. O que rola é que muitas revistas são ligadas à grandes editoras, que, naturalmente, querem ganhar um bom dinheirinho com o que fazem. Daí elas cobram de quem quer ler o trabalho — tipo ir na banca e comprar o jornal. Mas isso gera algumas dificuldades, problemas e questionamentos. Primeiro vem a óbvia dificuldade de acesso: cobrar 50 dólares, por aí, é bastante comum. Então seu artigo foi publicado naquela revista maneiríssima, mas muitas pessoas não vão conseguir ler sem passar pelo famoso “paywall”… E a coisa se complica se você considerar a origem do artigo: seria certo alguém ter que pagar, por exemplo, por um artigo elaborado por pesquisadores em uma universidade pública, feito a partir de uma pesquisa financiada por verbas — de novo — públicas? Pois é, né? Daí surgem várias discussões, boicotes e até métodos para se burlar o sistema.

E aí, no meio de toda esta confusão, há outras possibilidades, e aí entram…

2 — As revistas Open Acess! :D

(carinha feliz, pois Open Acess é algo fantástico para a Ciência!)

As revistas de acesso livre são, em sua maioria, revistas científicas tradicionais que buscam outros caminhos. Algumas são revistas ligadas à universidades ou sociedades científicas, que não possuem fins lucrativos e buscam financiamento de várias maneiras diferentes — verba do governo, mensalidade dos membros da sociedade, etc. O que interessa é o resultado final: o leitor não precisa pagar nada, yeah!

Mas conseguir verba constante para manter uma revista viva nem sempre é simples, e muitas revistas abertas optam por mudar o “lado” do pagamento: no lugar de alguém (o leitor) pagar no final, que tal outro alguém (o cientista) pagar no começo? A proposta aqui é que a revista possui uma taxa de publicação, paga pelos responsáveis pelo artigo, que garante que ele ficará acessível para todos os leitores indefinidamente. É o formato da famosa PLOS, por exemplo. É claro que a taxa pode ser incrivelmente salgada, o que gera outros problemas, como cientistas terem que buscar financiamento para cobrir as taxas… Pois é, não existe almoço grátis.

2.5 — Alguma coisa no meio do caminho

Pois então, também existem algumas revistas que tentam puxar um pouquinho dos dois lados. Elas estão normalmente ligadas à editoras grandes, e normalmente cobram pelo acesso. Mas criam uma opção de open acess que pode ser escolhida pelos autores: se eles decidirem (e puderem!) pagar uma taxa, então o artigo fica acessível para todos.

E, é claro, muitas vezes nós mesmos, autores dos artigos, podemos fazer um meio de campo aqui. Enviar artigos por email é comum, e 99% dos cientistas respondem com entusiasmo um pedido de artigos publicados — a maioria, aliás, vai além do pedido inicial, e te manda mais material. Vai que você acaba citando algum trabalho, né? Também é comum que algumas editoras simplesmente não se importem se você colocar um link para download no seu blog, site ou coisa do tipo. Algumas são mais liberais quanto a isso, outras determinam um período de tempo antes de permitir, e outras, como a danada da Elsevier (da história do boicote acima) ficam famosas por mandar os autores tirar os links do ar…

3 — E, finalmente, as tentativas de fazer tudo diferente!

Surpresa!!! Então, hehehehe, de novo, na medida em que fui escrevendo, aconteceu de eu mudar um pouco de ideia. Neste caso o que eu pensei foi em passar a bola pra Gracielle Higino, pois ela anda acompanhando bem o esquema de funcionamento das novas revistas e propostas de publicação. Então nós vamos combinar assim: eu vou publicar este texto assim, como está, e lanço o gancho pra Gracielle escrever um pouco sobre este ponto. Quando ela fizer isso, eu edito aqui e colo o link. Mas aí, para vocês acompanharem fácil, os dois textos serão publicados, um depois do outro, no Hipótese Nula. Então basta vocês seguirem as nossas publicações de lá que ficarão sabendo assim que as continuações saírem. Beleza? Então fica combinado! ;)

Abraços, e até a próxima! :D

Atualizando em 22–12: a Gracielle Higino publicou uma continuação super legal, tá aqui!

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Marcos V. C. Vital
Hipótese Nula

Prof. da UFAL, coordenador do LEQ, apaixonado por ensino, ciência, R e jogos!