Banda-Fôrra: pop e poesia

Jhonattan
Hipercubo
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7 min readNov 3, 2018

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Em conversa Gustavo Limeira revela influências e trajetória da Banda-Fôrra, que une melodias doces e letras românticas em uma sonoridade pop

Da esq. para dir.: Lucas, Hugo, Gustavo, Mateo e Ernani. Imagem: Dani L

O Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), na UFPB é o centro de humanas por excelência, um local de convívio de pessoas de todas as artes: dos escritores, dos filósofos, das artes cênicas, dos poetas. Também dos músicos, dos amantes da música e invariavelmente pessoas que estudam música, já que o centro de Música fica logo ali, atravessando a rua. É o lugar certo para encontrar uma boa parte da cena para achar os músicos em João Pessoa, e foi exatamente lá que marquei de me encontrar com Gustavo Limeira, vocalista da Banda-Fôrra.

O grupo lançou um álbum este ano, o Trilha, um disco de 8 músicas animadas e dançantes, que eu passei os últimos dias escutando. Trilha representa uma consolidação no trabalho da banda, que reúne na cidade um apanhado de fãs que acompanham o trabalho de Gustavo, Matteo Ciacchi (baixo), Hugo Limeira e Ernani Sá (guitarras) e Lucas Benjamim (bateria). Os cinco estão em turnê para apresentar o novo disco, com shows, inclusive, no CCHLA.

Capim Santo, 22

O início da Banda-Fôrra está ligado ao Capim Santo, número 22 na praça Antenor Navarro, no Centro Histórico de João Pessoa, um estúdio de ensaio com o qual alguns membros da banda tinha sociedade. “Eles eram os funcionários do estúdio, então iam abrir, sempre estava muito bem movimentado, muita gente daqui, bandas que começaram dentro do estúdio, passaram por lá”, conta Gustavo. Com os instrumentos e espaço à mão, foi só questão de tempo até os rapazes investirem em músicas próprias.

“A mão da manhã Já fez sinal, querendo desanoitecer/ Quando a cidade se levantar, já estarei em tom maior”

Na época os rapazes eram, em sua maioria, estudantes da universidade ou tinham outras ocupações — como o próprio estúdio. Por isso os primeiros ensaios da Banda-Fôrra eram essencialmente notívagos, tendo gestado suas primeiras músicas no seio da madrugada. Ao amanhecer a banda estava nos Bancários para o desjejum. “A mão da manhã Já fez sinal, querendo desanoitecer/ Quando a cidade se levantar, já estarei em tom maior”, diz a letra de Saideira, que abre o primeiro EP do grupo, o autointitulado Banda-Fôrra, de 2015. “E assim a gente montou o primeiro disco, que foi gravado muito a cara desse som de ensaio, porque foi gravado tudo ao vivo, as bases e tal”.

O EP é composto de 6 músicas que basicamente mostram esse frescor de uma banda que está buscando o seu som e vai jogando todas as influências no liquidificador. O resultado foi um disco que contém de um pouco de tudo, de rock, de psicodelia, de experimentalismo.

A história de cada um do grupo está, de uma forma ou de outra, ligada à música. “Matteo e Lucas são estudantes daqui do departamento de música. Matteo é da pós, mestrado em música e também dá aula de música; e Lucas está terminando a graduação para baterista”, explica Gustavo. “Hugo e Ernani, apesar de não serem ligados à universidade, vivem de música, tocam em outros projetos, gravam, enfim, mexem com isso. Hugo trabalha no Estúdio Peixe-Boi, aqui nos Bancários, que é um estúdio histórico, gravou muita coisa daqui desde a década de 80 e 90”.

Berço musical

De família ligada às artes, Gustavo se inspira nos grande letristas da música brasileira. Imagem: Dani L

Gustavo brinca que possui uma “identidade secreta” como professor de inglês, mas ele também tem uma trajetória na música, ainda que indiretamente. Está no sangue. A família Limeira tem uma história na música que ultrapassa gerações. Pedro Santos, avô de Gustavo, tem participação na esfera da arte paraibana digna de nota: além de fundar corais na cidade, foi regente das Orquestras Sinfônica de Câmara do Estado da Paraíba, assim como teve papel importante na criação do Departamento de Artes e Comunicação na UFPB, além da criação do Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC) da mesma universidade. O saldo desse empenho foi uma prole de músicos composta pelos primos Chico e Regina Limeira, assim como o próprio Hugo, guitarrista da banda. “Lá em casa não tem advogado, médico […] Todo mundo, de alguma forma, mexeu com música. Até quem não trabalha mais com música. Eu tenho uma irmã professora de história, formada, funcionária da UFPB e não mexe mais com música hoje, mas era percussionista, tocou e viajou tocando em banda”, revela Gustavo.

As letras da Banda-Fôrra tem decerto uma veia poética […] Versam sobre a vida e vivências, relacionamentos e amores, tudo dentro de um lirismo bem atual, urbano e pop.

A história do cantor, no entanto, faz um pequeno contorno até ele se entregar de vez à música. Estudou alguns instrumentos na infância, “de forma desastrosa”, brinca, mas talvez a presença de tantos artistas na família que trabalham com música o tenha feito explorar outras áreas artísticas. Mas sua passagem pela dança e, em maior medida, pela poesia, acabaram tornando “incontornável” seu envolvimento com a música.

Letrista principal da banda, a transição da poesia para a música foi para ele um processo natural, uma sequência lógica dos fatos. As letras da Banda-Fôrra tem decerto uma veia poética, com traços da poesia tipicamente sentimental e boêmia brasileira, que lembram letristas que tiveram influência sobre Gustavo, como Caetano e Vinícius de Moraes. Versam sobre a vida e vivências, relacionamentos e amores, tudo dentro de um lirismo bem atual, urbano e pop.

De característica doce e alegre das músicas, o nome da Banda-Fôrra esconde uma história triste: “O sentido original no português antigo, porque, em alguns casos, pessoas que nasciam de pai branco e mão negra, nasciam com ‘metade do corpo livre’; eles tinham que trabalhar para comprar a outra metade, como se nascessem cortados ao meio legalmente […] para a gente foi uma metáfora da formação cultural do Brasil”, explica Gustavo.

Carreira e futuro

A trouxe uma roupagem mais ‘pop’ para o novo disco. Imagem: Dani L

Casando com as letras, o segundo álbum da banda, o Trilha, é bem mais dançante e pop e menos experimental que o anterior. Essa foi minha impressão escutando os discos e indaguei se ele concordava. “Acho que faz total sentido”, diz ele. “Tem muito a ver com o método. […] Nesse segundo a gente passou mais de um ano dentro de estúdio gravando coisa por coisa. Chegamos a entrar em estúdio em 2016, só que a gente não estava satisfeito com a maneira que estava rolando. A gente precisou se retirar, rever muitas coisas, repertório inclusive, e voltar pra lá pra fazer de novo, gravar tudo do zero. Então, esse refinamento no processo acabou chegando numa coisa diferente”.

O adjetivo “pop”, para Gustavo, não é um problema, e ele revela que a banda tem revisitado algumas músicas do primeiro disco nos shows para se encaixar nesse estilo. Uma destas é “De Cara”, cuja versão compõe o disco Trilha-Ao Vivo, gravado no show de lançamento do álbum Trilha, que a banda fez na Casa da Pólvora, no Centro Histórico pessoense.

Enquanto não encontram interesse do setor privado em investir na música alternativa na cidade, as bandas — e a Banda-Fôrra está nesse meio — têm mantido o espírito indie de fazer as coisas.

Eu o questiono se eles encontram algum retorno financeiro na plataforma de streaming, e ele conta que conseguiram “algumas dezenas de dólares”, mas que o principal fruto financeiro da banda tem sido os shows. Quando estavam promovendo tanto o primeiro como do segundo álbum, o grupo passou por São Paulo, Minas Gerais, Goiás, além de cidades do interior paraibano e estados vizinhos, como Recife. Eles estão se preparando para se apresentar na Semana Internacional de Música de São Paulo (SIM), que irá ocorrer no fim do ano. A banda conta com a produção da Toroh, uma das principais produtoras de João Pessoa, que tem conseguido levar muitas bandas da cidade para outras regiões, incluindo muitas que estarão no SIM este ano.

A cena pessoense está conseguindo furar esse bloqueio regional graças aos esforços e resistência de iniciativas como a Toroh. A própria qualidade da música também não fica para trás, e Gustavo cita nomes como Seu Pereira, Bicho-Grilo, Augustine Azul, Vieira, que participou do último disco da banda, assim como os primos Chico e Regina, como expoentes da nova cena que aos poucos vão construindo suas carreiras e deixando suas marcas na história da música da capital. Incompreensivelmente, o poder público permanece indiferente à tudo isso. Há anos na cidade diversos artistas tem lutado para que o Fundo de Incentivo à Cultura (FIC) Augusto dos Anjos, que financia projetos culturais através de editais, seja pago aos projetos vencedores.

Se de um lado o dinheiro dos editais não é pago e enquanto não encontram interesse do setor privado em investir na música alternativa na cidade, as bandas — e a Banda-Fôrra está nesse meio — têm mantido o espírito indie de fazer as coisas, mantendo a roda girando no braço. “O fato da gente não ter uma lei mais atual que incentive empresas do setor privado a investir acaba dificultando que um artista daqui, que mora aqui, aprove um projeto na Lei Rouanet. Porque os empresários não têm meios, não têm formas de doar, e quando têm os meios eles não têm interesses. Falta fazer essa ponte […] Isso tudo tem a ver com o formato das leis, etc e tal, mas eu acredito que essa galera que eu me referi, vão empurrando e fazendo seus trabalhos e vão buscando dominar o mundo. E é isso, acho que o trabalho é esse. Acho que a gente faz, sobretudo, por isso”.

O Hipercubo também resenhou o álbum Trilha, que você pode conferir clicando aqui.

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Jhonattan
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Amante de música e escritor; jornalista nas horas vagas