Resenha: 12:00, Rieg

Jhonattan
Hipercubo
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4 min readNov 1, 2018

Pegue aquele velho VHS encostado, limpe a poeira que se acumulou com os anos; se dirija até o videocassete e introduza a fita. Depois de uma sequência de cliques e sons de máquina trabalhando, uma imagem de qualidade que deixa a desejar vai aparecer, cheia de interferências e anomalias magnéticas. Agora sente e tente relaxar enquanto enfrenta seus medos assistindo o filme de terror que você colocou. Essa é uma das possíveis cenas que vêm à cabeça enquanto você ouve 12:00, último disco da banda Rieg.

Lançado em março, o álbum faz uma viagem aos anos 80, de onde resgata a sonoridade dos filmes de terror b, que tanto fizeram sucesso nessa época. O trio Rieg Rodig (vocal e synth), Daniel Jessi (baixo e synth) e Nildo Gonzalez (bateria e synth), consegue criar uma aura de terror ao longo das 12 músicas presentes no disco, onde cada faixa consegue ter seu próprio estilo de forma independente e manter-se coerente com o contexto do álbum. A banda criou um roteiro que liga todas as músicas — detalhe que será abordado mais para frente — mas, mesmo que quem ouça não esteja ciente dessa conceitualidade do álbum, consegue captar a ideia através da, digamos, “vibe” do todo.

“Cada música representa uma cena diferente dos filmes e estão ligadas às neuroses do pai da criança, uma espécie de psicose imaginária induzida pela companhia Terrible Inc por meio de mensagens subliminares”

Talvez a banda tenha alcançado essa sonoridade devido à presença quase onipresente dos sintetizadores, reduzindo a influência das guitarras. O terror aqui referido, no entanto, nada tem de gore, gritos ou sussurros aterrorizantes. O som do Rieg emula um terror dançante e pop, cujas similaridades com o terror de fato vem de uma vaga sensação de nostalgia; um déjà vu musical, ou aquele momento que sentimos que, de alguma forma, já ouvimos aquela música. Com beats de hip hop e música eletrônica e embalados por sintetizadores fantasmagóricos, o disco pode muito bem lembrar um remix da trilha sonora de algum filme de terror B da década de 80.

Essa onda de nostalgia oitentista se desenha há algum tempo, notavelmente no cinema e TV, através de séries como Stranger Things, remakes de filmes da época. Na internet é possível encontrar inúmeros do chamado estilo synthwave ou retrowave, exploram ao máximo a estética e sonoridade dos filmes, séries e videogames da década de 80.

Voltando ao Rieg, essa ideia de filme de terror B é reforçada pela identidade muito própria da banda, que extrapola as fronteiras da música e agrega também apelos visuais e conceituais. Como foi dito, o álbum é uma peça conceitual cujo foco é uma história surreal criada pelos integrantes, sobre um garoto que encontra uma fita no porão de casa, no qual estão gravações feitas pelo pai. Como a banda explicou em entrevista ao G1, “ao assistir os filmes que o pai gravou no aparelho de casa, ele conhece melhor um lado obscuro do próprio pai que ele não sabia. Cada música representa uma cena diferente dos filmes e estão ligadas às neuroses do pai da criança, uma espécie de psicose imaginária induzida pela companhia Terrible Inc por meio de mensagens subliminares. Inicialmente, o menino fica perturbado e chocado com o lado desconhecido do pai, mas aos poucos ele vai entendendo melhor e descobre que na verdade todo ser humano tem esse lado estranho”.

Essa ideia está contida na capa do álbum, que simula uma fita VHS, e em uma espécie de filme disponibilizado pela banda em seu canal do youtube — uma mistura de cenas da banda tocando enquanto estranhos personagens dançam, com pedaços de filmes e séries antigas e imagens propositalmente tremidas e cheias de interferências para imitar o efeito das fitas cassete. Tudo isso reforça a ideia de como se estivéssemos realmente colocando uma fita cassete e nos preparando para assistir a um filme. Uma experiência perdida nos dias de hoje e que a banda tenta resgatar.

12:00 é um contraponto a um primeiro som da banda, apresentado no EP The Histrionic, de 2012. No entreato entre esse dois discos, a banda lançou uma profusão de singles que anteciparam essa mudança no som. Resta saber se este novo álbum significou que a banda encontrou seu estilo ou se o som do Rieg irá mudar para os próximos registros. Mas é perceptível, de fato, uma evolução, um amadurecimento no som da banda. Ao pegar onda na vibe nostálgica e apostar em roupagem intimista e dark, Rieg consegue seu lugar como uma das bandas mais idiossincráticas do cenário paraibano, quiçá do país.

Ouça o disco:

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Jhonattan
Hipercubo

Amante de música e escritor; jornalista nas horas vagas