Resenha: ‘Sea at Night’, Glue Trip

Jhonattan
Hipercubo
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3 min readNov 1, 2018

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Se tem uma palavra interessante para descrever um som, é “cremoso”. Algumas músicas tem essa característica de soar tão agradáveis aos ouvidos que podem causar uma sensação quase sinestésica de ‘maciez’ no som. Cremoso talvez seja, então, uma boa palavra para descrever o som feito pelo Glue Trip. O quinteto formado por Lucas Moura (guitarra e voz), Felipe Lins (guitarra), Gabriel Araújo (baixo e voz), CH Malves (bateria e pad) e Rodolfo Salgueiro (teclado, sample e voz) consegue flertar com uma diversidade de estilos para criar um som bastante particular, uma amálgama de influências que vai de Tame Impala (sempre eles) passando por gêneros brasileiros, como a bossa nova, criando uma psicodelia à brasileira. Se desse para definir o som da banda com uma cena (completando essa gama de sinestesias que a banda causa), seria um entardecer na praia — com alguma dose de psicotrópicos.

O Glue Trip alcançou certo reconhecimento na cena indie/psicodélica brasileira com seus primeiros trabalhos, através de hits como Elbow Pain, de forma que seria perfeitamente natural que a banda tentasse repetir a fórmula dourada, mas é perceptível desde os primeiros segundos de Sea At Night que o Glue Trip tem algo novo a apresentar.

Em Sea at Night, seu mais recente trabalho, lançado em setembro, a banda experimenta novas sonoridades, indo buscar influências na música pop oitentista, sem abrir mão dos sons viajantes, que parecem se distanciar sob camadas e camadas de reverb e outros efeitos, característica marcante do grupo. Sea at Night, porém, é mais dançante e um pouco mais sombrio que seu antecessor, o homônimo Glue Trip, de 2015. Neste novo álbum, o entardecer parece ir escurecendo aos poucos e passamos de um luau psicodélico na praia para uma boate à beira mar. É possível sentir isso até mesmo na capa do disco. Um eclipse e a estranha cor que ele emite, refletida nas águas calmas, tudo isso parece nos convidar para um pulo no mar noturno. Simples, porém bastante evocativa arte de Bruno Pena Branca.

Sobre o som, em Sea at Night a banda faz maior uso de sintetizadores, que dão as caras logo de início, no teclado macio de Waves, faixa de abertura, e que vão se apresentar ao longo de todo o disco, de diferentes maneiras, mas sempre predominante. Ele ora é dançante, em Fancy; ou sombrio, na futurística The Future of our Lives; ou então quase ambiental, como na etérea Closing Cycles. No geral, os tons orgânicos diminuíram. O violão, por exemplo, quase onipresente nos trabalhos anteriores, foi reduzido à algumas participações pontuais, como pode ser visto nas faixas Time Lapses, Honey ou E.W.W.T.

Esse espaço deixado pelo violão foi em alguns momentos preenchido pelas guitarras que, aliadas às batidas, dão um tom mais dançante, pop. Nas batidas também se mostra a influência da música brasileira, que, como foi dito, não desapareceu. Isso pode ser percebido de alguma forma em faixas como Between Jupiter and Mars, ou na batida de funk carioca no final de Friend Zone Forever. Na página da banda eles citam que durante a produção do álbum escutaram diversos artistas, desde Unknown Mortal Orchestra e Daft Punk até Gilberto Gil e cantores de soul music da década de 70, caldo que acabou ditando a construção do álbum. Unindo essa mistura de ritmos e estilos, estão os vocais macios cheios de reverb, vozes longínquas que sussurram letras surreais e as vezes parecem se misturar à toda a instrumentação, se tornando quase incompreensíveis.

O Glue Trip pega carona na onda psicodélica que inunda atualmente na música, cujos principais representantes são os australianos do Tame Impala e, aqui no Brasil, o Boogarins, mas consegue seguir um direcionamento próprio. A banda, que já admitiu em entrevistas que a construção de suas obras ocorre de forma muito intuitiva, consegue juntar uma grande variedade de ideias e ainda assim manter a fluidez de suas músicas. Em Sea at Night o Glue Trip consegue brincar com uma dezena de influências sem perder a personalidade, dando um passo firme na consolidação de seu som e de quebra ainda amplia seu leque possibilidades.

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Jhonattan
Hipercubo

Amante de música e escritor; jornalista nas horas vagas