Rieg vai além da música

Jhonattan
Hipercubo
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8 min readNov 3, 2018

Rodig Rieg e Daniel Jesi falam sobre sobre mudanças e aprendizados sobre música e arte que tiveram ao longo de sua carreira

Da esq. para a dir.: Daniel, Nildo e Rieg. Lisergia pura. Imagem: Rafael Passos

Quem já tentou conversar com algum artista, sabe que pode ser fácil ou difícil, tanto para chegar até a pessoa, quanto para manter um diálogo. No caso dos rapazes do Rieg o contato foi de extremamente receptivo: contatei o vocalista Rieg Rodig por Whatsapp, lhe questionando sobre uma possível entrevista, no que ele prontamente respondeu com um “Opa! Com certeza! Pode ser amanhã?”.

No outro dia estávamos reunidos ele, Daniel Jesi, baixista da banda, e eu no “BBS”, uma casa na região da orla de Tambaú que é uma espécie de QG da banda. A conversa se desenrolou na mesa do que seria a sala de jantar, no térreo, sendo que logo acima, no primeiro andar, fica o ambiente de produção da banda, com os instrumentos, computador e equipamento de som, além dos cartazes e adesivos colados nas paredes, e objetos decorativos nas mesas. Percebi um do Shiko lá, mas haviam outros, muitos deles feitos pelo próprio Rieg.

Os rapazes se mudaram para lá há dois anos e meio, após a antiga sede, que ficava no centro histórico da cidade, ter sido arrombada e os instrumentos roubados. Lembro desse fato em especial porque aconteceu por volta da época em que eu havia entrevistado o Daniel Jesi sobre outro outro projeto seu, o Burro Morto.

Essa não é a primeira vez que encontro Rieg também: já tivemos um breve encontro quando comprei um controlador MIDI que ele estava vendendo. Na ocasião ele se desculpou por algumas marcas de adesivos no instrumento e me disse que estava se desfazendo dele para comprar um modelo mais avançado — que hoje deve se encontrar em algum lugar do home studio.

Filho de um americano com uma brasileira e nascido nos Estados Unidos — fato inegável pelo seu forte sotaque com ‘R’ enrolado — ele é um cara simples e sem cerimônias, que geralmente ri quando se perde no português, e talvez por isso seja econômico nas palavras. Daniel, por outro lado, é do tipo mais eloquente. Seu linguajar é rápido e cheio de gírias, e ele fala na medida que suas ideias vão brotando. E elas são muitas, se tratando de música.

Mudanças

A banda foge de categorias, fazendo uma mistura de eletrônica, hip hop e artes visuais. Imagem: Rafael Passos

Enquanto Daniel volta da cozinha com café, eu quero saber dos dois mais sobre o BBS. O espaço, eles explicam, está entre um centro de criação e um home studio, usado para produzir as músicas do Rieg e do D_M_G (outro projeto mantido pelos dois, mais voltado para a música eletrônica). Mas que também está aberto à qualquer um que quiser chegar e trocar uma ideia com a banda.

Hoje o Rieg divide o espaço com nomes como o Filosofino, as garotas do Sinta a Liga Crew, Amaro Man, Bravo — todos artistas que usam a casa como uma espécie de laboratório criativo e que acabam mantendo uma rede de parcerias entre si. “A gente está convidando uma galera. E a gente consegue direcionar que é um grupo de produtores que se juntou de livre e espontânea vontade, por afinidades e tal, e cada um ‘bate a mola’ para produzir e ajudar ao outro”, define.

O infortúnio do roubo da antiga sede, de certa forma, foi o pontapé para a banda a fazer uma transição que já era desejada. “A gente sacou que a banda precisava de uma integração melhor na cena, a gente estava meio isolado”, explica Daniel, enquanto serve o café, sendo complementado por Rieg “eu ironicamente sempre achei que lá no centro era muito mais fechado, por um lado”.

Uma das bandas mais antigas na cena de João Pessoa, o Rieg passou por muitas mudanças desde que nasceu, em 2010. Primeiro com a saída do guitarrista Felipe Augusto, após o lançamento do primeiro EP, The Histrionic, de 2011, e depois com a mudança do baterista Nildo Gonzalez para a distante Teresina, o Rieg foi aos poucos mudando sua sonoridade, abandonando de vez as guitarras e se aprofundando cada vez mais na música eletrônica.

Nildo, o baterista, continua na banda, apesar da distância. Sua presença, no entanto, se tornaram mais seletivas, participando dos shows maiores que compensem financeiramente seu deslocamento. Na ausência do baterista, porém, a banda começou a experimentar mais o uso dos computadores para produzir música, surgindo daí o D_M_G, formado por Daniel e Rieg, que faz uma mistura de música eletrônica experimental com discotecagem.

A mudança para a nova casa representou também uma mudança dos rapazes na forma de encarar a produção musical. “A gente tinha um estúdio grande mas a gente quis voltar, dar uma ‘enfurnada’, para virar mais fácil”, afirma Daniel, se referindo ao antigo estúdio do qual ele era sócio, o Mutuca, no Centro Histórico da cidade. “O cérebro do estúdio é o computador, a gente cria nele o tempo todo ou com alguns periféricos que são somados a ele. As músicas todas se direcionaram um pouco a isso. Antes era tudo banda, a gente ensaiava em estúdio, tinha que ter uma bateria… agora não, eu boto os monitores que a gente usa para gravar e cria-se já perto do resultado final”, explica Daniel.

Coletividade

Os rapazes, bem despojados, no BBS. Imagem: Rafael Passos

Nesse processo o Rieg acabou mudando também sua visão sobre o mundo da música. Os rapazes mantém um discurso bem pé no chão e uma espécie de filosofia que pode ser resumida em duas palavras: versatilidade e cooperação. Se auto-produzir, vender seu produto, dialogar com o público e com outros artistas. De fato, ao longo da nossa conversa, falamos menos sobre a banda em si que de produção musical. O Rieg ao longo do tempo foi se tornando um projeto multimídia, que une música, dança e o audiovisual. A banda tem um forte apelo estético influenciado pelas imagens da cultura pop que Rieg absorveu como um garoto americano: desenhos, filmes e séries, tudo ressignificado em uma estética glitch que predomina no visual de tudo que eles fazem.

O BBS está no centro de tudo isso, agregando artistas que compartilhem uma filosofia parecida com a banda. “Se precisar de alguém para tocar a gente toca, se precisar de alguém para fazer show a gente faz”, explica Daniel e Rieg complementa: “Filmar e essas coisas. Porque nem todo mundo sabe essa parte de produção que precisa ser feito. Tem as redes sociais, as estratégias, a gente também dá uma força nessas coisas”.

Nessa troca eles acabam ganhando também. A banda gravou uma espécie de filme que acompanha o novo álbum da banda, 12:00 — uma mistura de filmagens da banda tocando, acompanhada por estranhas figuras dançantes, entrecortada por imagens de séries antigas retiradas da internet. A cooperação no filme inclui o DJ Guirraiz, as garotas da Sinta a Liga Crew, o projeto Bravo, assim como o diretor, Diego Miranda, e Diogo Almeida, que conheceu a banda no primeiro dia de gravação e curtiu tanto a ideia que acabou fazendo a edição do filme. “A gente quis mostrar isso, essa coisa da parceria com a galera. Todo mundo que tá rolando no filme lá é porque tava perto nessa época”, revela Rieg.

Versatilidade

A banda investe pesado na produção visual. Imagem: Divulgação

Daniel é muito ativo no Instagram, postando todos os dias algum beat. “Se você não se expor, você não aparece. E hoje, se não for constante, se não for diário, não vai aparecer mesmo”, enfatiza o músico. A banda nega a ideia do artista que se preocupa apenas com música, e aposta no ‘faça você mesmo’. “O produtor que só faz isso ‘eu vou pegar uma banda e tal e vou produzir e fazer as camisetas da banda, vender para banda, fazer show para eles’, quase não existe mais essa figura”, ressalta Rieg.

Os rapazes contam com a ajuda da Toroh, que faz o intermédio da banda para os shows de fora e de maior porte, e que garantiu a entrada da banda no Mada. “Você nunca consegue deixar solto. Não existe esse papo de “eu não me preocupo com datas, quem faz isso é o produtor”. No nicho que a gente está hoje não existe. Pode parecer meio cruel falar isso quando o cara está começando, mas não, se adaptando desde o início fica mais fácil” aconselha Daniel.

A banda já tocou em outros festivais de grande porte, como o Picnik, em Brasília, ou o Festival Febre, em Sorocaba, mas os dois não se negam a tocar em casas de show intimistas de João Pessoa. “Meu parque de diversões é estar em festival”, diz Daniel. “É estar com as bandas conversando, falando sobre uma filosofia que tenha a ver com música, com arte, com a vida. É onde eu quero estar então, independente de ser grande ou não”.

Ao longo desses anos, diante das adversidades, a banda abriu seu leque de possibilidades assim como a mente. De todas as formas a banda tenta se desafiar, sempre aprendendo algo. Nas viagens, alguém prepara uma playlists com músicas que eles não conhecem, estilos que eles talvez nunca fossem escutar espontaneamente. Mas presos no carro não têm outra opção senão escutar e isso acaba se tornando um exercício criativo. Na última viagem o Rieg preparou uma playlist de chiptune. “Era uma coisa que eu não sacava também, ‘vamos testar o que é chiptune”. Ele (Daniel), falou: ‘bem, tem umas músicas muito difíceis’. Mas entendi a onda do chiptune. Massa demais”.

Manter a ambição sem deixar de olhar para o que está à sua volta, assim como valorizar as diferenças. Daniel, por exemplo, que odiava discotecagem, afirma que hoje esta é uma parte predominante no seu trabalho. Seja rock, funk, forró ou sertanejo, os rapazes estão interessados na arte e no processo de construção da cena, indo muito além da música, como explica Daniel: “Eu quero ajudar de forma que eu seja relevante no processo todo. Para mim é muito mais sonhador isso. Tipo o cara chegar na cena e e a galera ‘ah que massa, o que vocês fazem me influenciou na maneira de pensar como eu faço um jogo’. O mais importante é ressignificar tudo tempo todo. Nada é só o que eu vejo. Porque teu ângulo pode ser outro mas você pode estar tão certo quanto eu. Respeitar isso faz parte do que a gente faz”.

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Jhonattan
Hipercubo

Amante de música e escritor; jornalista nas horas vagas