Tenaz: Nada além de sinceridade

Jhonattan
Hipercubo
Published in
8 min readNov 14, 2018

--

Dona de um som sentimental e potente, a Tenaz se mantém firme nos primeiros anos de atividade se apoiando na reciprocidade dos fãs

Andrei, Marcus, Danilo e João. Imagem: Jhonattan Anderson

Tenacidade é a qualidade que um material possui de suportar uma força sem se romper; é adjetivo também das pessoas persistentes, obstinadas, que perseguem seus sonhos, ideias, objetivos. Tenacidade para resistir à rotina, às cobranças, aos fracassos, às perdas e continuar em frente: essas são as mensagens mais perceptíveis nos versos de Andrei Lira, vocalista e principal compositor da Tenaz. Além de Andrei, Danilo Pacine (baixo), João Cavalcante (guitarra) e Marcus Menezes (bateria), compõem a banda.

O nome foi retirado da música 130 anos da banda Agridoce, do verso “você sabe, a desordem é tenaz”. A palavra sintetiza a mensagem que a banda quer passar em suas músicas. “Faz sentido para a banda: resistência, suportar grandes pressões sem se partir, sem se destruir. É massa. A gente quer pegar esse significado e colocar como significado real da banda”, explica Andrei.

A conversa com os rapazes aconteceu em na casa de Andrei, após um de ensaios semanais, realizados religiosamente nas terças. A reunião às vezes ocorre no estúdio Mutuca, no Centro Histórico de João Pessoa, mas neste dia será no terraço da casa do vocalista. Andrei e João com violões, Marcus com um cajón, sendo Danilo o único plugado, com o baixo. Esse som acústico não é alheio à banda: é o que a banda vem apresentando nos shows pequenos e intimistas que tem realizado nos círculos indie de João Pessoa.

Não é intencional, no entanto. “O primeiro plano da gente é uma banda com bateria, guitarra, baixo, distorção, aquela coisa toda, uma banda que não seja essa pegada semi-acústica como a gente tem tocado agora […] Os primeiros shows que a gente teve foram na UFPB e a estrutura que a gente tinha cedia uma bateria ou amplificadores e tal. A gente fez sempre a partir da gente”, explica João.

Ainda no comecinho, o acervo online da banda conta com uma música no Spotify, Azougue, com instrumentação completa, bateria e tudo, algo no tipo que a banda quer apresentar; e alguns vídeos no Youtube, onde Danilo e Andrei tocam apenas com os violões. Essas limitações não impedem, no entanto, a percepção da essência da Tenaz: uma música direta e simples, porém profundamente sentimental e potente. De um início delicado, as músicas vão muitas vezes se engrandecendo nos vocais de Andrei até atingir seu clímax, quando a banda inteira canta junto. Assim como um sentimento que vai crescendo, tomando conta, até sair do nosso controle.

Continuar

Sem se rotular, a banda aposta na sinceridade de seu som para construir seu lugar na cena indie. Imagem: Jhonattan Anderson

A Tenaz começou como um projeto pessoal de Andrei, em 2015: voz, violão, alguns vídeos nas redes sociais e com a boa recepção de amigos, ele decidiu que era hora de virar a página. Quem vê o vocalista cantando a plenos pulmões hoje, não imagina que, até pouco tempo ele tinha desistido da música por insegurança com a própria voz.

Nascido em Recife, se mudou ainda garoto para João Pessoa. De uma família de estirpe religiosa, filho de um pastor, Andrei aprendeu seus primeiros acordes dentro da igreja, onde permaneceu até o fim da adolescência, quando, segundo ele, começou a conhecer o mundo. Ele reconhece a influência musical que carrega dessa época: “foi o que me fez ter gosto por música, aprender a cantar, fazer harmonia vocal, a escutar, treinar meu ouvido […] são coisas que de alguma forma estão na minha cabeça naquela época, que ficaram guardadas. Tem muita melodia de hino que é muito bonito, chiclete pra caramba”. Ele mantinha, no entanto, uma vida dupla: entre hinos e louvores, ele cantava na Sindical, uma banda de colégio que pegava carona na explosão do emo na década de 2000.

A música da Tenaz busca se conectar com seu público, por meio de letras diretas e sinceras, que falam sobre “essas coisas que todo mundo passa, sente: esperanças, decepções, tristezas”

Front na Sindical, ele não encontrava o mesmo espaço na igreja, limitado apenas o backing vocal, já que pessoas próximas desacreditavam seu potencial para ser vocalista. Decidiu se testar da melhor maneira que um adolescente no fim da última década com inspirações a cantor poderia fazer: se inscrevendo em um show de talentos.

Ele foi até Salvador e esperou com seu violão nas filas quilométricas para tentar a sorte no Ídolos, sucesso absoluto do gênero no Brasil na época, mistura de caça-talentos com show de bizarrices, cujo mal-humor dos jurados só não ultrapassava o gosto que tinham por humilhar os participantes, clichê quase obrigatório em programas desse tipo. Andrei apresentou algumas composições da Sindical. Foi reprovado. Foram três anos para se recuperar da decepção, até quando, em 2015, dividindo sua cabeça entre a universidade, o trabalho em um call center e um relacionamento recém terminado, ele se encontrou da música de novo. As composições vieram e ele decidiu tentar mais uma vez, ainda que ele ainda duvidasse da própria voz. Ele escreveu, diz, nem que fosse para outra pessoa cantar. “Mas a galera foi chegando junto, dando apoio […] Eu percebi que tinha havido uma evolução minha e com o que eu escutava dos outros. A afirmação veio mais externa do que internamente”, diz.

Um dia após o outro

Passando por momentos de incerteza, a banda se apoia na resposta de seu público. Imagem: Jhonattan Anderson

Após tomar segurança com o projeto Andrei convidou alguns amigos, mas essa primeira formação não deu certo. A banda na formação atual foi resultado do acaso. Danilo, João e Marcus entraram na banda porque acreditaram no som. Talvez, de certa forma, foram tocados, já que eles guardam semelhanças em suas trajetórias. Tanto Danilo como João começaram cedo na música tocando em igrejas; Marcus é o único que foge à regra: começou batucando na mesa e aprendeu a tocar sozinho, ouvindo músicas dos Los Hermanos. Tanto ele quanto João também quase desistiram da música. Marcus encontrou sua redenção na Vieira, onde conheceu João. Antigo na cena do metal pessoense, João passou por uma dezena de bandas, mas passou dois anos parado após sair do Vieira. Chegou até a vender os instrumentos, mas descobriu a Tenaz através de um convite de Marcus.

Se por um lado a tenacidade é necessária, a consciência da dureza da vida também tem de estar ali. Esses dois lados da mesma moeda se fazem presentes na música da Tenás.

Além dos vocais, a Tenaz também se apoia muito na instrumentação. As influências vão desde o rock, passando pelo emo e talvez um pouco de MPB. O som da banda é bastante direto, e o violão é tem uma presença muito forte, mesmo nos shows. A habilidade inegável de Danilo, João e Marcus é trabalhada de forma sutil para funcionar em prol do violão e vocal, resultando em um conjunto muito orgânico.

A banda foca no Instagram como meio de publicidade, onde anuncia os shows que a banda tem feito pela cidade em pequenas casas de show, pubs ou na universidade. Ainda assim a banda vem cooptando um pequeno séquito de fãs que lotam os shows e sabem as letras de cor. Há sempre aqueles momentos onde as incertezas rondam a cabeça, mas Tenaz tem se apoiado nos fãs para passar as fases ruins.

Alguém que publica em seu histories do Instagram alguma letra das bandas, ou que na fila do restaurante universitário diz “ei, você é da Tenaz”; coisas simples, mas que guardam enorme capacidade redentora. Mais que escutar, a música da Tenaz busca se conectar com seu público, por meio de letras diretas e sinceras, que falam sobre “essas coisas que todo mundo passa, sente: esperanças, decepções, tristezas”, afirma Andrei. “E com a parada direta assim, rola identificação. Bads, trabalho, rotina, estar triste por causa de um relacionamento ou amizade que está dando errado. Você sente essas coisas e as letras falam disso, sabe?”.

O grupo conta com ajuda de amigos que acreditam no som da Tenaz e espalham por aí seu nome, como uma amiga que certa vez apresentou um conhecido que se confessava fã a Andrei. “Natália é nossa social media sem ser […] Ela gosta muito da gente, sempre está divulgando, chamando amigos para os shows”, explica João, sendo complementado por Marcus: “Isso é massa porque ela age como voluntária”.

A banda está em estúdio produzindo seu primeiro EP, que planejam lançar no começo de 2019. Ainda não há um nome definido, mas já podemos esperar para ouvir o som completo da banda, com bateria, guitarra, teclado. Também estão na preparação para o primeiro clipe, que será lançado junto com um single da música Um Dia Após o Outro. A música não era considerada uma das principais pela banda, até um show que para eles virou uma espécie de marco: realizado em um pub pequeno da cidade, a banda viu a casa lotar e cantar as músicas com afinco, especialmente o futuro single.

A letra da música captura o coração da banda: resistir apesar das cobranças e dos erros e continuar adiante. “E assim eu vou vivendo/ um dia após o outro/ nem sempre escolhendo o melhor. Carregar o peso de escolhas que não fiz, perceber, fechar os olhos e não permitir a lágrima cair”, para logo então se contradizer: “Tolo eu tentei controlar o que ia surgir, como se fosse uma questão inteira sobre mim e a lágrima caiu/ não controlei, nem quis controlar/ melhor sensação não há”.

Se por um lado a tenacidade é necessária, a consciência da dureza da vida também tem de estar ali. Esses dois lados da mesma moeda se fazem presentes na música da Tenás. O desgaste da rotina, o peso das escolhas e das incertezas, mas também a força para continuar, pra vencer o dia-a-dia através de palavras amigas, do companheirismo.

Tenacidade, afinal, deve ser a característica das bandas que estão dando os primeiros passos. Uma mistura de sonhos, diversão e dureza à gosto da vida. Tem seus altos e baixos. Mas por maior que seja a resistência de um objeto, isso não o torna inquebrável. Não existe na natureza tal prodígio, muito menos entre os humanos. Somo muito mais frágeis do que gostaríamos de admitir e nos quebramos com facilidade, como brinquedos delicados nas mãos rudes da vida. Somos partidos por trabalhos entediantes, relacionamentos frustrados e rotinas ilógicas ou até por uma imagem no espelho, postos em desalento por uma sociedade que é tão culpada quanto vítima.

A fragilidade humana só é talvez ultrapassada por uma qualidade única nossa: a capacidade de se recompor, se reerguer e se aperfeiçoar com os erros, como nos versos que encerram Um Dia Após o Outro: “A cada erro um recomeço/ a cada erro eu pago o preço/ a cada erro eu cresço/ me aproximo de mim”.

--

--

Jhonattan
Hipercubo

Amante de música e escritor; jornalista nas horas vagas