MENOS DE 3% DOS MOSSOROENSES USAM O TRANSPORTE PÚBLICO MUNICIPAL

HiperLAB UERN
Agência HiperLAB de Reportagem
7 min readJun 8, 2019
Fotos: Leonardo Matoso/Agência HiperLAB

Crescimento de aplicativos de mobilidade urbana e rede de transporte clandestino influenciam baixa procura

Por Leonardo Matoso e Erika Milleny

QUEM COSTUMA USAR o sistema de transporte público em Mossoró sabe que o setor é um dos gargalos do segundo maior município do Rio Grande do Norte. Com uma população estimada em 294.076 mil habitantes (Censo IBGE 2018), somente 8 mil (2,7%) fazem uso dos 30 ônibus que circulam pelas 17 rotas, e passam pelas 579 paradas de ônibus espalhadas pela cidade.

Os dados são da empresa Cidade do Sol, única autorizada a explorar o serviço no município. Os motivos da baixa utilização dos ônibus, segundo usuários, são diversos, como a má qualidade dos serviços prestados, as condições precárias de alguns veículos, a demora em chegar na parada e até o valor das passagens. Para a empresa, o serviço clandestino de taxistas e mototaxistas é ainda um ponto forte de impacto que tem evitado o crescimento na quantidade de usuários do sistema, aponta Waldemar Araújo, diretor da Cidade do Sol.

“De acordo com informações da Prefeitura de Mossoró, hoje temos cerca de 700 mototaxistas cadastrados e 1500 irregulares, atuando de forma clandestina. Nós temos também o táxi lotação, que desequilibra qualquer linha. Enquanto nossos ônibus dão 80 viagens por dia, eles dão 500, por exemplo. O táxi precisa fazer a função dele, que é pegar individualmente um cliente e levar para o seu destino, ou seja, o táxi deve ser individual e não coletivo. Sem contar o carro particular que faz serviço de táxi pelo mesmo valor dos ônibus e os transportes por aplicativos sem fiscalização. Fiscalizar essas atividades é papel da prefeitura, mas cadê?”, questiona Waldemar.

Para a prefeitura, os números apresentados pela empresa destoam da realidade. Antônio Adalberto de Oliveira Jales, secretário executivo municipal de mobilidade urbana e trânsito afirma que não é possível mensurar ou descobrir no momento o número de táxi e mototaxistas clandestinos devido à própria condição de clandestinidade. Mas o que se sabe é que “existem 392 Táxis cadastrados junto à prefeitura municipal, onde 324 estão vistoriados e aptos a trabalharem. Outros 56 foram vistoriados, mas apresentam pendências e 12 não haviam comparecido à vistoria”, afirmou.

Waldemar Araújo aponta que a cidade precisa de uma política de valorização do transporte público e uma maior fiscalização contra o transporte clandestino. Além disso, é necessário melhorar a estrutura das ruas e incentivar a população a utilizar mais o sistema. “As atividades clandestinas precisam ser fiscalizadas, isso acaba prejudicando o transporte coletivo regular. Além disso, é fundamental a manutenção das ruas para a passagem dos ônibus com segurança e conforto aos passageiros”.

Do outro lado da história, taxistas argumentam que se a prefeitura permite que eles atuem pegando mais de um passageiro durante o trajeto, não haveria clandestinidade. Opiniões assim foram dadas à reportagem por quatro taxistas que pediram para não serem identificados. Eles defendem que a escolha por qual serviço utilizar está nas mãos do usuário. “O caminho que a gente faz é escolhido pelos passageiros, eles já ficam nas paradas por ser mais fácil, é o caminho normal. Além disso, o cidadão escolhe com quem anda e se eles preferem os Táxis ao invés dos ônibus, tem um motivo”, disse um dos taxistas ouvidos pela reportagem.

Para o secretário executivo de Mobilidade Urbana e Trânsito de Mossoró não existe nenhuma Lei que permita ao taxista ou mototaxista fazer o papel do transporte público/coletivo, sendo proibidos de “pegarem” passageiros nos pontos de ônibus. “Existe em nosso município a lei nº 715/92 que criou o táxi lotação, mas tem suas regras de funcionamento definidas, e eles não podem utilizar das paradas de ônibus para pegarem os passageiros”. O secretário reitera ainda que medidas contra a clandestinidade estão sendo tomadas. “A gerência de fiscalização criou um grupo composto por Agentes de Trânsito, especificamente para fiscalizar o transporte clandestino em nossa cidade, ele atua diariamente em diversos pontos através de blitzen e abordagens”, concluiu.

FALTA DE REPAROS NA MALHA VIÁRIA PREJUDICA ÔNIBUS E LEVA RISCOS A USUÁRIOS

Foto: Leonardo Matoso

DO PONTO DE ÔNIBUS ao destino do passageiro, andar de ônibus é mais do que cumprir trajeto. É um teste de paciência posto em prática diariamente por quem utiliza o transporte público e lida com as dificuldades do cotidiano. Os problemas podem ser pequenos, como atrasos ou a dificuldade de alguns motoristas de pararem no local correto devido as falhas no sistema de alarme. Há outros maiores, como como avenidas esburacadas, falta de reparos estruturais nos veículos e até mesmo acidentes de percursos dentro do próprio ônibus. Esse foi o caso de Aline Bezerra de Lima, de 36 anos. Ela voltava do trabalho na linha 2, no dia 9 de abril de 2019, quando um vidro estourou cortando mão, braços e ombros da passageira.

Aline relata que o vidro estourou “do nada” e assustou todos os passageiros. “Eu peguei o ônibus que vai para os Abolições e quando estávamos na rua da Cobal, a janela estourou do nada. Foi um grande susto. Graças a Deus os cortes foram leves, mas isso é um risco, imagina se fosse uma criança?”, alerta. O estudante do curso de Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Sandro Oliveira, de 19 anos, disse que o fato não foi um evento isolado. Outros vidros chegaram a quebrar neste ano, só que em nenhum caso houve passageiro ferido. Segundo ele, que estava pela segunda vez em um ônibus com o mesmo problema, os vidros podem estar quebrando por causa da falta de reparos ou devido aos buracos nas ruas. “As tarifas de ônibus que pagamos é cara, o mínimo que precisamos é andar de ônibus com qualidade e eles precisam ser vistoriados. Não pode ficar dessa forma. Cadê os reparos?”.

Sobre os reparos, Waldemar Araújo, afirmou que existem diariamente revisões preventivas e corretivas em todos os transportes públicos. Porém, a precariedade das rotas dificulta a boa conservação dos ônibus, e provoca problemas como quebra de molas e desgaste mais rápido dos pneus.

“Os percursos que os ônibus fazem são cheios de buracos (…) o carro bambeia todo (…) com isso, o parafuso vai soltando, aí chega um ponto que cai uma peça. Têm peças caindo todo dia e estamos reparando. Vários itinerários nossos tem trechos que é uma tristeza, cheio de crateras que nem carro e nem moto passariam. Já os ônibus não podem mudar de rota, todos os dias precisam trafegar pelo mesmo canto, isso compromete toda estrutura”, relatou.

O diretor da empresa Cidade do Sol reitera ainda que cada conserto corretivo é causado por quebras em consequência do percurso e esse não é um custo previsto no orçamento. “A tarifa cobrada nos ônibus é para custear a estrutura e ela é tabelada inicialmente pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), depois ela é calculada com a rota de percurso e a quantidade de passageiros pagantes. Há em média 8 mil passageiros pagantes por dia, de segunda a sexta, nos fins de semana essa média cai para 5 mil. O baixo número de passageiros aumenta a tarifa e diminui a vontade de investimento, o que transforma a visão para com o transporte público algo que não terá melhorias, isso desqualifica a existência do coletivo, fazendo a população ir procurar meios mais confortáveis para se locomover”, comenta.

Nesse ambiente, um ciclo vicioso se repete. O passageiro não utiliza mais os ônibus, pois não há melhorias. Não há melhorias porque não há um maior investimento, e não há um maior investimento porque o passageiro não utiliza. E assim acontece uma estrutura fraca, onde janelas estouram, portas não abrem e aviso para paradas não funcionam.

A realidade mostra a necessidade urgente de uma discussão ampla sobre o fortalecimento do sistema de transporte público municipal e democratização do acesso. Além disso, é necessário analisar a política de investimentos em transporte público, modernizando-o e garantindo o seu acesso à população de forma plural, pensando na qualidade de vida e bem-estar das pessoas que usufruem dos coletivos.

*A agência HiperLAB/UERN é uma ação do Laboratório de Narrativa Hipermídia (HiperLAB), projeto de extensão do curso de Jornalismo da UERN, coordenado pelo professor Ms. Esdras Marchezan

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O HiperLAB UERN é o Laboratório de Narrativas Multimídia do curso de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).