Um passeio pelas rimas e poesia de Pedro Savant

HiperLAB UERN
Agência HiperLAB de Reportagem
8 min readApr 27, 2021

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Em entrevista à Agência HiperLAB, o MC fala sobre seus primeiros passos no rap, a importância da regionalidade nas suas obras e sua vivência como artista independente

Por Pedro Ramiro — Da Agência HiperLAB

Quando cheguei em Mossoró, vindo de Limoeiro do Norte/CE, uma das primeiras coisas que fui buscar saber foi sobre a cena do hip hop e da poesia da cidade. Uma amiga que conheci comentou sobre o Slam Mossoró e disse que boa parte da galera que participava era da cena do rap também. Na primeira oportunidade de ir, eu fui. Chegando lá, conheci Pedro Savant, o Pepeu,e outros poetas e MCs, como Cumpadi Caboco. No fim do slam, todo mundo fez uma roda de free na rua e eu, que já estava de olho, só cheguei junto.

Conhecer Pedro foi muito doido. Me identifiquei muito com ele e também admirei a força e a calma que ele tinha quando rimava ou recitava suas poesias. Achei complexo de entender algumas visões sobre sua espiritualidade e como ele se percebia na vida. Depois de esbarrar com ele por Mossoró, conversar e fazer uns improvisos, percebi como ele é um artista importante e necessário pro hip hop. Seus versos se conversam bem com tudo, com a sua regionalidade, sua espiritualidade, seu respeito pelo real compromisso do rap e até mesmo seus próprios questionamentos sem resposta. Parecendo até que quer empurrar pra gente um pouco dessas dúvidas, esse boy bota a gente pra pensar.

Assim, não poderia deixar de ter uma conversa com ele e registrar isso no papel (ou tela) pra vocês.

Confiram a entrevista do meu parceiro, Pedro Savant.

Pedro Savant é um dos artistas que compõe a cena do hip-hop mossoroense. Foto: arquivo pessoal

Quais foram seus primeiros contatos com a música e o rap?
Meus primeiros contatos com a música foram em casa. Minha mãe e meu pai, apesar de não serem músicos, tocavam muitos instrumentos de percussão, pandeiro, tantan, ganzá, entre outros, e escutavam muita música.
Meu pai, Ubiratan, samba e brega. Minha mãe, Rosilene, MPB e rock. Na família também tinha outra referência que era meu tio Roberto, que foi maestro da Fanfarra do Colégio Diocesano Santa Luzia e tinha aprendido vários instrumentos como autodidata.
Eu estudava nesse mesmo colégio, que ele e minha mãe trabalhavam, e sempre fui doido pra tocar na fanfarra. O primeiro contato com o Rap foi com amigos da rua, Guilherme meu vizinho, e a gente escutava Racionais. E também, através do Orkut, baixei o álbum do Racionais Mil trutas e Mil tretas ao vivo e uns dois álbuns de Eminem, que ainda dominava a gringa na época.

Em Mossoró, o movimento hip hop já existia quando você conheceu o rap? Quando você começou a fazer parte dessa cena?
Quando conheci o Rap o movimento já existia em Mossoró. Na verdade já existe desde a década de 80, porém eu mesmo só fui me dar conta em 2015, quando ouvi falar das batalhas de rap e de uns boys que já faziam uns sons.
Depois conheci uma galera, lá no Beco dos Artistas, o Comedor de Camarão, Caboco, e aí começaram as primeiras vivências na Praça das Cobras [localizada no bairro Santa Delmira] fazendo improviso, escrevendo e mostrando os sons um pro outro.
De lá fui cada vez mais conhecendo mais artistas na cidade, trocando ideias, vivências e unindo forças pra concretizar o movimento.

Eu sei que você também organizou o Slam Mossoró. Como você conheceu o movimento slam? Quando você começou a escrever, já era direcionado pra música ou poesia?
O Slam Mossoró começou no final de 2017, com a galera do hip hop que percebeu a falta de eventos e espaços pros artistas se apresentarem. Então se juntou uma galera que estava à frente, na época, pra trocar ideia sobre como movimentar a cena e os formatos das apresentações.
Após isso, mesmo sem estrutura, a gente deu início no Memorial da Resistência e eu fiquei à frente, no começo como mestre de cerimônia (MC) e também como produtor.
Porém eu mesmo comecei a escrever raps e crônicas, no final de 2015 pro início de 2016, e a partir daí fui escrevendo mais e mais, nunca focado em somente um, mas andando fluidamente entre formatos de expressão.

Você traz para suas músicas e poesias um peso muito forte da cultura potiguar, desde o sotaque às expressões e palavras. Quem foi a primeira pessoa que você reconheceu que trazia esse regionalismo potiguar pra arte? E como foi a incorporação disso na sua arte?
Logo nos meus primeiros trabalhos, quando eu ia me gravando e escutando, eu percebi a necessidade de manter meu sotaque como forma de resistência cultural, tanto devido à xenofobia quanto pra não me perder em relação a quem eu sou e de onde vim.
Mas o primeiro artista que me despertou essa real valorização foi Chico Science, que pra mim é uma grande referência e inspiração, não só como músico, mas como ser humano.

Nas suas poesias, músicas e até mesmo freestyles (improvisação de rima) você faz muitas referências ao bairro Santa Delmira. Como você vê a importância do bairro na sua formação cultural?
Meu bairro é minha casa, me sinto muito confortável aqui, cresci com essas pessoas, o bairro e a Praça das Cobras me deram vivências incríveis. Trouxe também muitos amigos e nos deu um local pra reunir todo mundo e viver a cultura hip hop, seja no improviso, batalhas, encontros ou as músicas. E se não fosse assim, talvez não tivesse vivido tão bem o bem o rap.
Até porque o próprio Santa Delmira e outros bairros nas Abolições, do viaduto pra cá, é o lar de vários rappers, MC’s, bboys, grafiteiros, DJ’s, então é um polo cultural na cidade de vivência e troca de ideias.

Além da música e poesia, você também é designer. O hip hop influencia suas produções? Quais são suas referências para o seus designs?
Com certeza me influência de várias formas. No design ele me aponta em direção à estéticas visuais, referências, até porque eu iniciei na área pra fazer novos tipos de produções visuais, novos formatos pros meus próprios conteúdos, então o design tem uma influência direta do hip hop e foi iniciado nesse intuito.

Pra você, qual sua visão sobre o papel e os efeitos do rap em Mossoró?
O papel do Rap e do movimento hip hop em si é levar uma forma de expressão, conhecimento, consciência, autoestima e também um sentimento de comunidade e pertencimento pra periferia.
Mossoró, como uma extensão do movimento, busca as mesmas coisas, porém a indústria musical não tem essa mesma visão, e acaba que o próprio movimento do rap foi distorcido por outros movimentos derivados como o trap, que faz uma glamourização exacerbada de um estilo de vida autodestrutivo e altamente machista, fazendo o caminho inverso, chego até a dizer “desfazendo” o que foi feito anteriormente pelo Rap como movimento e cultura.

Nas suas músicas você fala muito sobre o cotidiano e também faz muitas reflexões sobre você mesmo e sua espiritualidade. Como em “Ainda é Tempo” que você diz: “Descobri que faço parte de tudo e que tudo faz parte de mim”, você acha que o rap além de uma ferramenta de luta, também é sobre auto cura e autoconhecimento? Como você pensa e liga essas questões?
Com certeza, sem dúvida nenhuma o rap é arte, e a arte em si é cura, transmutação. É você repassar e traduzir sentimentos em letras, ritmos, melodias, e isso tem tudo a ver com espiritualidade e autoconhecimento. O indivíduo que não se expressa adoece a mente, e isso que eu falo nesse trecho de “Algo a perder” é sobre o pertencimento a algum lugar no tempo/espaço.
A sensação de comunidade com outras pessoas, a achar um lugar tido como seu no universo e nesse momento que você está vivendo, o agora te espera, e o que eu falo logo após “moldando e constituindo o universo ao meu redor” é justamente a concretização desse pensamento e dessa filosofia. Além disso, o rap é quem permite essa vivência e essa troca de energia e informação.

Essa pandemia afetou muitos movimentos culturais, principalmente os de hip hop que ficou com um dos seus principais elementos que são a rua e as pessoas afetados pelos decretos e os momentos de alta contaminação. A partir dessa visão que a gente vêm tendo, como você acha que os artistas podem desenvolver seus trabalhos apesar dessa realidade? Como fortalecer a nossa cultura mesmo com tantas limitações?
Acho que primeiramente os artistas devem continuar criando, não é momento pra desanimar, é um momento pra introspecção, adaptação e criatividade pra lidar com as coisas. O movimento hip hop está sofrendo bastante, porém os artistas têm migrado pra apresentações online e intervenções, treinos, ensaios com pouco público seguindo todas as regras devidas.
A questão do fortalecimento nesse momento tão delicado é através da comunicação. O momento é de união entre os artistas, pra cada um incentivar o outro a seguir o caminho e não abandonar sua missão, que não é direta e objetiva, mas sim sinuosa, cheia de desafios. O sentimento de união é quem vai fortalecer a cena cultural, principalmente a independente, mobilizando formatos novos de intervenções, apresentações e divulgando os trabalhos um do outro

Você sente que o hip hop é valorizado? Existem políticas públicas que fortalecem essa cultura em Mossoró? Como você acha que o hip hop é visto?
Sinto que é valorizado por quem faz parte do movimento, mas assim como tem quem vê de uma forma boa, tem quem vê com maus olhos, e subestima todo o valor histórico e cultural.
Não existem políticas públicas que apoiem de nenhuma forma o hip hop em si. Esse ano devido a pandemia surgiu uma lei emergencial pros artistas da cidade, porém não é algo a longo prazo e não existem planos pra continuar ocorrendo esse apoio através de editais.
Espero realmente que as pessoas passem a valorizar mais a nossa cultura e que passem a ver o hip hop como ele é, uma ferramenta de expressão, comunicação, conhecimento, consciência e de vivência pra todos que estiverem dispostos a participar e se doar de alguma forma.

Pedro Ramiro é estudante do 6º período do curso de Jornalismo da Uern. A Agência HiperLAB é uma ação do Laboratório de Narrativa Hipermídia (HiperLAB/UERN), projeto de extensão do curso de Jornalismo, coordenado pelo professor Esdras Marchezan.

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O HiperLAB UERN é o Laboratório de Narrativas Multimídia do curso de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).