A Política Matou José de Alencar

Em uma das famosas páginas do seu livro Reminiscências, Visconde de Taunay, o mesmo autor de Inocência, relembra à decepção causada pela estreia parlamentar do autor de O Guarani.

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3 min readOct 25, 2018

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Foto rara de José de Alencar

Dotes oratórios constituíam condição essencial para o êxito de um político na Câmara ou no Senado no tempo da Monarquia. Os discursos podiam até pecar pela falta de objetividade, mas a nenhum parlamentar era permitido expressar asneiras em mau português (como, aliás, hoje acontece não poucas vezes). No caso de José de Alencar, tratando-se de um escritor, era natural que se esperasse em sua estreia como parlamentar, um grande orador. Mas, nesse quesito, ele revelou absoluta ausência de talento. Só anos mais tarde, já fora do poder, sentindo necessidade de se defender de inimigos, surgiu nele uma vontade férrea de orador.

Alencar —conta Taunay em seu livro de memórias — costumava discursar com a cabeça um tanto pensa para a direita, os braços presos ao corpo, tendo entre as mãos um livro, que abria e fechava, apoiando-o sobre a balaustrada da tribuna, mais como ocupação indiferente do que por cacoete inveterado. Uma vez ou outra, colocava uma das mãos nos bolsos, como quem não soubesse que destino dar aos braços. Era ensimesmado, dado a “hábitos de concentração”, fugindo ao que ele chamava “populacidade”. Tinha estatura pouco elevada e sem características ou qualidade física, que o impusesse à atenção pública, muito pelo contrário. Repassado de timidez, que jamais pode totalmente perder, era franzino, barbado demais para as feições miúdas e delicadas, fraco de laringe e pulmões, sem gesticulação larga, antes constrangida e inexpressiva, ou seja, não parecia destinado adesempenhar papel influente no mundo político por sua oratória.

Ocupando a cadeira de deputado, embora não desse provas de grande eloquência, mostrou porém o mais vivo desejo de trabalhar pela causa pública. Apesar de ter confessado em sua autobiografia Como e Porque Sou Romancista (Clássicos Hiperliteratura Livro 18) que não sentia a menor vocação para a política: “O único homem novo e quase estranho que nasceu em mim com a virilidade foi o político. Ou não tinha vocação para essa carreira ou considerava o governo do Estado coisa tão importante e grave que não me animei nunca a ingerir-me nesses negócios. Entretanto, eu saia de uma família para quem a política era uma religião e onde se haviam elaborado grandes acontecimentos da nossa história”.

Não teria Alencar vocação para ser político? Se tomarmos o termo política no sentido elevado da palavra é impossível lhe negar essa vocação. Quer como deputado, quer como ministro da justiça, Alencar agiu sempre com verdadeiro espírito público, procurando sempre oferecer alguma solução para problemas do país na época. No entanto, não resistiu à rudeza dos golpes a que estão sujeitos todos os políticos. Sua sensibilidade de artista não fora talhada para tais embates. Assim, talvez não seja exagerado dizer que a sua morte prematura, aos 48 anos, tenha resultado da profunda desilusão que lhe causou o fracasso político.

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Curiosidades e bastidores da Literatura Brasileira. Coluna do escritor e jornalista Claudio Soares (Medium:@cssoaresonline)