A, B, C do trabalho

Rita Serra (A costureira)
histórias da serra
2 min readMay 9, 2021

Há três escalões de trabalho: A, B e C. Trabalhadores por conta de A trabalham para si mesmos — para se manterem vivos. Trabalhadores por conta B trabalham para nós. Trabalhadores por conta C trabalham para outros.

Como exemplo de trabalho A, temos o sono. Qualquer pessoa com insónias sabe que não dormir dá uma trabalheira. Isto porque a desintegração do ser A alimenta trabalho B e C. Terapeutas, cuidadores, fazedores de medicamentos, toda uma indústria quando A não faz o trabalho de cuidar de si e se manter vivo. Reparar as suas células. Bem, penso que entendem. Basta imaginarem que não o conseguem fazer. Que não se conseguem alimentar. Que não se conseguem vestir. Que não se conseguem educar. Que não conseguem aprender. A — autonomia. Palavra horrorosa e mal entendida, mas digamos que as funções do trabalhador A, em termos capitalistas, são definidas assim, como qualquer pessoa que toma conta de outros sabe — outros com demência, outros com infância, outros com deficiência, outros com velhice ou algum tipo de “incapacidade”.

Agora, vamos aos trabalhadores por conta de B. São os que trabalham para nós. E o nós não são outros. O nós são da nossa pandilha ou tribo, os da nossa equipa. A equipa da casa. A equipa doméstica. A equipa local. A equipa da democracia. A equipa de todas as funções que como são para nós, não contam como trabalho, mas podem dar uma trabalheira. Governar territórios comunitários. Governar a nossa casa. Governar o nosso mundo. Havia uma forma de trabalhar para nós, que era o “empreguinho do estado”. A função pública. As pessoas que trabalhavam com uma missão, porque era para nós. Estavam ao nosso serviço, estas pessoas. A missão delas era definida por nós. Estavam lá para nós. Faziam serviço público, estas pessoas. Missionárias — com propósitos, ou ao serviço dum propósito coletivo. Diz o Raúl Garcia Barrios que esta forma de trabalho era para as pessoas que cooperam de forma substantiva e não de forma estratégica. Mas a introdução de qualquer termo outro que não trabalho não vai ser aceite nos tempos atuais. Aliás, até a palavra trabalho é para ser abolida. Os cientistas e investigadores costumavam estar nesta categoria. Dantes. Adiante.

Os trabalhadores por conta C são os que trabalham por conta doutros. Destes já tratamos anteriormente.

Mas nada disto é particularmente interessante ou divertido.

O que é interessante e divertido é ver como as pessoas fazem malabarismo com estas três modalidades, estes três escalões.

Fica para o próximo.

--

--