Cantharellus

Rita Serra (A costureira)
histórias da serra
2 min readMay 26, 2021

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https://cestadesetas.com/project/cantharellus-pallens/

Acho que é o pallens. Um cogumelo excelente que insiste em aparecer várias vezes por ano nos sobreiros e castanheiros e medronheiros. Adora esta zona e eu adoro-os. Nham nham.

Os cogumelos são seres muito intrigantes com os quais temos muito a aprender.

São nós.

Supostamente são o apogeu do florescimento — o cogumelo é um fungo florescido.

Alguns chamam-lhes fungos perfeitos.

Só há fungos perfeitos porque há imperfeitos.

Trabalhei com fungos imperfeitos muitos anos.

Chamam-lhes bolores.

Dizem que não se reproduzem sexualmente. Aos poucos vêem é que não sabem nada da reprodução de fungos. Dizem que os bolores são assexuais, porque fazem uns esporos muito giros sem sexo, sendo que o conceito de sexo dos mamíferos é consideravelmente mais exclusivo e aborrecido do que o dos fungos.

Os esporos que resultam de sexo são outros.

Mas nada disto importa.

O que importa é que os fungos só fazem sexo quando estão stressados.

O que interpretamos como florescimento é na verdade uma manifestação de stress.

Por isso é que no laboratório não conseguimos nada.

Não os stressamos em condições.

Damos-lhe paparoca e eles crescem. E é tudo.

E quando crescem muito, se podem, produzem toxinas, “para” eliminar a concorrência.

Resumo: no laboratório só temos cogumelos gordos.

Na dita “natureza”, temos cogumelos stressados.

E o que diz isto sobre o nosso florescimento?

Absolutamente nada.

Dá-me prazer comer a natureza stressada.

Dá-me prazer encontrar ninhos de Cantharellus como ninhos de ovos escondidos na floresta.

Ninhos a que volto recorrentemente para encher o vestido como aquela que encheu o avental com pão-rosas.

Duas vezes por ano e às vezes mais.

Os melhores cogumelos do mundo.

A florescer sem ninguém para ver.

Que sorte que estou cá eu, de público.

Que sorte que estou cá eu, não para comer e narrar, mas para assistir a este show, para ser público destas narrativas que eles contam.

Que sorte que estou cá eu, para escutar as narrativas com a minha boca e o meu estômago.

Que sorte que estou cá eu, não para compor, mas para decompor.

É assim que ficamos mesmo juntinhos, eu e eles.

Mais íntimo que isto, só nos meus pés.

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