O que torna tortuoso o processo de adoção no Brasil

Número de crianças na fila de adoção é menor que número de pessoas interessados em adotar

Daniela Tremarin
Histórias para se contar
8 min readAug 3, 2017

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A adoção no Brasil ainda é um processo muito burocrático que torna o caminho das famílias que desejam adotar lento. Além disso, outro fator de extrema relevância, que contribui para demora nos trâmites legais é o perfil solicitado pelos pais. Em 2008, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) para ajudar juízes das Varas de Infância e Juventude de todo país .

No sistema desenvolvido é possível realizar o cruzamento dos dados dos adotantes e as crianças e adolescentes aptos para o procedimento. Atualmente em todo o Brasil existem 7.559 menores no aguardo de uma nova família. O agravante desta situação ocorre quando comparados com o números de pessoas que estão na fila de espera para serem pais adotivos: Existem 39.568 candidatos aptos para adoção.

Em uma equação simples o número de adotantes é quase seis vezes maior que o número de pretendentes. Mas então, porque ainda estas crianças não foram adotadas? Os sistemas e etapas para o processo são lentos e o perfil de criança procurado é o fator que mais limita encaminhar estes menores para novos lares.

De acordo com a assistente social, Lucirene Alves de Lima, o perfilamento e os inúmeros processos realizados pelos órgãos responsáveis (Delegacia, Vara da Infância e da Juventude, Conselho Tutelar e Ministério Público) são com certeza os motivos que impedem que estas mais de 7 mil crianças encontrarem novos pais. “É evidente que precisamos modificar o pensamento das pessoas que estão buscando um novo integrante para família. É preciso fazer uma reavaliação no sentido atual da adoção, pois não existem apenas bebês brancos nos lares provisórios”, enfatiza.

Um artigo publicado na Revista Direito de Família e Ciências Humanas apresentou uma pesquisa realizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul com pretendentes do Brasil e dos Estados Unidos. O estudo mostrou que 4% dos norte-americanos adotam apenas por solidariedade, enquanto os brasileiros só desejam adotar em casos de perda de filhos biológicos, esterilidade, entre outros.

Falta de informação

Umas das maiores reclamações dos interessados é falta de instrução dada pelos órgãos públicos. Para tentar ajudar estas famílias o casal de paulistas, Wagner e Grazyelle Yamuto criaram o site Adoção Brasil. Realizado de forma totalmente independente o portal é mantido por doações voluntárias e pelo próprio casal. Com mais de 10 anos de criação, o casal não tem ideia de quantas pessoas já auxiliaram nesse processo, mas acreditam que o trabalho deles já tenha proporcionado para outras famílias a mesma emoção que tiveram.

Gabriel, Grazyelle e Wagner Yamuto - Foto: Arquivo Pessoal

Os dois são pais adotivos de Gabriel, o motivo por terem criado o blog. Grazyelle e Wagner sempre quiseram ter filhos, mas devido a problemas de saúde isso não foi possível. Foi quando optaram pela adoção. “Quando resolvemos entrar na adoção, as informações na internet eram quase “zero” e foi bem difícil entender como funcionava o processo de adoção.

Por ter enfrentado todas estas dificuldades, a Grazy e eu resolvemos criar o Adoção Brasil para unificar informações sobre adoção e compartilhar os depoimentos de visitantes para que a jornada da adoção pudesse se tornar algo mais leve”, explica Wagner. Além disso, a maior dificuldade encontrada pelo casal foi o tempo de fila de espera. “As questões burocráticas levaram nove meses e ficamos mais de três anos na fila de espera, até a chegada do Gabriel.”

Wagner e Grazy contam que a adaptação com eles e o restante da família foi muito natural. Todos apoiaram completamente a decisão e vivenciaram com eles, os medos e angústias que envolvem o tema da adoção. Os dois relatam que o processo de adaptação do Gabriel foi super tranquilo e ele acabou virando o xodó de toda a família em pouquíssimo tempo.

Outra forma dos pretendentes sanarem suas dúvidas é através das redes sociais. Atualmente no Facebook, existem seis grupos que discutem o tema, além de diversas páginas. Um deles é o Grupo de Apoio à Adoção de Crianças, com mais de 6 mil membros. O mesmo incentiva a troca de ideias dos adotantes que já estão na fila de espera ou que ainda pretendem entrar.

Uma delas é a cuidadora de idosos de Belo Horizonte, Mayra Barcelos. Ela afirma que a adoção sempre foi um sonho. “A adoção é um sonho meu de muitos anos. Resolvi colocar em prática apenas agora em 2017. Acredito que existem várias pessoas iguais a mim, que sonham com adoção, mas os processos burocráticos são, muitas das vezes, os motivadores a fazerem as pessoas repensarem a adoção”, destaca Mayra.

O Grupo existe justamente para ajudar e continuar incentivando pessoas como Mayra a não desistirem do caminho para adoção, que mesmo longo é gratificante no final. É necessário enfrentá-lo com calma porque será necessário ter paciência para passar por todas as etapas.

Perfil das crianças disponíveis para adoção

Por meio dos relatórios disponíveis pelo CNA é possível traçar quais são os perfis de crianças e adolescentes mais procurados pelos mais de 39 mil adotantes. Das 7.559 crianças que estão cadastradas, uma pequena porcentagem se enquadra ao perfil desejado.

Apenas 44,8% dos adotantes cadastrados aceitam crianças de qualquer raça. Um dos números mais expressivos são os 66,07% de pessoas que não aceitam adotar crianças que tenham irmãos, ou seja, mais da metade dos pais e este é o principal entrave dos órgãos públicos. Antes de separar um grupo de irmãos eles buscam de todas formas encontrar famílias que os aceitem juntos para não separá-los.

A idade também é um dos fatores atenuantes. Menos de 5% têm entre zero a 3 anos de idade e 77% deles já passaram dos 10 anos. Enquanto isso, apenas 0,07% dos adotantes aceitam crianças de qualquer idade. Os pretendentes, na sua grande maioria, desejam uma criança com idade entre zero a 5 anos.

De acordo com os dados do CNA, cerca de 8% das crianças e adolescentes aptos à adoção têm essa idade. Além disso, 65% não aceitam crianças que possuem qualquer tipo de doença, seja física ou mental. Lendo estes números é perceptível que o entrave da idade e o fato de ter irmãos é determinante na hora de dificultar o processo de adoção.

Números no Estado

O Rio Grande do Sul possui hoje 5.851, cerca de 14% dos pretendentes habilitados pelo CNA aguardando na fila de espera. Além de 1.127 crianças no aguardo de uma nova família.

Pensando em incentivar os adotantes a expandirem seus perfis de crianças e promover um debate sobre a flexibilização na adoção, o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul lançou no ano passado a campanha -Deixa o amor te surpreender- organizada pela Corregedoria-Geral da Justiça e pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul (CIJRS).

A iniciativa é informar e sensibilizar a população em geral e fazer um trabalho de aproximação. A maioria dos pais, que busca filhos adotivos, procura recém-nascidos ou crianças até os cinco anos, já a Campanha é justamente para expor a realidade do Estado, ajudando a flexibilizar o perfil almejado pelos pretendentes.

Outra iniciativa da Campanha é concentrar esforços nos procedimentos da busca de novos pais (aqueles que tenham interesse em adotar, mas não buscam se informar), isso está sendo feito por meio de sondagens e buscas ativas. Nelas é verificado se os futuros pais aceitam crianças com características próximas àquelas especificadas no cadastro almejado pela Campanha. De acordo com dados divulgados pela Campanha, o percentual de pessoas que manifestam ter disposição para adotar crianças acima de 10 anos no Rio Grande do Sul é de apenas 1,87%.

Os interessados em adotar crianças maiores de cinco anos, adolescentes, que tenham alguma doença, deficiência ou tenham irmãos pode procurar mais informações com o CIJRS.

O verbo adotar (do latim adoptare) é, nos dicionários, o ato de aceitar, acolher, tomar por filho, perfilar, legitimar, atribuir (a um filho de outrem) os direitos de filho próprio. A adoção é uma escolha consciente e clara, mediante uma decisão legal, a partir da qual uma criança ou adolescente não gerado biologicamente pelo adotante torna-se irrevogavelmente filho. Este é um trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 48 que explica em poucas palavras a importância da adoção.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, podem ser adotadas crianças e adolescentes com até 18 anos cujos pais forem falecidos ou desconhecidos, tiverem sido destituídos do poder familiar ou concordarem com a adoção de seu filho. Além disso, em algumas cidades, é obrigatório a participação em cursos preparatórios para adoção.

É necessário entrar em contato com a Vara da Infância e Juventude mais próxima de sua residência e solicitar a lista de documentos necessários para iniciar o processo de adoção. Depois disso, é realizado uma avaliação técnica: Psicossocial (Assistente Social) e psicoemocional (Psicólogo). Estas avaliações ocorrem em entrevistas previamente agendadas pela Vara da Infância com o objetivo de conhecer melhor os pretendentes.

De acordo com a assistente social, Lucirene Alves de Lima, às aulas presenciais duram duas semanas e os candidatos recebem visitas domiciliares. Após, o Ministério Público decide se emite um parecer favorável ou não”, explica.

A partir do laudo técnico e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz dará sua sentença. Com a aprovação do nome dos candidatos é inserido no Cadastro Nacional e deve aguardar na fila de espera. Quando a família é selecionada a Vara da infância informa que existe uma criança que se enquadra no perfil cadastrado. Assim, é iniciada as visitas para conhecer a criança ou adolescente e isso já é parte da adaptação da mesma com a nova família (este processo pode levar dias, semanas e até meses, por isso é preciso paciência).

É importante refletir

O ato de adotar vai além de incluir uma nova pessoa no âmbito familiar. É preciso ter consciência que aquela criança virá com uma história, a Constituição de 1988, mostra que a adoção é uma medida protetiva à criança e ao adolescente. Estes menores acabam parando em lares de adoção por serem vítimas de abandono, violência, incapacidade dos pais de prover sustento ou serem órfãos. Quando são abrigadas, muitas vezes elas permanecem nessas Casas Lares por tempo indeterminado até que sejam relegados a um membro responsável de sua família ou sejam adotados por outra família.

Isso quer dizer que, muito além dos interesses dos adultos envolvidos, a adoção é um processo que prioriza o bem-estar das crianças e dos adolescentes que estão nessa situação. O ponto determinante para o juiz que julgará o processo de adoção é se a nova família trará para a criança oportunidades de desenvolvimento físico, psicológico, educacional e social.

Por isso, a assistente social destaca que existem algumas ações que podem facilitar a adaptação e aumentar o conhecimento dos futuros pais. Quando a decisão for pela adoção é preciso buscar informação sobre a existência de grupos de apoio à adoção na cidade ou região da escolha do adotante. A participação nos encontros permite que os pretendentes se preparem para a chegada do filho, sem idealizações exageradas.

As crianças ou os adolescentes adotados têm uma história antes de ir para nova família e isso não vai mudar. É necessário aprender a lidar com isso. Na impossibilidade de frequentar as reuniões de grupos especializados ou capacitações realizadas pela Vara da Infância, procure ler bastante sobre o tema ou buscar ajuda profissional especializada.

Não mude o perfil de criança ou adolescente desejado apenas para tentar acelerar o processo de adoção. No caso de casais, é fundamental que os dois parceiros estejam em sintonia sobre o que desejam fazer. A adoção não é uma boa ação ou caridade. Adotar é uma outra maneira de ter um filho e constituir uma família.

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Daniela Tremarin
Histórias para se contar

Jornalista, cinéfila, apaixonada por histórias e criadora do @bergapop