Se dê o respeito, menina!

Glaucia Damazio
Histórias para se contar
8 min readMar 4, 2016

Respeito é bom e todo mundo gosta! Mas como direito humano, deveria estar implícito, constituído, e não ter de ser conquistado, barganhado, por vezes comprado e vestido em forma de padrão.

Todas as afirmações acima, carregadas de ódio, foram proferidas e direcionadas por um mesmo gênero: o feminino. As mulheres, que lutam pela igualdade e pelo empoderamento, por vezes, são as mesmas que condenam e demonizam seu reflexo no espelho. A cultura que enxerga o sexo feminino como inferior, incapaz ou não autorizado perante o masculino está intrínseca em lares compostos por pais e mães, irmãos e irmãs, você e eu.

Outro suposto aliado à difusão de informação, a mídia, tem deixado a desejar. Por vezes, inclusive, contribuindo com um desserviço à igualdade de gêneros. Sites e páginas de redes sociais que incentivam o preconceito nascem, angariando seguidores e os abastecendo com conteúdo irresponsável do ponto de vista social.

Mais do que isso, as redes sociais são palcos de inquisições morais, nas quais o condenado e o juiz cometem o mesmo erro, o julgamento. A cantora Anitta, a blogueira Gabriela Pugliesi, a universitária que criticou a amamentação em público… O que todas essas mulheres têm em comum é o fato de terem sido “crucificadas digitalmente” por expor uma opinião que não agradou ao público. Interessante observar que boa parte da avalanche de xingamentos ofende, exclusivamente, o gênero. E o mais inquietante é que a maioria deles foi proferida por centenas de outras MULHERES.

Há quem diga que toda essa agressividade pela tela do computador é apenas um reflexo do que acontece fora dela. Amanda Luz é jornalista e especialista em estratégias digitais. Ela observa esse tipo de comportamento o tempo todo, e acredita que os danos à reputação e dignidade de uma mulher que sofre assédio na internet pertencem ao mundo real.

“A violência contra mulher na internet ainda não é vista como uma violência de gênero e ou de degradação de direitos humanos, como é. Ninguém está livre de ser alvo de ataques na internet por ter emitido opinião em um debate ou sido parte de uma discussão online. Mas há uma grande diferença na forma como homens e mulheres são vítimas de críticas. Em geral, eles têm a competência questionada, enquanto elas recebem ataques de cunho sexual. Assim como acontece na rua, onde as mulheres são alvo de assédio indesejado, na internet, têm seu direito à ocupação do espaço público desrespeitado”, explica.

Ainda duvidas?

A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um estudo, no mês de setembro, que aponta que quase 75% das mulheres já sofreu assédio ou abuso online. Em uma passadinha rápida no Twitter, encontramos mais de 500 menções a palavra “recalcada”. Essa mesma hashtag foi utilizada 72 vezes em sete dias entre o Twitter e o Instagram. Isso não parece um número tão expressivo, certo? Mas ele se torna, caso observemos o número de alcance — mais de 20 mil usuários — e o número de visualizações — mais de 30 mil. E o dado mais importante de todos: quase 60% das menções foram feitas por… MULHERES.

Rafaela Mansoni (26) é música, jornalista e feminista. Ela já ouviu muitas frases de preconceito, e desenvolveu a sua teoria para justificar os ataques gratuitos vindo de mulheres.

Membro da Associação de Psicanálise de Porto Alegre, o psicanalista Mario Corso concorda. A imersão no universo cultural no qual o machismo predomina faz mulheres repetirem comportamentos que as desfavorecem, como, por exemplo, travar batalhas entre si.

“A persistência do machismo se deve também às mulheres. Uma das questões que pode nos intrigar é o fato que, majoritariamente, somos criados pelas mães, e por que elas não educariam seus filhos para respeitar as mulheres? Ou então, se fazem, deve ser por um método equivocado. O que existe na maternidade atual que não deixa um legado de gratidão e respeito para com as mulheres? Inclusive algumas mães de meninos parecem flertar com o outro lado, incentivando comportamentos nada adequados”, aponta.

A professora adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da universidade, Rochele Fachinetto discorda. Ela garante que o processo de socialização é o responsável pela divisão de papeis entre os gêneros feminino e masculino, e que chamar a sociedade de machista já é uma forma de assumir isso como realidade.

“O machismo se manifesta, cotidianamente, através de diferentes práticas sociais: em discursos, gestos, imagens, olhares, silêncios, que vão compondo, de forma muito minuciosa, os processos de socialização, quer dizer, o ‘tornar-se parte’ de um todo, de um grupo, de uma comunidade, de uma sociedade. Não nascemos machistas ou feministas: são complexos os processos sociais que vão moldando nossa subjetividade, nosso modo de estar e de olhar para o mundo, introjetando em cada um esses códigos e símbolos. O que é ser mulher? O que é ser homem?”

“Dizer que ‘vivermos numa sociedade machista’ implica em reconhecer que todos — homens e mulheres — somos socializados a partir de valores, códigos, símbolos que privilegiam os homens em detrimento das mulheres. E é justamente a partir desta trama de poder em que esses códigos são reproduzidos. Resistir-lhes, a partir de múltiplas formas de ressignificação, significa explicitar e tensionar seus limites. O fato de as mulheres também reproduzirem comportamentos, atitudes ou discursos preconceituosos — contra as próprias mulheres — só reforça o quanto eficaz é esta trama de poder”, encerra Rochele.

De unhas e dentes no teclado

As redes sociais abriram um novo espaço. Deram voz àqueles que não tinham e tornaram públicos discursos que antes não saíam de rodas de amigos. Obviamente, na luta pela igualdade de gêneros, nada é diferente. Enquanto que algumas pessoas exaltam as páginas sociais como ferramentas de informação, de troca de experiências e de reflexão, para outros usuários elas podem ser um facilitador para agressões simbólicas e manifestações de ódio.

Ainda que caracterizado como humor, muitas vezes, postagens e comentários podem ser preconceituosos ou abusivos. E, quando o assunto é polêmico, não leva muito tempo para instalar-se um ringue digital entre os participantes.

“De fato, as redes sociais abriram espaço para manifestações de indivíduos que se sentem mais autorizados e liberados a proferir esses discursos, já que o destinatário das ofensas não está diretamente à sua frente ou mesmo porque não direcionam sua fala a alguém em específico, mas sim a determinados grupos. Nesse sentido, as redes sociais não parecem favorecer o diálogo, ou ser um espaço capaz de produzir tensionamentos e reflexões entre posições e opiniões distintas. Sobrepõe-se uma lógica que aproxima aqueles que pensam de forma semelhante e afasta os que pensam diferente. Nesse âmbito, os discursos de ódio contribuem para acirrar as diferenças, produzindo uma perigosa amplificação dessas manifestações, na medida em que os discursos encontram suporte em outras falas”, explica a socióloga Rochele Fachinetto.

Juliane Rocha (20) foi agredida pelo Twitter, a estudante L.A. (14), pelo Facebook e, basta virar para o lado e perguntar para uma colega, que mais relatos serão revelados.

compartilhou a adolescente L.A., após ter sido agredida verbalmente no Facebook.

Mas não adianta culpar a ferramenta…

“Antes das redes sociais, já tínhamos uma sociedade raivosa, perigosa, irascível. Apenas estava mais escondida. As redes sociais possibilitaram uma voz para quem não tinha voz, os ressentidos sociais de todos os calibres. Seu ódio ficava restrito aos seus pequenos círculos e, hoje, ganha outra visibilidade, mas ele sempre existiu. Os analistas têm uma chance de saber as sarjetas mentais de muitas pessoas, por escutá-las livremente. Não estamos diante de uma novidade, apenas não devemos dar muita bola para isso”, sugere o Psicanalista Mauro Corso.

Mas e aí? Tem graça?

Tem. E tem bastante gente rindo. Uma vez que não somos os protagonistas de determinada situação, ela já vira piada. Em toda a história da humanidade se viu graça, ou pelo menos interesse, na tragédia alheia. Melissa Maria Dawidh (25) é funcionária pública, e costuma se divertir com páginas que podem trazer um conteúdo questionável, moralmente falando. Ela acredita que separar assuntos sérios de brincadeiras faz parte das relações humanas.

Conectar ou desconectar, eis a questão

A feminista Rafaela Mansoni defende que a internet e suas ferramentas podem, inclusive, contribuir para a defesa feminina.

“Como as pessoas se expõem mais nas redes sociais, acabam estando mais vulneráveis a esses ataques e, talvez, as redes influenciem um pouco no sentido de que atacar uma pessoa por trás de um computador é mais fácil. Mas, por outro lado, também é através das redes sociais que surgem muitos movimentos legais e iniciativas de desconstrução desse machismo. Que circula muita informação, que estimula o empoderamento da mulher e a irmandade”, afirma.

Prova disto, é a professora de Língua Portuguesa Fernanda Dorneles Maciel (21), que tem orgulho de, hoje, poder ver o outro lado.

Fernanda conta que o seu comportamento do passado é mesmo que ela hoje abomina. E as redes sociais foram fundamentais para essa mudança de ponto de vista.

“Eu achava bonito quando um cara dizia que a menina era diferente das outras porque ela dava um discurso machista como o dele. Eu não dizia, mas ficava subentendido que mulher de roupa provocante ou bêbada na festa estava ‘provocando’ e, depois não queria sofrer as consequências. Ou seja, existiam mulheres que mereciam ser estupradas, que ‘pediam’ por isso.”

Foi graças às redes sociais que ela refletiu. A partir do momento em que conheceu mulheres que agiam da forma que ela recriminava e, mesmo assim, se identificou com suas ideias, as humanizou.

“Eu comecei a ver o que as minhas amigas compartilhavam no Facebook sobre o feminismo e comecei a desconstruir aquilo que eu pensava e embasar melhor meu pensamento e meu discurso, na minha vivência e também de outras mulheres”, conta.

Nas redes sociais, os mesmos campos de batalha, quase que diários, sobre a discussão do feminismo, Fernanda encontrou informação e amparo.

“Comecei a me enxergar como uma mulher igual às outras, a não rotular ninguém pela vida que a pessoa leva.”

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