A manufatura aditiva (impressão 3D) e os novos modelos de negócio

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5 min readDec 6, 2018

por Jorge Vicente Lopes da Silva

A manufatura aditiva, também conhecida pela mídia não especializada como impressão 3D, é uma tecnologia tipicamente digital na qual um modelo virtual armazenado em um computador é processado e enviado para uma máquina que automaticamente reproduz esse modelo na forma de uma peça física. Numa primeira definição, pode parecer, e é, muito similar a uma produção automatizada utilizando-se as tecnologias convencionais de controle numérico computadorizado, como as máquinas automáticas de usinagem. No entanto, uma diferença primordial está na capacidade da manufatura aditiva de, por meio da adição e não a retirada de materiais, produzir estruturas complexas do ponto de vista de geometrias externas e internas. Além disso, outras vantagens podem ser destacadas, tais como a otimização de estruturas com a redução de peso e a produção de sistemas articulados sem a necessidade de montagens. No entanto, a manufatura aditiva apresenta algumas desvantagens se comparada com a manufatura convencional, tais como a repetibilidade e precisão baixas, altos custos de aquisição, operação e das matérias-primas disponíveis.

Fonte: Shutterstock

Então, o que faz a manufatura aditiva ser considerada uma tecnologia disruptiva e tão promissora? Uma resposta parcial pode estar nos modelos de negócio de sucesso implementados e que têm como base essa tecnologia. Grandes empresas normalmente têm uma resposta mais lenta à adoção de novas tecnologias. No caso da manufatura aditiva, empresas do setor aeroespacial, vislumbrando resultados positivos no médio prazo, começaram a investir estrategicamente na gênese dessa tecnologia, o que aconteceu no início da década de 90. Um caso emblemático e mais recente de aplicação de sucesso, como resultados de um desses investimentos iniciais, foi o desenvolvimento de injetores produzidos por manufatura aditiva para as novas turbinas da General Electric (GE) Aviation e que levaram essa empresa a adquirir, em 2016, duas empresas do setor de manufatura aditiva em metal: a Arcam da Suécia e a ConceptLaser da Alemanha por 1.6 bilhão de Euros. Os injetores produzidos por meio da manufatura aditiva permitiram ganhos significativos, tantos operacionais para os usuários das turbinas quanto para a GE Aviation na sua produção. Portanto, um investimento nitidamente muito baixo para se correr o risco de não ter o domínio e a tecnologia em casa. A partir dessa experiência bem sucedida da GE foi criada então uma nova área de negócios na empresa denominada GE Additive, que se propõe a fornecer materiais, soluções e equipamentos de manufatura aditiva para aplicações em várias áreas. Igualmente, grandes empresas do setor automobilístico já incorporam essa tecnologia nas suas linhas de produção de veículos de alto valor, o que tem impulsionado o mercado mundial de máquinas e materiais para a manufatura aditiva metálica a alcançar crescimentos anuais em torno de 50%. Mas até aqui o modelo de negócio não parece nada muito novo a não ser a apropriação por parte da grande empresa de uma tecnologia estratégica.

No Brasil, o sinal de alerta para a manufatura aditiva nas grandes empresas já começa a ser percebido. Temos sido procurados por grandes empresas de vários setores da indústria para entender os riscos e oportunidades e, eventualmente, estabelecerem investimentos estratégicos. Diferentemente das grandes empresas, nos nichos explorados por startups e pequenas empresas temos visto mudanças e o aparecimento de novos modelos de negócios inovadores: Empresas de dispositivos médicos têm surgido para atender um mercado customizado ou semi-customizado e de alto valor agregado com o uso da manufatura aditiva, tirando proveito da tecnologia integrada às técnicas de imagens médicas. Guias cirúrgicos, órteses e próteses externas customizadas já estão em uso diário. Endopróteses customizadas já têm sido usadas em pacientes específicos e as semi-customizadas já atendem um mercado altamente demandante, promissor e de alto valor agregado. A odontologia já se beneficia da manufatura aditiva a ponto de que na Europa a figura do profissional protético ter praticamente desaparecido nos últimos anos, graças à intensa atuação de startups que criaram novos conceitos e ferramentas para a odontologia digital. Na biofabricação, uma variante da manufatura aditiva que objetiva a produção futura de tecidos vivos, pequenos tecidos já podem ser produzidos para teste de toxicidade específica de drogas e a redução do uso de cobaias. Empresas nesse ramo, ora startups, como a americana Organovo, já estabelecem acordos milionários com as grandes do setor farmacêutico. Inúmeras startups estão disponibilizando bioimpressoras e materiais mundialmente e inclusive no Brasil isso já começa a ocorrer.

Fonte: Shutterstock

A flexibilidade e a possibilidade de produção local com o uso da manufatura aditiva, associadas ao codesign ou projeto compartilhado, oferece a possibilidade de desenvolvimentos cooperativos nunca antes pensados, como a criação e disponibilização de projetos completos de veículos na Internet que são homologados e seus kits disponíveis para serem adquiridos, podendo-se também optar por simplesmente baixar o projeto e você mesmo buscar soluções de componentes no mercado. Muitos desses componentes foram projetados para serem produzidos por manufatura aditiva. Em um dos modelos de veículos até mesmo a carenagem completa pode ser impressa. Esses projetos foram desenvolvidos pela startup Local Motors, criada em 2007. Um outro exemplo interessante e o caso da empresa Thingiverse que disponibiliza um repositório com uma infinidade de modelos virtuais de objetos para serem adquiridos e impressos, se assim o desejar. Tais modelos vão de enfeites de Natal até joias que podem ser impressas em ouro. Os modelos virtuais podem ser customizados e reinseridos no repositório gerando royalties para quem o customizou, no caso de uma compra desse modelo modificado. Esses são apenas amostras de uma infinidade de pequenas empresas e startups que inteligentemente se apropriam da manufatura aditiva por meio de inúmeras possibilidades de negócios e produtos inovadores. Pense novo, pense longe!

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