Entendendo o impacto do estresse na cognição e como isso afeta sua criatividade
por Karina Batista e Li Li Min
Ouvimos falar de estresse todos os dias. Somos experts em dizer que essa palavrinha pode nos causar muitos malefícios, incluindo doenças cardiovasculares, problemas no estômago, etc, etc… Mas e quanto à nossa capacidade de pensar, raciocinar, de ter insights, de sermos criativos? Como, exatamente, o estresse pode impactar essas nossas competências? Como o estresse pode alterar nosso cérebro?
É importante dizer que a ansiedade e o estresse são reações normais de nosso corpo e que sem elas não sobreviveríamos muito tempo no mundo. É daí que nasce o medo, reação a qual precisamos para nos proteger e ir seguindo nosso curso enquanto Seres Humanos. Desde muito cedo nos tornamos necessariamente alertas para muitas situações do nosso dia-a-dia para que possamos continuar nesse curso.
Mas então qual é o problema?
A questão é quando a ansiedade ou estresse aparece muitas vezes no dia, e na maioria delas, desnecessariamente. É exatamente aí que começa o problema. Em nosso cérebro existe uma estrutura denominada Amígdala. Essa é um pequeno “botão” que dispara para que fiquemos alerta e possamos reagir em situações adversas, como correr de um cachorro feroz, por exemplo. Esse botãozinho nada mais é que uma sirene que ativa um circuito cerebral que funciona como uma cascata de ativação de outras áreas e estruturas. ¹
Resumidamente seria:
A partir de um estímulo externo, o tálamo sinaliza esse para a amígdala que ativa o hipotálamo, que ativa a glândula pituitária (hipófise), que ativa o córtex supra-renal, que libera a adrenalina na nossa corrente sanguínea¹. Durante esse processo muitos outros hormônios também são liberados, mas foquemos na adrenalina.
A adrenalina é um dos principais hormônios do estresse e muitos locais (alvos) no nosso corpo respondem/reagem de alguma forma quando em contato com esse hormônio.
E no cérebro?
Bem, quando a adrenalina chega em nosso cérebro, ela prontamente interage com muitas estruturas e regiões, entre as quais estão, os hipocampos (estruturas relacionadas à aquisição de memórias) e o córtex pré-frontal (região diretamente relacionada à nossa cognição, à tomada de decisão, às nossas funções executivas, planejamento e execução de tarefas, e também a autorregulação emocional). Esse hormônio em contato com essas regiões, durante longos períodos, é extremamente maléfico, pois pode danificar nossos neurônios contribuindo para um mau funcionamento cerebral. 1,2
Bruce McEwen, pioneiro no estudo da biologia do estresse, mostrou que o estresse intenso, mas temporário pode produzir a atrofia dos dendritos do hipocampo. Os dendritos são áreas dos neurônios que recebem as informações e que são responsáveis, em grande medida, pelas fases iniciais da potenciação de longo prazo e a formação de memória.¹
Sabemos que a memória é essencial e faz parte de nossa cognição.
McEwen e Morrison mostraram que o estresse, a longo prazo, afeta negativamente o córtex pré-frontal também, diminuindo, entre outras coisas, nossa capacidade de se autorregular emocionalmente.²
É importante frisar que existem outros hormônios relacionados a longos períodos de estresse, como o cortisol. Um estudo de revisão da Universidade de Montreal, no Canadá, mostrou que altos níveis de cortisol no sangue provocam uma diminuição da cognição e memória e que o nosso lobo frontal é sensível a esse hormônio, o que faz com que seu funcionamento fique afetado. ³
A partir dessas informações podemos começar a entender esse grande impacto do estresse, a longo prazo, em nosso funcionamento cerebral e a importância de se olhar para essa questão com bastante cuidado e atenção merecida.
Não sabemos exatamente em que momento, neurobiológico, nasce a criatividade, mas entendemos que essa acontece em 3 etapas : preparação (desenvolvimento de conhecimentos e habilidades), inovação (desenvolvimento de uma solução) e produção criativa. Etapas essas, extremamente dependentes de um bom funcionamento cognitivo e primariamente mediadas por redes frontais. Além do mais, estudos mostram que pessoas são mais criativas quando estão em estados mentais associados a níveis reduzidos de norepinefrina cerebral, também um importante hormônio liberado durante as reações ao estresse.⁴
Todos esses processos cerebrais ocorrem quase que todo o tempo durante muitos momentos do dia-a-dia de nossas vidas agitadas; como em reuniões estressantes no trabalho, quando temos preocupações familiares, etc, etc. O ideal é que busquemos alternativas para que deixemos escapar, pelo menos um pouco, das tensões que nos acometem quase que o tempo todo. Uma delas é o mindfulness. Prática cada vez mais falada e estudada por neurocientistas em todo o mundo. Trata-se de uma técnica de meditação com resultados muito satisfatórios na diminuição do estresse, melhora da atenção e foco, e consequente melhora na saúde mental e qualidade de vida. Porém, muitas outras atividades podem ter esse efeito benéfico também, como a atividade física, dança, etc. O importante é fazer algo que gere prazer e possa proporcionar maiores níveis de serotonina e dopamina, hormônios relacionados ao bem-estar.
É claro que não conseguimos controlar em que momento, exatamente, seremos criativos ou teremos inspiração. Infelizmente, não controlamos nossos pensamentos e nem o que sentir e quando sentir. Porém, a partir dessas informações lidas, podemos perceber que somos sujeitos ativos em ajudar a gerar um ambiente mais confortável para nossa mente trabalhar.
Falando nisso, você já cuidou do seu cérebro hoje?
O Li Li Min ocupa a cadeira do conhecimento de Neurociência na weme e, além de produzir conteúdos, compartilha alguns conhecimentos em nossos programas de educação. Um deles é o Scale You Up, um programa executivo prático de seis dias que une uma visão sobre o contexto de mundo, presente e futuro, as tecnologias exponenciais, os desafios globais e o design como ferramentas para projetar e liderar organizações e pessoas em uma nova era.
—
Referências
1. Ledoux, JE. (1998). The Emotional Brain: The Mysterious Underpinnings of Emotional Life. (Livro)
2. McEwen, B. S., & Morrison, J. H. (2013). The brain on stress: vulnerability and plasticity of the prefrontal cortex over the life course. Neuron, 79(1), 16–29.
3. Lupien, S. J., Mcewen, B. S., Gunnar, M. R., & Heim, C. (2009). Effects of stress throughout the lifespan on the brain , behaviour and cognition t I R, 10(junE).
4. Heilman, K. M. (2016). Possible Brain Mechanisms of Creativity, 1–12.