Sistemas de Saúde — Onde Estamos, Para Onde Vamos?

Maria Kersanach
weme
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8 min readMar 24, 2019

SUS | Cuidado Centrado no Paciente | Sistemas de Saúde

Um sistema de saúde é composto pela relação que o conjunto de instituições prestadoras de serviços de saúde mantém entre si. Assim, seu estudo não deve ser reduzido à análise separada de suas partes, mas sim englobar a inter-relação que elas possuem entre si [1]. Também é apresentado como “saúde pública”, “saúde comunitária” e “saúde social”. Este texto apresenta uma visão geral de como diferentes sistemas de saúde atuam hoje no contexto mundial e brasileiro — este último com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS), serviço implementado em todo país que serve como referência em saúde pública mas que ainda encontra diversos desafios a serem superados; ao final são apresentados algumas ideias-chave para mudanças e melhorias.

1. Como eles estão hoje? — Uma visão geral.

Os sistemas de saúde são regidos, em sua maioria, por dois principais agentes: o estado, configurando uma saúde pública financiada principalmente por impostos e taxas (como por exemplo na Inglaterra e Alemanha), e o mercado, caracterizando a saúde privada financiada pelos próprios pacientes por meio de planos de saúde (como por exemplo nos Estados Unidos), ou ainda por uma combinação deles (a maioria dos países atualmente dispõe dos atendimentos público e privado paralelamente). Muitas vezes vê-se também a influência de instituições de caridade, sindicatos e organizações religiosas na saúde local. O foco desses sistemas de saúde é promover a saúde do cidadão por meio de um mecanismo financeiro sustentável. Países desenvolvidos gastam, em média, 10% de seu PIB em saúde, sendo que os gastos dos Estados Unidos chegam à 17%, com cerca de 9 mil dólares per capita — em comparação com mil dólares per capita no Brasil [2].

A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um ranqueamento dos melhores sistemas de saúde do mundo levando em consideração três fatores: o nível de saúde, a velocidade de atendimento e o equilíbrio no orçamento. Países como a França e a Itália aparecem nas primeiras posições — o Brasil ocupa a 125ª [2]. Em todo o mundo os gastos com cuidados na saúde vêm aumentando de modo progressivo, principalmente devido ao envelhecimento da população proporcionado pelo aumento da expectativa de vida [3] — esta por sua vez causada, por exemplo, pelos próprios avanços da medicina e da tecnologia. A China, país com grande área e população heterogêneas, abordou uma estratégia nacional chamada “China Saudável 2020” — em que as principais bandeiras são o investimento em alimentação, agricultura e conscientização sobre temas da saúde.

2. Como nós estamos? — O Sistema Unificado de Saúde.

Há 30 anos o setor privado divide espaço com o SUS no Brasil; hoje, 75% da população brasileira depende do sistema público de saúde — isso soma 150 milhões de usuários distribuídos pelo país. No Brasil, a distribuição de assistência médica privada (seja por adesão voluntária ou por intermédio do empregador à planos de saúde ou, em menor escala, ao pagamento do serviço no ato) ainda é distribuída de modo muito desigual, a maior parte concentrando-se nos estados do sul e sudeste. A grande maioria dos usuários de planos de saúde particulares (mais de 30 mil dos 47 mil aderidos) estão na modalidade “coletivo empresarial” e o número de novas adesões vêm caindo desde 2014, até quando era crescente no país [4].

Enquanto a média mundial de gastos com saúde é de 6,8% do orçamento, o Brasil investe 11,7%, representando 295 bilhões de reais. Uma análise feita pelo Banco Mundial [5] aponta que, se manter o sistema atual, em 2030 o país estará gastando 701 bilhões de reais ao ano com saúde, ao passo que, se começar a implantar medidas de aumento de eficiência em seus sistema, os gastos para a mesma época cairiam em 115,6 bilhões. Em um cenário de envelhecimento populacional e, principalmente, subfinanciamento, uma estratégia mais eficiente será fundamental para garantir a manutenção da sustentabilidade do sistema.

O perfil dos pacientes do SUS. A maior procura de serviços é feita por mulheres (17% contra 12% dos homens), a procura sobe em função da idade (12% até 14 anos e 23% acima dos 60 anos), também sobe nos extremos de escolaridade e é proporcional à renda familiar per capita. Nos motivos para procura do serviço, mais de 50% alega motivo de doença, seguido de atividades de prevenção, como pré-natal e vacinação. Quase 70% da utilização do SUS concentra-se nas regiões Norte e Nordeste, mostrando a correlação inversamente proporcional a posse de planos privados de saúde [6].

3. O sistema também tem dores

Pesquisas realizadas com brasileiros, usuários ou não do SUS [7], mostram que 10% da população considera o sistema bom ou excelente e 55% o considera péssimo. A maioria da população mostra-se concordante com a ideia do SUS (acesso à saúde pública gratuita), porém atribui a causa do mau funcionamento à falta de investimento alinhado à má gestão dos recursos. A principal dor apontada é a demora ao atendimento nas filas, sendo que o tempo de espera para realização de uma cirurgia cresceu de 2015 para 2018, contando com 904 mil pessoas na fila, enquanto o de atendimentos médicos e consultas caiu de 36% para 32%. O tempo para realização de exames manteve-se na casa dos 30%, enquanto o tempo de espera para realização de procedimentos e tratamentos fica na casa dos 1%. Dos participantes da pesquisa, quase 40% estava atualmente em uma fila do SUS. Quase metade dos procedimentos pendentes no Brasil concentram-se em apenas cinco tipos: cataratas (113.185), correção de hérnia (95.972), retirada da vesícula (90.275), varizes (77.854) e de amígdalas ou adenoide (37.776).

Os principais problemas identificados nos sistemas de saúde locais são a falta de integração da atenção primária com a de média e alta complexidade no SUS; o ainda grande défict de acesso ao sistema (o ministério da saúde afirma que o ideal seria a proporção de um profissional para 3 mil pessoas, com visitas mensais. Porém hoje temos um agente para cada 790 mil pessoas); a falta de escala para atrair profissionais qualificados e tecnologia de ponta, o envelhecimento da população e o modelo de remuneração atual que se baseia no sistema FFS (do inglês, “fee for service”), em que o profissional ganha por número de atendimentos e não pela qualidade do mesmo — indicado, por exemplo, pela melhoria no bem estar de seus pacientes.

4. A cura (ainda) não tem receita prescrita

Em paralelo aos principais problemas encontrados nos sistemas de saúde, as tendências globais para solução que os seguem [8], apontam para iniciativas em inovação de modelos de financiamento da saúde — por exemplo, para taxas maiores sob produtos com tabaco e altos níveis de açúcar que já começaram a ser aplicadas em países como Estados Unidos; maior abertura e transparência dos sistemas de saúde — unido a uma mudança de mentalidade no incentivo não somente da cura de doenças, mas à sua prevenção; empoderamento do paciente em contraponto ao chamado “modelo parental” onde o médico possui total controle das soluções para os problemas do paciente; e revisão dos modelos contemporâneos de remuneração (o já citado FFS) buscando formas de pagar pelos serviços de saúde que premie a entrega de maior valor aos pacientes — ou seja, melhores resultados em sua saúde a um custo menor. Outras soluções vão de encontro à pesquisa e aplicação de tecnologias de ponta na medicina, como robótica, realidade aumentada e impressão de órgãos visando aplicações a longo prazo e alto impacto na área da saúde.

A mudança de paradigma de um sistema organizado em torno de médicos para o foco nas necessidades do paciente (no inglês, “patient centered care”) é uma abordagem que vem ganhando espaço nessa discussão. Ela engloba soluções como a criação de unidades integradas com profissionais multidisciplinares trabalhando em conjunto para atender as diferentes necessidades que o paciente venha a ter em sua jornada; a medição e análise contínuas dos resultados obtidos e custos gerados pelo paciente; o redirecionamento financeiro de valorização da qualidade e não da quantidade de atendimentos; a integração de experiências e atendimentos entre diferentes unidades do sistema e a criação de uma plataforma que utilize um leque de ferramentas da tecnologia da informação para orquestrar a gestão e operação deste sistema [9]. No Brasil, o atual hospital referência para aplicação desse tipo de solução é o Hospital Israelita Albert Einstein, que começou a aplicar metodologias de design thinking e Lean Six Sigma na gestão e operação do hospital e vêm trazendo reestruturações no seu funcionamento com resultados positivos [10].

5. Precisamos recriar nosso sistema imunológico!

A tecnologia da informação cada vez mais é aplicada nos diversos setores indústrias e áreas do conhecimento para monitoramento, automatização e gestão de processos. Na saúde, a necessidade de ir além vê-se ainda mais latente — precisamos coletar mais dados, organizá-los e disponibilizarmos para que eles participem, de fato, como informações relevantes no processo de revolução do modo como lidamos com a saúde: seja para dar mais rapidez a processos, mais acurácia, melhor análise crítica de resultados ou ainda predições de comportamentos.

Atualmente a maioria dos grandes investimentos financeiros de capital de risco na área de assistência médica concentram-se em avanços na biotecnologia, nos fármacos e em dispositivos que levam à atendimentos mais sofisticados. Menos de 1% desse valor, entretanto, vai para ajudar diretamente o consumidor final — o paciente — a lidar com sua própria saúde e ser empoderado neste processo. Esse caminho dá espaço à abordagens disruptivas e de grande impacto, principalmente no Brasil, onde temos um amplo sistema público de saúde como o SUS: altamente funcional porém com grande senso de urgência para suprir sua alta carência por melhorias em sua eficácia.

Maria Kersanach é Estudante de Engenharia de Computação na Universidade Estadual de Campinas. Desenvolveu projetos de pesquisa acadêmica na área de biomédica — como algoritmos genéticos aplicados a interfaces cérebro máquina, cultivo celular e simulações computacionais para bioimpressão de órgãos. Co-fundou a Liga Interdisciplinar de Saúde e Tecnologia da Unicamp e hoje leva a visão tecnológica para projetos na área da saúde com foco na melhoria da saúde pública do Brasil junto com o time da weme ventures.

6. Referências

[1] “Sistemas de Saúde”

[2] “Sistemas de Saúde no mundo”

[3]”Brasil cada vez mais idoso exige rapidez em adaptação de políticas de saúde”

[4] “Opinião dos brasileiros sobre o atendimento público na área de saúde” por Datafolha e CFM.

[5] “Melhor eficiência pode trazer economia de 115 bilhões ao SUS”

[6] “Quem usa o sistema único de saúde?”

[7] ”Com má avaliação da saúde no país, brasileiros cobram dos candidatos às eleições medidas para enfrentar crise na área”

[8] “Seven global medical technology trends to look out for in 2017

[9] “A estratégia que irá corrigir os serviços na saúde”

[10] “Inovação no Einstein”

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