Eu vou pingar em quem até já me cuspiu, viu?

Gabriella Feola
Histórias Safadas
Published in
6 min readJun 26, 2024

(Um conto sobre desconhecidos, dominação, sexo anal e paradoxos)

Quem me contou essa história foi a Laura L. Ela tinha 26 anos na época do ocorrido. Estava recém mergulhando nas águas do BDSM e se encantando pelos prazeres da dor e do desconhecido.

Eu editei e floreei a história de Laura.

Preciso avisar que essa é uma história de “zona cinza”. Ela contém gatilho de violência sexual. Mas é uma história que vale ser contada.

Naqueles dias, eu tinha acabado de entrar num “novo testamento”. Recém saída de um relacionamento tradicional, eu esperei mais de um ano antes de me colocar no mercado de novo e foi na escada de uma balada barata que me convenceram a experimentar coisas que eu achava muito erradas até então (e não era maconha).

Era um tapa ou dois. Uma chicotada. BDSM de entrada, coisinha leve.

A princípio era leve, e mesmo assim a Laura do antigo testamento iria ser contra em uma mesa de bar: “Galera, isso é cultura do estupro”.

Aos poucos eu fui experimentando as nuances, as complexidades do BDSM, os papéis… Encontrei conforto em inverter os papéis, em ser a dominatrix e ver como os joguinhos de bate assopra, apanha e geme resultavam em orgasmos e, num segundo plano, em conversas interessantes com pessoas interessantes, conversas que brincavam com papéis e expectativas de uma forma revolucionária.

Todo esse preambulo é pra dizer que tinha uma parte de mim cheia de medo e receios, e outra parte que estava destemida e se arriscando em novos territórios.

Em uma festa de casamento de uma prima distante, eu estava entediada na mesa da família. Os tios iriam embora assim que os noivos dançassem, conversei com uma menina linda e simpática e descobri que ela tinha 16 anos… Da minha faixa etária, tinham dois padrinhos completamente enbriagados e arrotando o vômito que viria em breve. Terreno morto para qualquer forrózinho encoxado ou beijo molhado.

Até que apareceu um jovem de camisa branca, barba bem desenhada, peitoral respeitável aparentando pela camisa aberta e uma bela bunda despontando na calça social. Ele me puxou pra dançar um forró e já mostrou, não só o gingado, como um rígido interesse.

Beijava bem, ele.

Tinha uma barba forte, que roçava marcante. Uma pegada firme pra conduzir a dança e uma cara de pau destemida. Meter a coxa bem no meio das minhas pernas, como um passo despretencioso de xote, que ritmava minha xota.

Por aqueles dias eu tava viciada em descobertas e ele me chamou pra conhecer a casa dele.

Eu queria conhecer os outros talentos desse pé de valsa mas o como era dificultoso. Eu estava hospedada na casa da minha tia com um monte de parente rachando colchão no mesmo quarto. Ele morava em outra cidade e estava de carona com um dos padrinhos cachaçados.

Desde a minha inauguração BDSM, todos os riscos que eu tomei tinham me levado a descobertas deliciosas. Eu andava apostando no time da confiança e fui.

Resulta que o carro do amigo não era um carro se não que uma caminhonete cheia de material de paisagismo, que um dos embriagados iria dirigir e que eu teria a honra de ir na boléia, enquanto 4 marmanjos (incluindo meu pé de valsa) iriam na traseira.

Pensei: se esses 4 decidirem fazer alguma coisa comigo eu to fodida! Não, não foca nisso, manda sua localização para alguma amiga, isso, pra Flávia. Pronto, agora só confia, Laura, confia! Vai dar tudo certo!

Chequei se haveria uber pra chamar naquela região. “Nenhum carro disponível nas redondezas.”

Enfim eu cheguei na casa do encantado. Sã e salva. E com a promessa de que ele me levaria de volta, a hora que eu quisesse.

Continuamos o que tinha começado na dança e ele repetiu a trilha sonora.

Mesmo depois da uma noite de farra ele estava cheiroso, e sem roupa ele era mais gostoso: tanquinho definido, peitoral recheado e um pau… ah…um pau lindo e grosso.

Eu me deleitava com a vista e com as texturas. Coloquei a camisinha nele e virei de costas pra ser encoxada. Abri minha guarda de submissa.

— Pede… Diz pra mim o que eu posso fazer pra te satisfazer?

— Eu quero comer teu cu

Fui leviana. Sim, eu perguntei, mas eu não estava tão disposta assim a satisfazer. Eram 7 de manhã, eu tinha dançado, bebido e comido em demasia. Não era dia de dar cu.

— O cu não bebê, hoje não.

— Como a gente vai fazer então? Eu quero o teu cu!

— Tem tanta coisa que eu posso fazer por você. Deixa eu…

— Você tá na minha casa, na minha cidade, eu que mando aqui. E agora eu to mandando você me dar esse cu.

Me fodi. Não tem uber nessa caceta de cidade. O boy mordeu a isca de dominador, mas não enganchou nos princípios de consentimento.

Todas as minhas experiências até aqui tinham sido aventuras que compesaram e satisfizeram. Dei sorte demais até aqui. Até aqui.

Porque agora eu me fodi. Esse homem é forte, no braço eu não consigo nem competir e não tem vizinho pra quem gritar. Se eu comprar briga, a coisa podia ficar ainda pior ou mais violenta pro meu lado… Me fodi.

— Brinca com a cena

Foi isso que uma cinquentona de um role play disse pra mim.

— Não quebra o personagem, direciona pro lado que você quiser brincando com a cena, interagindo com a situação.

Podia funcionar ou não. Em ambos os casos, brincar com a cena iria, no mínimo, reduzir danos pro meu lado.

— Você quer meu cu?

— Quero

— Muito? — ele assentiu com a cabeça — E o que você vai fazer por mim pra conseguir? Tudo? Então me chupa.

É estranho como a adrenalina pode deixar a gente genuínamente excitada mesmo que o medo também faça parte da equação. Eu puxei o rosto dele pra cima, e enquanto tascava um beijo, segurei as bolas dele bem apertadas e disse:

— Sabia que eu também sei mandar?

Dei uma pressionada um pouco mais forte nas bolas delem, mas ainda fui gentil.

— Fala pra mim. Fala que eu também mando aqui!

Com uma mão eu segurava as bolas e com a outra eu agarrei firmemente o pescoço dele, enquanto eu fazia um charme e lambia o pescoço e as orelhas dele.

— Você também manda aqui.

— É? Antes de te dar meu cu, eu quero comer seu. Você deixa?

Como a mão que eu lhe segurava as bolas, escorreguei um dedo médio pra porta de entrada. Foi um elemento surpresa que fez ele titubear e abrir a guarda.

— Eu não faço essas coisas.

Ele tinha ficado desconfortável. Foi o ponto de abertura que me faltava pra tentar voltar pra cena original, para aquela que eu queria quando topei ir pra casa dele. Nos poucos segundos que ele desarmou a guarda, eu segurei firme no pau seu pau e sentei com gosto.

— Fica tranquilo, eu tava só brincando…

O rosto dele abriu uma claridade de alívio e de tesão. Infelizmente ou felizmente — eu realmente nem sei mais — o encaixe foi saboroso. Minha xota pulsava diante da minha vitória iminente.

Conforme eu cavalgava o homem se desfazia. Ele gemia e revirava o olho. E eu brincava com a cena. Comecei a contrair os músculos internos pra deixar mais intensa a cavalgada. De vez em quando abaixava pra lamber-lhe a boca e sussurar alguma bajulação no ouvido.

— Que caralho bom que você tem.

Ele gemia mais dolorido quando eu falava. Ficava evidente que o homem não ia aguentar muito mais tempo.

Dentro de mim pulsava uma empolgação: eu contornei a cena! Eu escapei do que quer que ele quisesse, eu fiz o que eu queria. Minhas narinas abriam, minha respiração acelereva e todas as minhas entranhas pulsavam. Eu me movimentava com mais intensidade, em partes era pra mostrar o poder da minha cavalaria, em partes era pra atender ao pedido do meu corpo.

Naquele momento, nada disso era pensamento, eram sensações. Ar entrando de tufão, meus cavalos correndo livres e selvagens, um orgasmo se armando violentamente e se concretizando em tiros de repetição. Brutal.

Conforme ele me via gozar masjestosamente, ele perdeu o controle e soltou o seu gozo também. O dele era ordinário, breve, desinteressante.

Ele tentou me usar. Ele tentou me controlar. Ele estava disposto a me violentar, ativamente, me obrigando, ou passivamente, criando em mim uma situação de medo, obrigação e necessidade. Mas eu dominei a cena, eu controlei o roteiro. E para a minha própria surpresa, eu gozei violentamente. Memoravelmente.

“Eu vou pingar em quem até já me cuspiu, viu?”

Aqui eu volto a falar com vocês, caras leitoras. Não tem nenhuma moral, nenhuma lição a ser passada com o essa história. Aqui o que eu trago é só uma história real. É um retrato literário da vida, da complexidade e dos paradoxos da realidade.

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Gabriella Feola
Histórias Safadas

Jornalista meio empreendedora, autora do livro Amulherar-se, cursa mestrado na Universidade de São Paulo, estudando Comunicação e Educação da sexualidade.